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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 52 |
junho-julho | 2015
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JOSÉ PINTO CASQUILHO
Análise
crítica do Colóquio Quadragésimo Nono
de Garcia de Orta intitulado
"De tres maneiras de sandalo"
(1)
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José Pinto Casquilho – Programa de
Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Nacional Timor Lorosa’e
(josecasquilho@gmail.com)
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Resumo
Neste
trabalho citam-se excertos do Colóquio nº 49 do livro “Colóquios
dos Simples e Drogas da Índia” de Garcia de Orta, médico judeu
sefardita português que viveu no século XVI e exerceu a
profissão durante mais de trinta anos em Goa, considerado
pioneiro da medicina tropical. Procura-se relacionar com outros
escritos da época e também com literatura científica
contemporânea a propósito da área de ocorrência da espécie
Santalum album L. e
das suas propriedades terapêuticas e medicinais, bem como dos
usos tradicionais. A edição original da obra foi publicada em
Goa em 1563, com o título “Coloquios
dos simples e drogas he cousas medicinais da India e
assi dalgũas frutas achadas nella onde se tratam algũas cousas
tocantes a medicina, pratica, e outras cousas boas pera saber”,
mas a que servirá de suporte a esta análise é a edição publicada
pela Academia Real das Ciências de Lisboa em 1895, dirigida e
anotada pelo Conde de Ficalho. Como teremos ocasião de ver, o
sândalo branco e amarelo são a mesma espécie, mas já o designado
sândalo vermelho antes é uma leguminosa. Finaliza-se este
escrito afrontando um mistério, de que decorre um tópico de
pesquisa.
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Palavras-chave:
Santalum album L.;
História; Biogeografia; Usos tradicionais e medicinais; Pesquisa
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Dizem os malaios mercadores que Deus
criou Timor de sândalos,
Banda de maças e as de Maluco de cravo
e que no mundo não é sabido outra parte em que
estas mercadorias hajam, somente nestas.
Tomé Pires, Suma Oriental, Tomo II 1512-1515
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Introdução
Garcia de Orta, médico português, judeu
sefardita, natural de Castelo de Vide no Alentejo, nasceu no
início do século XVI (1501 ou 1502), estudou medicina nas
universidades de Salamanca e Alcalá de Henares e em 1526 já
exercia medicina em Lisboa, tendo sido professor na universidade
lecionando Filosofia Natural e Moral. Rumou à Índia portuguesa
em 1534 como médico-chefe integrado na frota de Martim Afonso de
Sousa - que se notabilizou conquistando Diu em 1535 sendo depois
alçado a Governador (1542-1545). Garcia de Orta estabeleceu-se
em Goa em 1538, onde adquiriu notoriedade, tornando-se médico
dos Vice-reis e Governadores portugueses tendo inclusivamente
assistido Burhan Nizam Shah I de Ahmednagar, um dos sultanatos
do Deccan. Ainda foi detentor do foro da cidade de Bombaim
(Mumbai) entre 1554 e 1570 (2) e a sua casa localizava-se junto
do castelo. Hoje é considerado um dos pioneiros da medicina
tropical.
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Fig. 1- Garcia de Orta |
Escreveu
um tratado conhecido abreviadamente como “Colóquios dos Simples
e Drogas da Índia” cuja edição original foi publicada em Goa em
1563, com o título “Coloquios
dos simples e drogas he cousas medicinais da India e
assi dalgũas frutas achadas nella onde se tratam algũas cousas
tocantes a medicina, pratica, e outras cousas boas pera saber”
que dedicou a Martim Afonso de Sousa. A importância deste
trabalho foi imediatamente reconhecida pelo naturalista flamengo
Carolus Clusius após ter deparado com uma cópia dos Colóquios em
janeiro de 1564, que resumiu para latim, ilustrando e fazendo-a
publicar em Antuérpia em 1567 (3) (Fontes da Costa &
Nobre-Carvalho, 2013). Nesta obra, escrita sob a forma de
diálogos hipotéticos com Ruano (que também teria estudado em
Alcalá e Salamanca), o colóquio Quadragésimo Nono é dedicado ao
sândalo. Vamos utilizar excertos da edição publicada pela Real
Academia das Ciências de Lisboa em 1895, comentada pelo Conde de
Ficalho, para confrontar com outros escritos - uns da época,
outros mais recentes ou contemporâneos -, a propósito da área de
origem da espécie e dos usos tradicionais, medicinais e rituais
do sândalo, comummente designado de “branco” ou “amarelo”(Santalum
album L.).
