1
CONTA
as amêndoas,
conta o
que era amargo e te mantinha acordado,
conta-me com elas:
procurei o teu olho, quando o abrias e ninguém te olhava;
fiei aquele fio secreto,
o orvalho em que pensavas
desceu aos cântaros;
guarda-os uma sentença que não encontrou nenhum coração.
só
então entraste, inteira , no nome que te pertence;
caminhaste com passos seguros na tua direcção,
os martelos oscilavam livremente nas armações do teu silêncio,
o que ouviste uniu-se a ti,
o morto também pôs o braço à tua volta,
e os três caminhastes através da tarde.
torna-me amargo.
conta-me com as amêndoas.
2
ESTAR -
na sombra
da cicatriz
no ar.
para -
ninguém - e - nada- estar.
irreconhecido,
só
para ti.
com
tudo o que dentro tem espaço,
também
sem
fala.
3
-
Mandorla -
NA
AMÊNDOA – o que há na amêndoa?
o nada.
o nada está na amêndoa.
ali está e está.
no nada
– quem está no nada? o rei.
o rei está no nada, o rei.
ali está e está.
caracol
de judeu, não ficarás branco.
e o teu
olho, onde está o teu olho?
o teu olho está diante da amêndoa.
o teu olho está diante do nada.
apoia o rei.
assim ali está e está.
caracol
de homem, não ficarás branco.
amêndoa vazia, azul real.
4
- A
canção do trapaceiro -
Uma
canção de trapaceiros e chantagistas
cantada em PARIS EMPRÈS PONTOISE
por Paul Celan
de Chernivtsi, Sadagura.
por
vezes só em tempos obscuros
Heinrich Heine
OUTRORA
quando a forca ainda existia
nessa altura, não é verdade, havia
alguma coisa lá em cima.
onde
está a minha barba,
vento,
a minha nódoa de judeu,
a barba que me arrancas.
o
caminho era torto, sim
o caminho por onde eu seguia,
depois, sim,
depois era direito.
eia
torto
assim há-de ser o meu nariz.
nariz.
e nós
também fomos para Friul.
nessa altura teríamos, teríamos.
pois a amendoeira estava em flor.
amendoeira mandaloeira
sonhadeira mandaloeira
e também a manchaloeira
chandeleira
eia
ah
envoi
mas
ela arvora-se, a árvore.
ela,
também ela
é contra a peste.
outrora
quando a forca ainda existia
nessa altura, não é verdade, havia
alguma coisa lá em cima.
5
-
Confiança -
SERÁ
ainda um olho,
um olho desconhecido, junto ao
nosso: mudo
sob uma pálpebra de pedra.
vinde,
escavai as vossas galerias!
será um
cílio,
curvado para dentro na rocha,
acerado pelo que não foi chorado,
o mais fino dos fusos.
perante
vós, faz a sua obra
como se houvesse,
porque é pedra, ainda irmãos.
6
- Carta
com relógio -
CERA
para lacrar o não escrito
que adivinhou
o teu nome,
que encripta
o teu nome.
já
vens, luz flutuante?
dedos
,de cera também,
arrancados por
anéis doridos e alheios.
derretidas as pontas .
vens,
luz flutuante?
vazios
de tempo os favos
do relógio,
nupciais, as mil abelhas,
prontas para a viagem.
vem,
luz flutuante.
7
-
Brincando com os machados -
SETE
HORAS de noite, sete horas de vigia:
deitado na sombra dos cadáveres
erectos,
brincas com os machados
- ó árvores que não abates! –
com a pompa do segredo na cabeça
e o entulho das palavras aos pés,
estás deitado
e brincas com os machados
— por
fim, brilhas como eles.
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