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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 49 |
dezembro-janeiro | 2014-15
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JOSÉ EMÍLIO-NELSON
Acerca da elucidação da poesia (dita difícil) |
Foto: Rui Sousa |
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José Emílio-Nelson nasceu em 1948, em
Espinho (Portugal). Poeta, crítico e editor. Reuniu a Obra Poética
em 2 volumes: 'A Alegria do Mal (1979-2004)' e 'Ameaçado Vivendo
(2005-2009)'.Editou, em 2013, 'Pesa Um Boi Na Minha Língua —
(Antologia 2010-2012)' e no corrente ano, 'Bacchanalia seguido de
Como Falsa Porta'. |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Dentro da temática proposta pelas RAIAS 3: DOBRAS-de-PENSAMENTO
SOCALCOS do excesso e da falência da ESCRITA: SEGUIR AS LACUNAS DA
AUSÊNCIA: CRIAR POR DENTRO DO EXÍLIO: PERSCRUTAR O POEMA NA ELUCIDAÇÃO
DA CEGUEIRA, NO LUGAR-MOVENTE DO FRACASSO, seguindo o arco metafórico
do seu sumário, abordarei, simplificando, o 'fracasso' no 'perscrutar'
a Poesia contemporânea (dita difícil).
Conhecemos lugares comuns que evidenciam a apreensão imediata dum texto
como mais valia, bem como a resistência a uma abordagem que faz
desmobilizar o leitor comum de uma recepção mais elaborada.
A compreensão da obra de arte (para remeter para um título de Roman
Ingarden) levanta questões que começam logo pelo emprego da linguagem
literária que pode não obedecer à comunicação normalizada (pelas
gramáticas, pelo senso comum, etc.), porque o poema é o inusitado.
Essa HYBRIS, quer dizer, a falta ou a desmedida, a desmesura, aprofunda
o desencontro de quem não se esforça criticamente na percepção do acto
poético que deve ser profundo na forma, ‘mas nem sempre no fundo (se
puderes)’, para citar Bresson.
O poema não tem a sua Verdade, e toda a abordagem é um jogo, isso nos
mostrou Derrida. (Não se trata de defender o intuicionismo de Benedetto
Croce ou de Bergson, uma vez que, segundo Gadamer: ‘a experiência da
obra de arte supera por princípio qualquer horizonte subjectivo tanto
do artista como do receptor’.) Mas o leitor criativo é um ‘modo de ler’
(Óscar Lopes), e é nessa ‘sensibilidade cocriativa’ que ‘a apreensão
estética pode lograr-se mais facilmente’ (cito Ingarden, para continuar
a reflexão mosaicada de citações).
Passo a formular algumas perguntas, se se quiser, estabelecendo
direcções para a apropriação de um significado, de certas afinidades
ou, pelo menos, para a ilusão de identificação do-que-é-e-do-que-alude,
do-que-diz-e-desdiz o poema. Ou seja,o que preenche a leitura dum
leitor independente dos estereótipos e como vence a dificuldade com que
se depara?
Defino um primeiro obstáculo: Como colocar o problema sem um contorno
de entendimento para a beleza (?), em que o leitor é uma toupeira a
farejar o belo (?) (porque é assim que vulgarmente pensa na
pós-leitura: o texto é fácil, logo é belo: Tomás de Aquino define
Beleza como ‘aquilo que é agradável de perceber’).
A acção sobre a linguagem, o aprofundamento da forma que já aqui foi
aludida, sobressai no ilegível, no inusitado, logo porque há
resistência em não aceitar a expressividade fora do contexto dos
sistemas reconhecidos (lembro a ênfase-no-Belo que o leitor comum
pretende ver confirmada, ignorando a expressividade da fealdade e do
grotesco, da multiplicidade de formas que se dissolvem na poesia —
remeto para o ensaio de Luís Adriano Carlos: ‘Fisiologia do Gosto
Literário’).