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Figura 2 – Capas da edição original dos Colóquios dos Simples e
Drogas da Índia de Garcia de Orta (Goa, 10 de Abril de 1563) e
da edição da Academia Real das Ciências de Lisboa de 1895
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Biogeografia do sândalo
Diz-nos
Garcia de Orta (p. 281) (4)
:
“O
sandalo nasce acerqua de Timor, onde ha a maior quantidade; e he
chamado chandam: com este nome se chama por todas as terras
visinhas a Malaqua; e os Arabios, como pessoas que cheiravam o
comercio destas terras, corrompendo o vocabulo, lhe chamaram
sandal. Todo o Mouro de qualquer naçam que seja o chama asi; e
os Canarins e Decanins e Guzarates o chamam cercandá. Nacem e
crecem os arvores do sandalo em Timor, donde he a maior
cantidade; e sam matas que não se acabam de gastar, asi de huma
banda da ilha como da outra.”
Como se vê, Garcia de Orta coloca a
origem do sândalo na ilha de Timor, o que está de acordo com a
citação anterior de Tomé Pires em epígrafe e ainda com outros
escritos quinhentistas - por exemplo, entre outros, Duarte
Barbosa (c. 1516) também falava do
sândalo branco e cor
de limão, que nasce em uma ilha chamada Timor; ou ainda Camões
no Canto X de Os Lusíadas (1572: 183) na única referência à
ilha: Ali também Timor, que o lenho manda, sândalo salutífero
e cheiroso.
O género
Santalum compreende
um número de espécies que é referenciado correntemente de forma
variável, como sendo de 18 (Subasinghe, 2013) mas também de 29
(Applegate & McKinnel, 1993), estendendo-se da Índia e da
Indonésia até às ilhas Juan Fernandez perto da América do Sul. É
possível que esta diferença substancial se reporte a distinções
taxonómicas que, nalguns casos, uns autores associem a espécies
diferentes enquanto outros antes as considerem variedades:
Brennan e Merlin (1993) referem que uma revisão aprofundada da
literatura estabelece 16 espécies de sândalo (uma das quais
extinta) e 17 variedades. Em qualquer caso, de entre o conjunto,
vamos apenas incidir sobre a mais conhecida: o sândalo branco (Santalum
album L.).
Atualmente, a origem do sândalo branco indexada à ilha de Timor
tornou-se ténue na bibliografia de expressão anglófona: a
espécie é referenciada mais frequentemente como “sândalo indiano
(5)”
(e. g. Annapurma et al., 2004; Gamage et al., 2010; Subasinghe
et al., 2013) ou ainda “sândalo indiano oriental” (Kumar et al.,
2012) reportando-se a sua área biogeográfica principal às
florestas do Sul da Índia, nomeadamente Karnataka, Tamil Nadu e
Kerala; outros autores a dizem nativa também do Sul da Índia mas
antes da região de Coorg, Chennai e Mysore (Sindhu et al.,
2010), eventualmente acrescentando-se ainda o Sri Lanka e o
Norte da Austrália. No entanto, alguns reportam a área
geográfica de origem da espécie a ilhas da Indonésia, e também
regiões da Índia (Brennan & Merlin, 1993), explicitando
ocasionalmente a ilha de Timor (e. g. Applegate & McKinnel,
1993); Harisetijono e Suriamihardja (1993) referem que o sândalo
branco localmente denominado
cendana, ocorria
principalmente nas ilhas de Timor e de Sumba, na parte ocidental
das Flores, e ainda nas ilhas de Alor e Roti.
