Maior parte dos poemas em
Dentro da Pedra ou a Metamorfose
do Silêncio podem ser colocados na área dos Estudos Literários que
analisa o metapoema. Esses
poemas revelam a preocupação do seu autor em fazer da palavra a sua
matéria prima, lapidando-a ou esculpindo-a a fim de obter poesia. Neste
labor, ele colocou um sujeito poético que fala sobre a
função da poesia; que fala sobre a própria poesia e indaga-se
sobre o seu processo de criação.
Em síntese, o autor: afinou, retocou, envernizou, burilou a palavra a
fim de compor os seus poemas. O esmero nesse trabalho de “construir” a
poesia, assemelha-se ao de moldar, lixar, alisar, polir, uma pedra com
intuito de a transformar.
O título do livro remete-nos a esse tipo de
leitura. O poema da pg. 35, por
exemplo, contém significados que o condensam. É como se as palavras,
depois de esculpidas, saíssem da pedra a desfilar. São palavras que
resultam de uma exaustiva lavra que as adorna, a fim de serem capazes de
transmitir significados:
Aprumadas as palavras/ acordadas no
sono da pedra/ relíquia reinventada em sonhos/ gestos inauditos em
vozes/ desfilam lento o som/ pela vaidade do silêncio/ a palavra
aprumada/ a dizer o nada, pg.
25.
Até porque, as expressões repetidas em
trocadilho: aprumadas as palavras,
palavra aprumada e o verso
relíquia reinventada em sonhos reforçam essa imagem de retocar.
O mais espantoso nesse esforço de burilar é que,
mesmo depois de tanto trabalho, a palavra não atinge a sua plenitude
para comunicar. Ela transporta consigo algumas limitações, uma vez que,
o sujeito poético refere, no poema acima, que dada a força do silêncio,
essas palavras nada dizem. O verso: “a
dizer o nada” permite-nos
chegar á essa constatação.
Há nisso uma contradição, porque
as palavras, nunca são de silêncio. Isto faz-nos colocar este tipo
de poesia no niilismo,
corrente filosófica centrada na busca do ideal, negando o que é
facilmente perceptível.
Nos poemas desta obra, a pedra, não é apenas um
objecto prosaico, não tem o valor de um objecto morto ou que sufoca. Não
é em objecto comum, corriqueiro que, por vezes, é percebido como banal.
Ela ganha o lugar de desejo, de objecto vital e estético e de busca do
si mesmo. É dentro da pedra que o sujeito poético procura alcançar o
seu mundo ideal, o do silêncio. Da adoração do silêncio temos como
exemplo:
[…]
quem se vê ao espelho/ não vê senão o espelho…/ É no silêncio da pedra/
que espelho a alma,
pg 12.
Sou professor do silêncio/ensino o nada
sei/ a faculdade das minhas sensibilidades/a tornar-se pedra/sangue e
suor/flor e fogo/[…],
pg 81.
A homenagem ao
silêncio pode ser realçada através da ideia de recolhimento nos versos
que seguem:
Para
mim volto/nas mãos acesas do
avesso/naquilo que me é essência/à intrínseca introspecção […]
ilumino o destino em mim ancorado
[…] que me traz a mim, pg
23.
[…] a
morte não é o fim/ […] é a
indiferença das coisas/à espera do novo dia, pg. 42.
O silêncio de que
se fala não é só o de ausência de companhia ou de ruído. É também o das
palavras; o que é reforçado pelo poema da pg. 22, no qual vemos
afirmado:
Das palavras/sinto o inexplicável
amor/pela ineficácia que tenho/em descrevê-las/com amor/o que por elas
sou/Nunca me eduquei para amar/qualquer que fosse o silêncio/senão o das
palavras.
O procedimento a
partir do qual a pedra é tratada permite atribuir-lhe diferentes
valores, nomeadamente:
Valor de espelho:
É no silêncio da pedra/ que espelho a alma, pg. 10.
Valor de silêncio:
um universo de silêncio/metamorfoseado/em pedra, pg.11 e
31.
Valor estético:
Lavo a cara nas pedras do medo/vejo sangue na maciez da pedra/[…] vivo
colhendo o pólen das pedras. Um outro exemplo desta categoria pode
ser encontrado na pg. 14.
Valor de pessoa (personificação): A/ cidade/um
pássaro/mastiga a felicidade da pedra, pg. 39.
