Luís Pedro Fonseca, autor de algumas das canções mais populares em
Portugal na década de 80, faleceu em 24 de Agosto deste ano. Após a sua
saída da banda de Lena d’Água, que as interpretou, até à data sua morte
compôs música para dezenas de séries televisivas e peças teatrais, muita
dela para o Teatro Experimental de Cascais, produziu discos inovadores
da música portuguesa, como foi o caso do Fado Bailado, de Rão Kyao, e
diversos jingles publicitários que nos ficaram na memória.
Deixo o inventário de uma vida ligada à música a quem queira e saiba
fazê-lo melhor do que eu. Assim como o que julgo ser uma devida
homenagem.
Digo eu:
O Luís Pedro e eu encontrámo-nos, pela primeira vez, tínhamos ambos 8
anos, na Escola Primária de Paço d’Arcos. A empatia foi imediata e, no
decorrer dos dois anos seguintes, tornámo-nos, um para o outro, “o meu
melhor amigo”. A vida das nossas famílias, porém, afastou-nos. Fizemos o
exame de admissão aos liceus na mesma sala; voltámos a encontrar-nos 51
anos depois.
Fui acompanhando o seu trabalho e o que surgia a respeito dele na
comunicação social. Estivemos, por duas ou três vezes, muito próximos do
reencontro, mas circunstâncias várias impediram-no. Convenci-me de que,
como seria natural, me haveria esquecido ao fim de meio século.
Até que um dia, quatro anos atrás, dois poemas meus, musicados e
incluídos num cd/dvd, lhe chamaram a atenção e perguntou à Maria Morbey
Henriques “quem é?” – o nome que constava não era aquele pelo qual me
conhecia. Contou-me a Maria que, quando lho disse, foi grande a surpresa
e o contentamento que manifestou, não só porque se lembrava (se se
lembrava…!) de mim como se perguntara muitas vezes sobre o que me teria
acontecido entretanto.
Meio século depois, o mesmo olhar, a mesma empatia, o mesmo abraço, como
se a ausência houvesse durado apenas um mês. Um mês de cinco décadas, a
proporcionar umas quantas refeições conjuntas em que o prazer maior foi
a presença mútua naquilo de que falávamos. E a sua gargalhada, herdada
da mãe ainda viva, dizia-me – também ela com memória de mim.
Em Julho, encarregou-me de marcar um almoço quando voltássemos de
férias. Não iria haver já ocasião para isso neste universo, neste mundo…
Nos seus 62 anos, alguns meses após o reencontro, enviei-lhe um poema
que simbolizaria o trabalho conjunto que talvez tivéssemos feito quando
jovens, se a vida não o houvesse impedido. É esse mesmo poema que aqui
deixo hoje, como abraço que nos ligue para sempre.
Canção
adolescente
(para o Luís Pedro Fonseca)
Hoje, deixa-me ficar
Aqui, no quarto, sozinho.
Baixa o estore devagarinho,
Fecha a porta de mansinho
E, a quem te perguntar
Onde eu estou ou possa estar,
Diz que me pus a caminho.
Que fui em busca de mim,
Não sei se longe se perto,
Se no mar se no deserto,
Se a sonhar ou se desperto,
Se no princípio se ao fim
De quem sou ou ao que vim,
No que é seguro ou no incerto.
Que não sabes como o faço,
Se com prazer se com dor,
Com preguiça ou com suor,
Calmamente ou com ardor,
Se progrido a cada passo
Ou se é à força de braço
Que abro mundo em meu redor.
Que, ao regressar, porventura,
Depois de cumprido ou feito,
Traído ou, até, desfeito
Aquilo a que me respeito,
Não trarei nem amargura
Nem tristeza, só ternura
P’la vida a bater no peito.
Mas se, ao voltares da rua,
Me encontrares ainda aqui,
Descobrirás que o que vi,
Quis, soube, amei, pressenti,
Foi o que uma praia nua,
Entre o horizonte e a lua,
Sussurrava sobre ti.
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