De entre as “tres maneiras de sandalo”
referidas por Garcia de Orta entende-se no diálogo que se trata
de “sandalo vermelho”, “sandalo branquo” e “sandalo amarelo”,
dizendo-nos sobre a primeira (pág. 281/282):
“[…]
e porém em Timor não
nasce este sandalo vermelho […].
E a feiçam deste arvore de sandalo vermelho, até ao presente,
não o pude saber; mas sei ao certo que vem dali todo o sandalo
vermelho, o qual se gasta muyto pouquo nesta terra, porque não o
gasta a gente mais que pera febres […].
E também se gasta cá o vermelho em pagodes ou ídolos, e amde ser
os páos muyto grandes; […]”
Diz-nos o Conde de Ficalho nas anotações
finais do colóquio que o “sandalo vermelho” (raktachandana
em sânscrito) não é
espécie do género
Santalum mas antes uma leguminosa, mais propriamente o
Pterocarpus santalinus
L., que existe nas florestas do Sul da Índia, tanto na parte
ocidental como nas costas do Coromandel, não sendo fácil
perceber porque lhe deram o mesmo nome do género. A madeira é
empregada em usos medicinais, como adstringente e tónica, e
externamente como refrigerante – portanto com usos semelhantes
ao sândalo -, mas ao contrário deste é insípida e inodora.
Já sobre a distinção entre “sândalo
branco” e “sândalo amarelo”, que são a mesma espécie sendo o tom
amarelado imputado a árvores em geral mais velhas que acumularam
mais óleo na região do cerne, pode ver-se que essa hipótese não
é descartada por Garcia de Orta na resposta à pergunta de Ruano
(p. 284): Ha de duas
maneiras sandalo em Timor, ou he todo branco? E qual he mais
estimado?
“[…]
posto que falando o outro
dia com hum mercador, que sabe bem essas terras, me disse, que
na parte que he mais descuberta de sol há muyto sandalo amarelo,
e mais ambas as maneiras de sandalo tem as arvores semelhantes,
que nos nam conhecemos a deferença que ha entre os arvores.[…]”
Descrevendo a árvore diz-nos Orta (p.
284):
“O
arvore do sandalo he tamanho como huma nogueira; e a folha he
muyto verde, e he feita como a da aroeira; deita frol azul
escura, e dá huma fruta verde do tamanho da cereja, e cae
azinha, e he primeiro verde, e depois preta e sem sabor.”
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Um pouco
de História
Não há dúvidas sobre a importância
estratégica de Malaca no comércio asiático e não só,
estendendo-se a Meca e ao Mediterrâneo. Albuquerque não hesita
em considerar Goa e Malaca “as maiores duas coisas da Índia” em
carta de 30 de Outubro de 1512 enviada ao rei Manuel I de
Portugal (Bulhão Pato, 1884: 97). Tomé Pires, em
Suma Oriental,
escrita entre 1512 e 1515, refere Malaca como não havendo igual,
e que lá se processava o comércio de toda a espécie e de todas
as partes do mundo (2005: 285), a que não era alheio o facto de
a região se situar no fim das monções. Ainda o mesmo autor
descreve, em relação ao sândalo, que os Malabares, vindos das
regiões de Coromandel e Pulicat na Índia, trazendo meia dúzia de
navios em cada ano, com trinta espécies de ricos tecidos,
levavam de volta principalmente sândalo branco (p: 272), porque
o sândalo vermelho crescia nas suas terras; também de Cambaia
vinha um navio cada ano e levava de volta especiarias e sândalo
(p: 270); ainda acrescenta que de Java vinham mercadores na
demanda de cravinho, maças, noz moscada e sândalo (p: 241).
Falando dos empreendimentos portugueses no tempo, após a tomada
de Malaca em 1511, afirma que os barcos vão a Timor na demanda
do sândalo (p: 283).