Quanto ao
metapoema importa referirmo-nos a reflexão que o sujeito poético faz
acerca do poema utilizando três critérios:
O primeiro - para
que serve o poema, de onde podem ser apontados os seguintes exemplos:
Quando/ escrevo um poema/tento
compreender-me à vida./ Se escrevo um poema/vivo/ e/ vivo-me,
pg. 15.
Navego-me/ a poesia me aconchega ao
cais/meu destino é encontrar-me/comigo à deriva/na imanente vastidão do
mar. /(incrédulas certezas/ se esboçam na fé/ de me tornar espécie/ de
coisa alguma)/ pinto no vão o cão vadio/ que encontra na escuridão/ a
felicidade de não ser visto/por si…/
, pg. 27.
Ao Nhambaro/da minha poesia,/só os
surdos/ancorados/à sombra do silêncio/saberão dançar/no ritmo quente de
Junho/saberão sonhar, pg.
57.
Um outro exemplo
desta categoria de poemas pode ser encontrado na pg. 81.
Acerca da segunda
dimensão de análise - poema em que o sujeito poético fala sobre o
próprio poema encontramos os seguintes exemplos:
Lavo as faces do vento/ como quem rasga
a emoção do poema/ as faces do vento não me são excitantes/ como o papel
em branco onde cabe da/ caneta o cio/ a pureza do papel não e emociona/
poderia fazer barcos de papel/ poderia fazer barcos de poema/ barcos de
papel fi-los na infância/ os de poema fazem-nos os poetas/ Eu…/ lavo as
faces do vento como quem rasga a emoção do poema,
pg. 31.
Nesta classe
podemos ainda incluir os poemas das pgs. 22 e 27.
O terceiro critério - o processo de criação do
poema pode ser demonstrado a partir dos poemas das pgs.
35, 48, 50 e 79.
Gostava ainda de
me referir a dois aspectos referentes á caracterização do sujeito
poético desta obra:
Num momento ele
revela-nos a sua essência, ou seja de que é feito - e é todo poesia, tal
como o revela no poema da pg. 54:
Não tenho senão/essa vontade/de me
reinventar/em palavras./ Meu mundo/ é esse pedaço/de papel. /Imortal
pedaço/riscado/de silêncios./O que não sou/só termina/onde neste
espaço/me começo./(ser poeta é isto/extinguir-se num papel estreado de
silêncios).
No outro momento revela-nos a sua essência
multifacetada. Isso é-nos demonstrado a partir de um poema que não segue
as características dos que acabei de mencionar, pois não louva a pedra,
não se venera o silêncio, não se indaga sobre a poesia, nem sobre a sua
função e processos de elaboração; apenas, diz-nos quem é o sujeito
poético da obra, alguém com múltipla identidade, tal como o seria uma
imagem de Moçambique, um país multicultural. Essa ideia é espelhada
através da representação dos seus diferentes grupos étnicos:
machuabo,
machangana,
makonde, ndau,
macua, chewa, nyungues,
yaos, no poema da pg 58:
O machuabo em mim/não é senão
um/matchangana disfarçado/a sonhar-se makonde/com engenho da sua arte/se
esculpir ndau/m´siro na fé/pintar a crença makua/adormecida nos chewas/,
nyungues e yaos/à minha diáspora.
Do ponto de vista
do labor poético podemos colocar Japone Arijuane em paralelo com outros
poetas que se dedicam a escrever sobre a poesia, nomeadamente: os
moçambicanos Armando Artur, Eduardo White, Filimone Meigos e Jorge
Viegas; os brasileiros: Carlos Drummond de Andrade e José Cabral de Melo
Neto. E outros que devolvem à pedra o grande valor que ela tem para a
humanidade, homenageando-a, tal como o fizeram Carlos Drummond e os
angolanos Ana Paula Tavares e Ruy Duarte de Carvalho.
Os poemas do livro acabado de apresentar
demonstram a busca do si mesmo,
por parte do sujeito poético, uma vez que a maioria encontra-se na
primeira pessoa. E utilizar a primeira pessoa contraposta a
multi-identidade reforça a ideia de busca de sentido para a alma, para a
identidade própria e a pedra acaba por ser essa entidade ôntica.
Um estudo da
poesia de Japone Arijuane poderia fazer o levantamento das diferentes
contradições propositadamente elaboradas por este autor.
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