REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 49 | dezembro-janeiro | 2014-15

 
 

 

 

FRANCISCO JOSÉ 
CRAVEIRO DE CARVALHO
Lembro-me 
(segundo Joe Brainard)

 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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  ÍNDICE
 
 

You take my breath away 

Dele, sei duas ou três coisas. Que é escritor, actor, ou ao contrário, e ganhou um Pulitzer, em 1979, pela sua peça Buried Child.

Como actor, nomeado para um Oscar, vi-o em poucos filmes, actuações curtas, mas marcantes: August: Osage County, The Pelican Brief e Steel Magnolias.

No segundo destes filmes, tem, quanto a mim, uma das réplicas mais interessantes e memoráveis  do cinema, antes de ir pelos ares e sair de cena:

Miss Shaw, you take my breath away!

Como escritor, entre outras coisas maiores, é autor de dois livrinhos “banais” mas que, estivesse eu para vender os alguns livros que tenho,  seriam imediatamente postos de lado, não integrando o lote: Motel Chronicles, 1983, e Day out of  Days: Stories, 2010.

O segundo, com que tenho ido para a cama recentemente, levou-me a querer escrever sobre Sam Shepard, é dele que estou a falar, para este blog.  Sabia os textos que queria incluir, mas precisava de um motivo, plástico digamos.

Pensei se não teria tentado o desenho ou qualquer forma de arte afim, se não teria um caderninho com esboços ou coisa parecida.

Não tive sorte, ou não fui paciente, embora haja dois sites magníficos sobre ele, http://www.sam-shepard.com

e

http://www.departments.bucknell.edu/theatre_dance/shepard/shepard.html, que não explorei ainda convenientemente e a fotografia a seguir seja uma aproximação (uma página de um caderno pessoal?).

 
   
 

Como curiosidade, na secção Email do primeiro site, podemos ler:

"I don't have a computer. I don't have an Internet. I don't have the
e-mail. I don't have any of that shit."   ...Sam Shepard

Pensei se não haveria um retrato, não fotográfico, de preferência. Iniciei uma busca e tive bastante mais sorte. Na verdade, encontrei alguns retratos magníficos, de fotógrafos que nem conhecia. Pelo contrário, de Annie Leibovitz encontrei um relativamente secundário e que vou pôr de lado.

De Michael Friberg, um muito jovem fotógrafo, 27 anos ou por aí,

   
   
 
   
 

De Grant Delin                           

De Brigitte Lacombe (francesa, 1950)
 

São bons retratos, sem dúvida, mas não conseguiria eu algo mais adequado para o fim em causa? Isto é, num blog num site sobre artes plásticas,  falar sobre e incluir textos de Sam Shepard?

Voltando ao primeiro site referido atrás, acabo por encontrar um retrato pintado, de autor anónimo. O rosto de Shepard tem características  relevantes que, penso, permitem a qualquer pintor com uma dose razoável de talento fazer um retrato “parecido”. Não direi que se trata de uma obra prima. Há outras coisas em consideração para além do “estar parecido” quando olho para um retrato (pensemos em Francis Bacon). Possui, no entanto, qualidade bastante para, finalmente,  me justificar pela inclusão  dos textos.

   
 
   
 

Uma pedra

 

quando fiz a cova funda

para o corpo do pai

cavando areia glacial pura

encontrei uma pedra

mesmo no fundo

perfeitamente polida

e de um laranja bastante escuro

madura como um damasco caído

 

*

 

tirei-a para cima

mantive-a no painel do carro durante milhas

a chocalhar

onde quer que fosse

 

*

 

nunca soube de onde veio

ela nunca perguntou

e eu nunca disse

 

**

 

Subitamente

 

Subitamente – a palavra mais usada por Dostoyevsky. Alguém mo disse. Algum especialista em Dostoyevsky. Subitamente. Como se qualquer acção pudesse ser traçada a palavras. Música subitamente. Virar-se subitamente. Subitamente silencioso. Como se eu nunca visse o processo.

Na velha casa todos estão adoentados menos eu. Silêncio, excepto o ressonar, a tosse e idas ocasionais à casa de banho.

Pela janela neve por todo o lado. Não se consegue olhar lá para fora sem a ver. O inverno subitamente. Rios gelados. Frio penetrante. Árvores nuas. Um pequeno avião prateado a desaparecer num céu desenhado a giz e parado. Subitamente, completamente só.

 

**

 

há um homem numa cabina telefónica

isolado pela luz como um foco

está a guardar-se

para o último cigarro

 

*

 

a cara muda de cor

a mão completamente encharcada

enquanto ele procura vinte cinco

e encontra dez cêntimos

 

 

Os textos, na versão original, surgem em Day out of days, Stories e foram traduzidos por Francisco José Craveiro de Carvalho. 

Nota: * separa duas  estrofes, ** separa dois textos. 

fjcc

   
 

  Francisco José Craveiro de Carvalho  (Portugal). Licenciou-se em Matemática na Universidade de Coimbra. Doutorou-se, mais tarde, com uma tese em Topologia e  Geometria, sob a supervisão de  Stewart Alexander Robertson, Southampton University, U. K.. Assume uma posição de alguma marginalidade em relação à divulgação daquilo que escreve. Traduziu poemas de Carl Sandburg, Jane Hirshfield, Jennifer Clement, Linda Pastan, Rita Dove..., publicados em opúsculos discretos, que circularam entre  os seus amigos.
 

 

© Maria Estela Guedes
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