O que na poesia se escreve afasta toda a histeria da compreensão
facilitada, como meio de comunicação. Nesse sentido, como abordar (ou
perscrutar) o que se dissolve e se re-introduz, o que se destitui numa
leitura que deve ser intensiva, tensa, que busca a parecença com o
entendimento, a recepção como intrusão à lição autoral, que não abdica
de factores emotivos?
O contexto de eventos ilusórios criados pela poesia, o desregramento,
as ambiguidades das dissipações, os significados acoplados, as
complexidades de deformações sintácticas, constantes semânticas,
coincidências fónicas desordenadas e reordenadas, tudo isso ‘afecta o
leitor’ (afectação a que se refere Zanzotto) e, assim, o leitor move-se
no âmbito que agrega a inquietude, que constitui a representação a
várias vozes, essa figuração polifónica, contrastante, que vai
encontrar (ou lhe é imposta) numa espécie de recapitulação de toda a
leitura que antecipa a que encara no presente, inseparável do que é
desencadeado pelo seu comportamento, pela relação não consciente, de
diferentes ordens de invocações. Uma compreensão ajudada por um
conjunto de sensações que se lhe impuseram pela intuição ou por opções
ideológicas, pelo gosto que o satisfaz, pela inspiração, por outras
circunstâncias. Heidegger: ‘Isto [referindo-se a Poesie, escreveu que]
é pura arbitrariedade; […] A língua de cada vez em causa, o
acontecimento do dizer.”
Desta maneira, chegamos à seguinte pergunta: como se desembaraça o
leitor comum entre a fuga da elucidação e a falência disso que conduz à
frustração?
Ainda com Heidegger, referindo-se às ‘obras’, escreveu: ‘São,
certamente o que aí encontramos […].
Os leitores são confrontados com os próprios limites, diz-se na
abordagem desconstrucionista. E toda a leitura alcança, sem plano
prévio retrogradável, a grandeza desse tempo inicial da escrita,
apreendendo-o com a sua própria experiência e dinamismo colhido por
pré-leituras e experiências. Esse alargamento à vontade do leitor é
crucial para a liberdade da sua relação com o texto, propondo a sua
hipótese, ou profusão de hipóteses, prolongando a ambivalência,
insinuando, comprometendo-se com uma opinião que invariavelmente
modificará a cada nova abordagem. O leitor empenhado relaciona-se com
conivência com o que lê, o que é definidor de um vínculo que mais
facilmente o levará ao impensado.
O leitor, com perseverança e aptidão, com um certo grau de risco
interpretativo impressionará com a luminosidade dos seus pontos de
vista, perguntando com reconhecimentos desconhecidos, com inteligência.
A leitura desse leitor empenhado,activo, é audaz para contrariar uma
obra obstaculizada, porque se revelará como a intrusão da
subjectividade do leitor no que lê (é o ‘porquê?’ face à obra contra
códigos autorais categóricos, em certa medida, canonizados na crítica
institucional).
Para finalizar: a questão da percepção do texto, da sua elucidação, da
redução de ‘espaços de indeterminação’ (e o que aí é sentido, passa
necessariamente por aproximações, acopladas a conhecimentos, ou seja, a
leituras de leituras, à experiência, à experimentação), leituras que
progridem em complexidades ou em reduções arbitrárias para encontrar a
saída do labirinto (simulação, fingimento) que se constrói (ou que o
autor se inclinou a mostrar, mais do que a demonstrar) que não tem
outra saída que não seja a de apelar ao leitor para romper com o que
lhe foi ensinado e, assim, lerá o verso como algo controverso que lhe
possibilitará toda a fantasia na esfera da imaginação, todo um trabalho
que consistirá em reunir uma interrogação atrás de outra, num processo
de compreensão sem fim, num prazer nunca saciado de elucidação.
Se me perguntarem que coisa é a Poesia eu responderia como outra
pergunta: não é o poema o impensado? |
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Participação nas "Raias Poéticas", 24-25 de Outubro de 2014, Vila Nova
de Famalicão |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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