Com efeito é sabido que Afonso de
Albuquerque mandou sair em Novembro de 1511 uma armada de três
navios, comandada por António de Abreu, para descobrir as ilhas
das especiarias, onde constava uma caravela que transportava o
piloto-cartógrafo Francisco Rodrigues. Nesta viagem, navegaram
por Norte da corda de ilhas entre Java, Solor e Wetar e foram
até Damboino (Ambom) e às ilhas Banda, onde carregaram cravo,
noz e maça.
A nau Santa Catarina, pilotada por
Francisco Rodrigues, regressou a Malaca pela mesma rota, em
Dezembro de 1512, não tendo sequer sido avistada a ilha de Timor
ao que consta, mas terá sido recolhida informação a propósito,
pois que da série de 68 cartas panorâmicos desenhadas por
Francisco Rodrigues, numa delas (fol. 37) encontra-se a
inscrição “A Jlha de
timor homde naçe o ssambollo“ que constitui a primeira
aparição da ilha de Timor na cartografia europeia, portanto
associada à existência do sândalo.
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Figura 3 – “A Jlha de
timor homde naçe o ssambollo“ é uma frase que se encontra
inscrita no esboço de Francisco Rodrigues (1512) – aqui
representada no topo superior da figura. Portvgaliae
Monvmenta Cartographica. 1960. Vol. I: 78-84. Pl. 34-36 (6)
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Rui de
Brito Patalim, capitão de Malaca, em duas cartas enviadas em
Janeiro de 1514, diz que Timor “he hua ylha alem de Java, tem
muytos sandallos, muyto mel, muyta cera ... nom tem juncos pera
navegar“ razão porque ainda lá se não tinha ido mas, mostrando a
intenção em que está em fazer dela terra portuguesa “...quero
agora mandar la huma dalle e huma caravela, por ver e apalpar se
posso tomar a posse dela ... “. Na segunda, para o Vice-Rei da
Índia, justifica que “... a Timor quisera mandar ... “ e que não
pudera naquela monção, por falta de juncos, mas que “... laa
pera o ano prazendo o noso senhor yram la pera trazerem o
sandalo ... he muito boa navegaçam“(7).
Ao que parece a primeira expedição ocorreu a bordo de um navio
ou junco chamado Luso-Malay
(Paulino, 2012). A chegada dos
portugueses a Timor, embora exploratória, poderá ter-se dado em
1514 (Thomaz, 1998: 594). Em Lifau, no enclave de Oecussi,
encontra-se um padrão com a seguinte inscrição: “Aqui
desembarcaram portugueses em XVIII-VIII-MDXV“.
Duarte Barbosa (1516, 1966: 203),
diz-nos: assim navegam desta cidade de Malaca para todas as
ilhas que estão por todo esse mar, e para Timor, donde trazem
todo o sândalo branco, que entre os mouros é mui estimado e vale
muito. Ou ainda (Barbosa, 1516, 1966: 211): nesta ilha há muitos
sândalos brancos, que os mouros muito estimam na Índia e na
Pérsia, onde se gasta muita soma deles, e têm grande valia no
Malabar, Narsinga e Cambaia.
Antes dos portugueses existem várias referências de manuscritos
chineses à ilha de Timor (8), correspondente ao topónimo
Ti-wu (com variantes
Ti-mat,
Ti-mön, ou
Ti-men) e se num primeiro, datado de c. 1250, se referem várias
ilhas e regiões a propósito das especiarias incluindo o sândalo,
no
Tao-I-Chih-Luëh
(9), datado de c. 1350, existe uma descrição detalhada da ilha
de Timor (Ti-men)
afirmando-se que nas montanhas não crescem outras árvores senão
sândalo, que é muito abundante (Durand, 2006: 35). |
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Usos tradicionais
do sândalo
Sobre os usos do sândalo, medicinais e
higiénicos, diz-nos Garcia de Orta (p. 282):
“E
quanto he ao sandalo branquo e amarelo, muyto grande cantidade
se guasta em toda a India; porque toda a mais gente, ora sejam
Mouros ora Gentios, se untam com sandalo desfeito em aguoa, e
pisado em pedras, que pera esse mister tem feitas; e asi untam
todo o corpo até que se seca pera estarem frios, e cheirarem
bem; porque esta terra he muito quente, e a gente della muyto
amigua de cheiros.”
