REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 52 | junho-julho | 2015

 
 

 

TOMAS TRANSTRÖMER

Oito Poemas

Traduzidos por Francisco Craveiro

Tomas Tranströmer (Suécia, 1931). Prémio Nobel da Literatura em 2011.

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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 A árvore e o céu 

Há uma árvore a andar à chuva,

passa à pressa por nós neste cinzento intenso.

Tem uma missão. Recolhe vida da chuva

como um melro num pomar.  

 

Se a chuva pára ela pára.

Ali está,  sossegada em noites limpas

à espera como nós do momento

em que os flocos de neve desabrochem no espaço.

 
 

As lembranças olham para mim 

Manhã de Junho, cedo para me levantar,

muito tarde para voltar a dormir.

 

Tenho de sair – a folhagem está cheia

de recordações, seguem-me com  os olhos fixos.

 

Não se conseguem ver, completamente misturadas

com o fundo, camaleões autênticos.

 

Estão tão perto que as ouço respirar

embora o cantar dos pássaros seja ensurdecedor.

 
 

As montanhas negras 

Na curva a seguir o autocarro  libertou-se da sombra fria da montanha,

virou o nariz para o sol e arrastou-se  rugindo estrada acima.

A abarrotar. O busto do ditador ia também,

embrulhado em jornal. Uma garrafa andou de boca em boca.

A morte, o sinal de nascença, tornava-se aceitável, mais para uns do que para outros.

No alto o mar azul chegava ao céu.

 
 

C Maior 

Quando saiu à rua depois do encontro

a neve rodopiava no ar.

O inverno viera

enquanto estavam deitados.

A noite tinha um brilho branco.

Caminhava depressa e alegremente.

A cidade era toda a descer.

Passavam  sorrisos -

toda a gente sorria protegida pelas golas levantadas.

Que liberdade!

E todas as interrogações começaram a cantar  sobre a existência de Deus.

Ou assim lhe pareceu.

 

Ouviu-se de repente uma música

que caminhou no turbilhão da neve

com passadas largas.

À sua volta tendia tudo para a nota C.

Uma bússola a apontar vacilante para C.

Uma hora acima  de todas as angústias.

Que fácil!

Por trás das golas levantadas todos sorriam. 

 
 

Canção de embalar 

Sou uma múmia imóvel no esquife azul das florestas,  no rugido perpétuo de motores, borracha e asfalto.

 

O que aconteceu durante o dia  afunda-se, o trabalho de casa é mais penoso do que a vida.

 

O carro de mão rolou com a sua roda única e eu viajei na minha mente em rodopio, mas agora os meus pensamentos pararam de girar e o carro de mão ganhou asas.

 

Por fim, quando escurecer, virá um avião. Os passageiros verão as cidades  em baixo a reluzirem  como o ouro dos Godos.

 
 

De Julho de 1990 

Era um funeral

e senti que o morto

lia os meus pensamentos

melhor do que eu próprio.

 

O órgão silencioso,  os pássaros a  cantarem.

Lá fora a sepultura ao sol.

A voz do meu amigo pertencia

à outra ponta dos minutos.

 

Voltei de carro para casa

Desvendado pelo esplendor do dia de verão

pela chuva  e a serenidade

permeado pela lua.

 
 

De Março de 1979 

Cansado daqueles que vêm com palavras, palavras mas não linguagem,

dirigi-me para a ilha coberta de neve.

Não há palavras para o indomável.

As páginas em branco espalhadas por todo o lado!

Descubro as pegadas de rena na neve.

Linguagem mas não palavras.

 
 

Elegia 

Abro a primeira porta.

Um quarto amplo banhado pelo sol.

Na rua passa um pesado

e faz a louça estremecer.

 

Abro a segunda.

Amigos! Beberam a escuridão

e tornaram-se visíveis. 

 

Terceira porta.  Um quarto de hotel pequeno.

A dar para uma ruela.

A luz de um candeeiro a cintilar no asfalto.

Escória magnífica de ter vivido.

 
 

Estas traduções foram feitas a partir dos livros The Half – Finished Heaven, traduções por Robert Bly e New Collected Poems, traduções por Robin Fulton. 

Francisco José Craveiro de Carvalho

 

 

© Maria Estela Guedes
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