REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 52 | junho-julho | 2015

 
 

 

 

PAUL CELAN

7 poemas

transmudados por Luís Costa 

 

 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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1

 

 

CONTA as amêndoas,

 

conta o que era amargo e te mantinha acordado,
conta-me com elas:

 

procurei o teu olho, quando o abrias e ninguém te olhava;
fiei aquele fio secreto,
o orvalho em que pensavas
desceu aos cântaros;
 
guarda-os uma sentença que não encontrou nenhum coração.

 

só então entraste, inteira , no nome que te pertence;
caminhaste com passos seguros na tua direcção,
os martelos oscilavam livremente nas armações do teu silêncio,
o que ouviste uniu-se a ti,
o morto também pôs o braço à tua volta,
e os três caminhastes através da tarde.

 

torna-me amargo.
conta-me com as amêndoas.

 

 

2

 

ESTAR - na sombra
da cicatriz

no ar.

 

para - ninguém - e - nada- estar. 
irreconhecido,

para ti.

 

com tudo o que dentro tem espaço,
também

sem fala.

 

 

3

 

- Mandorla -

 

NA AMÊNDOA – o que há na amêndoa? 
o nada. 
o nada está na amêndoa. 
ali está e está.

 

no nada – quem está no nada? o rei. 
o rei está no nada, o rei.
 
ali está e está.

caracol de judeu, não ficarás branco.

 

e o teu olho, onde está o teu olho? 
o teu olho está diante da amêndoa.
 
o teu olho está diante do nada.
apoia o rei.
 
assim ali está e está.

 

caracol de homem, não ficarás branco. 
amêndoa vazia, azul real.

 

 

4

 

- A canção do trapaceiro -

 

Uma canção de trapaceiros e chantagistas 
cantada em PARIS EMPRÈS PONTOISE 
por Paul Celan
de Chernivtsi, Sadagura.

por vezes só em tempos obscuros
Heinrich Heine

 

OUTRORA 
quando a forca ainda existia
 
nessa altura, não é verdade, havia
 
alguma coisa lá em cima.

 

onde está a minha barba, 
vento,
 
a minha nódoa de judeu,
 
a barba que me arrancas.

 

o caminho era torto, sim 
o caminho por onde eu seguia,
 
depois, sim,
 
depois era direito.

 

eia

 

torto 
assim há-de ser o meu nariz.
 
nariz.

 

e nós também fomos para Friul. 
nessa altura teríamos, teríamos.
 
pois a amendoeira estava em flor.
 
amendoeira mandaloeira

sonhadeira mandaloeira 


e também a manchaloeira
 
chandeleira

 

eia 
ah

 

envoi

 

mas 
ela arvora-se, a árvore.
 
ela,
 
também ela
 
é contra a peste.

 

outrora
quando a forca ainda existia
 
nessa altura, não é verdade, havia
 
alguma coisa lá em cima.

 

 

5

 

- Confiança -

 

SERÁ ainda um olho,
um olho desconhecido, junto ao
nosso: mudo 
sob uma pálpebra de pedra.

 

vinde,
escavai as vossas galerias!

 

será um cílio,
curvado para dentro na rocha,
acerado pelo que não foi chorado,
o mais fino dos fusos.

 

perante vós, faz a sua obra
como se houvesse,
 
porque é pedra, ainda irmãos.

 

 

6

- Carta com relógio -

 

CERA
para lacrar o não escrito
que adivinhou
o teu nome,
que encripta
o teu nome.

 

já vens, luz flutuante?

 

dedos ,de cera também,
arrancados por
anéis doridos e alheios.
derretidas as pontas .

 

vens, luz flutuante?

 

vazios de tempo os favos
do relógio,
nupciais, as mil abelhas,
prontas para a viagem.

 

vem, luz flutuante.

 

7

- Brincando com os machados -

 

SETE HORAS de noite, sete horas de vigia:
deitado na sombra dos cadáveres erectos,
brincas com os machados

- ó árvores que não abates! –

com a pompa do segredo na cabeça
e o entulho das palavras aos pés, estás deitado

e brincas com os machados

 

— por fim, brilhas como eles.

   
 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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