Os usos medicinais e terapêuticos do
óleo e do pó de sândalo estão referenciados em bibliografia
recente de que se salientam: efeito refrescante e sedativo,
tónico cardíaco, digestivo, anti-oxidante, anti-pirético,
antídoto de venenos, purificador do sangue, anti-cancerígeno em
especial relativo à epiderme (e. g. Sindhu et al., 2010;
Mukherjee, 2013), sendo os constituintes principais um álcool
sesquiterpénico designado santalol com dois isómeros (α-santalol
e β-santalol).
Um outro uso referido para o sândalo é a
sua utilização nas piras funerárias dos notáveis e ricos, na
Índia mas também noutras regiões da Ásia - na Peregrinação,
Fernão Mendes Pinto refere vários exemplos (e. g. Pinto, 1996
(1614): 616, 727).
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Sobre a área de
origem do sândalo
Às tantas
Ruano afirma (p. 285): “Antonio
Musa diz que o sandalo aos Portuguezes o devemos; que o trazem
do campo de Calecut, onde se colhe, e que Calecut he a principal
feira que ha na India; e vós dizeis que o ha em Timor, e o
vermelho em Tanasarim, terras confins de Malaca.”
Ao que Orta responde:
“[…]
em Calecut não ha campo, senam serras e palmares ao longo da
praia; e o [sândalo] que vem, os Portuguezes o trazem nas suas náos de Malaqua em muita
cantidade, donde vem ter a Cochim e a Goa; e destes portos se
reparte para o Malavar e o Canara, e Benguala, e pera o Decam, e
pera o Guzarate: e a mais pequena parte vai pera Ormuz, e pera
Arabia, e pera Portugal, como vos já dixe.”
Ainda
afirma Orta (p. 283)
“E
tornando a dizer donde nasce o sandalo branco e amarelo, diguo
que em Timor (a qual ilha tem muytos portos de huma banda e de
outra); e diguo que o de Mena, que he hum porto, he o milhor de
todos, e tem menos páo que os outros: e Matomea, que he outro
porto, tem um sandalo amarelo, mas tem muyto páo.[…]
E também há sandalo em
Verbali (que he um porto de Jaoa
(10)
e há nelle sandalo amarelo
e branco, e tem muyto forte cheiro, mas dura este sândalo
pouquo;”
Diz-nos ainda Garcia de Orta (p. 287)
“[…]porque
o branquo he mais chegado a natureza do citrino; pois ambos se
acham em huma mesma terra e o vermelho he muyto longe donde
nasce o branco. E tambem quero que saibaes que este arvore do
sandalo se dá em outras partes, se o prantam, e eu o vi em
Amdanager, onde foi trazido para se semear: e he este Amdanager
huma cidade do Decam, onde reside o Nizamoxa
(11),
cuja he, muytas vezes.”
Podemos dizer que fica a pairar um mistério. Não havendo dúvida
de que a ilha de Timor era a principal fonte do comércio de
sândalo (12),
não se percebe bem por que as matas da Índia não seriam
mencionadas e/ou exploradas com um estatuto relevante. É verdade
que Orta também afirma, aliás encerrando o colóquio (p. 288): “E
também dizem as Malavares que há na sua terra hum páo cheiroso
que parece ser sandalo branquo; e untamse com ele pera as
febres, e chamamlhe os Malavares sambarane.”
