REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 52 | junho-julho | 2015

 

RORY WATERMAN

«The Avenue» e outros poemas

Traduzidos por Francisco Craveiro

O livro de estreia de Rory Waterman, Tonight the Summer’s Over, foi objecto de uma Poetry Society Recommendation e integrou a lista final para o Seamus Heaney Prize. Rory escreveu dois livros sobre poesia do século XX, co-edita a revista New Walk e colabora regularmente no TheTimes Literary Supplement. É professor de Inglês na Nottingham Trent University, onde é também responsável pelo MA em Creating Writing.  

 

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Dir. Maria Estela Guedes  
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The Avenue 

 

Encontraram um homem no arbusto que abriga a nossa pequena rua –

uma mão gorda e branca deixada fora da cova –

e a polícia isolou uma pequena área. Nenhuma  explicação

 

a não ser do The Post. E agora o solo está novamente pejado de latas

e pacotes vazios de batatas fritas; o granizo sacode a hera; os melros

saltitam entre o chão  e o tronco quando monotonamente anoitece.

 

Ao regressarmos à noite também nós vamos continuando,

apressando-nos para as luzes de segurança, nas

sombras de portões que empurram pelo saibro do chão.

 
 

Visita mensal 

 

A tua cerveja depois do almoço; o meu sumo de ananás;

Um pacote de  aperitivos boquiaberto entre nós.

A sala do Wig & Mitre era uma escolha tua.

Depois, às seis, o táxi de regresso, um abraço

antes de te deixar a acenar-me na esquina,

terminado  o  nosso fim de semana mensal.

A mãe à chegada a parecer   um pouco mais calorosa

do que quando a deixara e eu um pouco mais fechado.

 

Como havia eu  de saber o que era um alcoólico?

O Wig & Mitre é hoje o Widow Cullen’s Well.

As divisões foram deitadas abaixo, as paredes deixadas nuas;

mas o sítio tem ainda o mesmo cheiro a mofo,  adocicado

e volto a entrar para beber qualquer coisa porque

sei que aqui encontrarei uma parte de nós.

 
 

Visita ao avô 

 

Ele deu-lhe uma fotografia da bisavó Alice

e uma caixinha com medalhas que tinha ganho na Guerra.

Ela experimentou os óculos e riu-se, ouviu

o clicar do pacemaker, bochecha encostada ao peito,

deu corda ao relógio e chocalhou os comprimidos,

mas ele não lhe disse para que eram.

 

Quando o cancro o levou  a mãe disse-lhe

que não o podia ver. Não se mostra a uma criança de quatro anos

o que corpo pode fazer a si próprio. Uma noite então

ela ouviu falar em céu, nas pessoas a olharem cá para baixo

e a sorrirem. Fez por não chorar e escondeu

as medalhas que o avô em tempos usara.

 
 

Dores de crescimento (Distância) 

 

A Mamã vai ao tribunal, o Papá vai

ao tribunal, meu amor,  e lá resolvem

como vai ser, meu querido – onde vais dormir,

onde vais à escola.  Só isto.

 

E quem merece mais ficar contigo? Qual  é o melhor

a abraçar-te e a dizer não tem importância

quando fazes chichi na cama? É como um exame

e o prémio és tu, doçura, os especialistas sabem,

 

fizeram contas, leram livros enormes.

O juiz é um homem muito, muito inteligente.

Vá, sê um homenzinho, pequenito, e limpa os olhos.

Gostamos todos muito de ti. Estamos a fazer aquilo que podemos.

 

E agora - caramba! – tens vinte cinco anos

 e tiras depoimentos de uma pasta.

 
 

De um apartamento de habitação social em Birmingham 

 

À porta o monte habitual de correio:

contas e extractos, alguns postais de Natal

em Junho. Os vizinhos  achavam que não viam o John

havia meses, já não suportavam as moscas,

alguém interrogou-se de onde viriam elas

e ligou-nos. O mau cheiro era insuportável,

o estômago chegou-me à garganta. O pessoal da medicina legal

meteu-o num saco e levou-o. Limpámos a cinza

 

do seu último cigarro caída no chão, vimos

a cova no sofá onde ele ficou

em frente da TV, sob o candeeiro,

e defumámos  o apartamento para fazer desaparecer

o sabor forte da sua presença, entre fotografias emolduradas

de alunos com covinhas na face. E ninguém chorou

ao ver o álbum de casamento ou manchas de humidade

ou se perguntou a razão pela qual se dera ao trabalho de viver.

 
 

Retrospectiva 

 

Como é que uma coruja é apanhada por um comboio?

Sem manchas de sangue, como era, levemente espalmada:

aos treze anos não se pensa que é uma coisa

que se não voltará a ver do mesmo modo

 

como brinquedos, cartoons, há apenas uns meses.

Vês que está hirta como cartão. Esticas  uma asa

que  fica a meio ao voltar a juntar-se ao corpo.

Pegas-lhe por uma garra para mostrar aos amigos

 

que não tens medo. Quatro garras frágeis curvam-se

na tua mão cruel – estás de mão dada

com uma coruja morta e sábia, a aprender algo

inescrutável que não podes compreender ainda.

 
 

Desdobrar 

 

Fizeste uns cortes, sacudiste e pronto já estava:

uma cadeia  de figuras de mãos dadas e pés a tocarem-se.

O papá trouxe os lápis de cor,

 

tu esborrataste-a com rabiscos  e remoinhos

roxos, verdes, pretos, azuis, desenhaste caras,

olhaste e estava muito bem,

escreveste o teu nome,

 

a Mamã achou que estava excelente

e colou-a no frigorífico com Blu-tack. Dezasseis anos

passaram num piscar de olhos. Lá ficou a enrugar-se, salpicada,  meio esquecida,

a amarelecer, a ser coberta por postais

e foi metida numa lata

 

quando a Mamã  e o Papá fizeram obras na cozinha, tu

formado, com emprego, eles com tempo,

dinheiro para gastarem e projectos para a reforma. E quatro meses depois

de ires contra aquele plátano, de dares cabo de metade do cérebro,

levaram-ta  perguntando lembras-te?

Mas tu não respondeste.

 
 

Urtigas 

 

Vou às urtigas na mata

pensando vagamente em sopas, guisados, chás

e movo-me com dificuldade entre hastes que quebram

 

nos meus  joelhos, sem pensar na destruição

que os meus passos estão a causar, lembrando-me da minha Avó

a aproveitar uma tarde para talhar e deformar

a sua sombra com uma pá

 

à procura de ruibarbo que nunca comemos,

para tartes nunca feitas.

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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