O
Conde de Ficalho debruça-se sobre este tópico e avança a
interpretação de que não se teria feito a identificação entre as
árvores da Índia e as das regiões mais afastadas, onde se inclui
Timor, acrescentando ainda que Orta fala de uma madeira das
proximidades do cabo Camorim que designa como
aguila brava – que
também é referida como utilizada nas piras funerárias – que, na
sua opinião, não será mais do que o sândalo.
Tendo
em vista uma pesquisa futura mais aturada deixam-se escritas
hipóteses alternativas que ajudem a sistematizá-la.
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Tópico de pesquisa
A questão que se coloca então, é: se a existência do sândalo (Santalum
album L.) era tão exuberante no Sul da Índia, o que terá
levado os portugueses e outros à sua demanda longínqua em Timor?
Só parecem existir três hipóteses para
responder a esta dúvida:
-
As
florestas de sândalo no Sul da Índia existiam mas não eram
mencionadas como relevantes, por alguma razão insólita – seja,
por exemplo, a de não se fazer a identificação com a árvore de
sândalo, como ficou dito acima;
-
As
florestas de sândalo na Índia eram conhecidas mas
consideravam-se inacessíveis por algum fator, de ordem política,
religiosa, logística, ou outra;
-
As
florestas de sândalo no Sul da Índia não existiam no início do
século XVI e terão sido plantadas depois, talvez com propágulos
de sândalo provenientes de Timor.
Em qualquer caso, parece que importará
fazer um resgate da importância comprovada de Timor na origem e
rotas do sândalo - ora algo obliterada na bibliografia
contemporânea -, hoje um recurso bastante exaurido em
Timor-Leste que deveria suscitar uma estratégia de regeneração
(e.g. McWilliam, 2001).
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(1) Texto de suporte a uma comunicação com o
mesmo título apresentada na Conferência Internacional “A Produção do
Conhecimento Científico em Timor-Leste”, 13-15 de agosto de 2014,
Universidade Nacional Timor Lorosa’e, Díli.
(2) Esta data, posterior à sua morte ocorrida em 1568, reflete que
o foro permaneceu até então na família próxima.
(3) Intitulada: Aromatum et
simplicium aliquot
medicamentorum apud indos nascentium historia.
(4) Nos excertos do Colóquio que
apresentamos mantemos a grafia da edição de 1895.
(6) Veja-se Jaime Sales Luís,
op. cit. (p: 6).
(7) Cf.
Bulhão Pato (1903)
in Jaime Sales Luís
op. cit.
(8) Cf. Frédéric
Durand op. cit. pag. 32 e
seguintes.
(9) Traduzido por Durand como “testemunho
resumido das nações insulares”.
(10) Grafia usada no tempo para designar
a ilha de Java.
(11) Maneira
como Orta se refere no texto ao atrás mencionado Nizam Shah I de
Ahmednagar.
(12) Não
esquecendo a ilha de Sumba, ao Sul da de Flores, que o Conde de
Ficalho refere que foi chamada ilha Chandana, ou seja, ilha do
sândalo.
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Referências
bibliográficas
Annapurma, D.; Rathore, T. S.; Joshi, G. 2004.
Effect of container type and size on the growth and quality of seedlings
of Indian sandalwood (Santalum
album L.). Australian Forestry,
vol. 67, n. 2, pp. 82-87.
Applegate, G. B.; McKinnel, F. H. 1993. The
management and conservation status of
Santalum species occuring in
Australia. In McKinnel, F. H. (Ed.)
Sandalwood in the Pacific region.
Proceedings of a symposium held on 2 June 1991 at the XVII Pacific
Sciences Congress, Honolulu, ACIAR Proceedings, n. 49, pp. 5-12.
Barbosa, Duarte. (1516) 1966.
Livro – em que dá relação do que
viu e ouviu no Oriente (introdução e notas de Augusto Reis Machado).
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NOTA: quem quiser aprofundar o tema da chegada dos portugueses à ilha
Timor no século XVI pode consultar o texto "Memórias do sândalo: Malaca,
o atrator Timor e o canal de Solor" http://hdl.handle.net/10400.5/8446 |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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