REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 48 | outubro-novembro | 2014

 
 
JOSÉ ROBERTO BAPTISTA

Parapsicologia e religião

José Roberto Baptista (Brasil). Editor da ARTE-LIVROS Editora. Foi professor universitário e Diretor-Acadêmico de tradicionais instituições de ensino superior em São Paulo. É estudioso da fenomenologia parapsicológica e autor, entre outros, do livro Introdução ao Estudo da Parapsicologia (Arké, 2007), além de já ter escrito vários artigos sobre o tema. Dirigiu o IEP-SP - Instituto de Estudos Psicobiofísicos de São Paulo voltado, exclusivamente, ao estudo e ao ensino da Parapsicologia.

 

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PARAPSICOLOGIA E RELIGIÃO

 

I

Charles Richet, em seu Tratado de Metapsíquica, o primeiro sobre a matéria,  afirma logo no prefácio que “não verão os seus propósitos realizados aqueles que neste livro esperarem encontrar considerações nebulosas acerca dos destinos do homem, da magia e da teosofia.”(1)

Joseph Banks Rhine, que conduziu a Parapsicologia ao status acadêmico, em seu Parapsicologia: fronteira científica da mente, segue na mesma linha:

 “A Parapsicologia também precisa ser diferençada dos conceitos populares correlacionados com certas áreas de prática ou crença, com os quais algumas vezes se vê confundida ou associada. O Ocultismo é um deles. Este termo, que designa o estudo de artes ou princípios ocultos, não se aplica ao tipo científico de investigação que caracteriza a Parapsicologia. Espiritualismo é outro termo que tem sido amplamente associado com Parapsicologia. O espiritualismo, contudo, é uma religião, cuja ênfase central repousa na crença da existência de um mundo de personalidades desencarnadas, supostamente capazes de entrar em comunicação com os vivos, especialmente através da mediunidade. Também se acredita que elas são capazes de manifestações tais como fenômenos de assombração e de uma espécie de casa cheia de agitação atribuída a espíritos turbulentos.”

 e conclui:

“Como em todos os sistemas religiosos de crença, há certas doutrinas no espiritualismo que se baseiam na presunção de certas capacidades, que não têm sido verificadas por método científico em Parapsicologia.”(2)

 Poderíamos buscar outros estudiosos sérios para confirmar aquilo que objetivamos destacar, ou seja, o não envolvimento dos estudos parapsicológicos com o oculto, o místico, em poucas palavras, com o que não podemos alcançar.

E é exatamente neste ponto que está a importância dos estudos parapsicológicos no combate ao medo e à superstição.

Vemos diariamente pessoas serem enganadas por verdadeiros espertalhões das mais variadas denominações religiosas, representantes do Senhor Jesus, como querem alguns, mediarem relações comerciais com Deus, ardilosamente. Expressão máxima da arrogância. Estes oferecem tudo em troca de algum dinheiro para a “manutenção da igreja”. É o comércio entre o aqui e o agora e o desconhecido além. Prometem afastar as más influências dos espíritos que, talvez por nada de melhor a fazer, perturbam os pobres mortais. Algumas denominações cristãs evangélicas lideram este quesito.

A Parapsicologia, deste os primórdios, procurou investigar uma série de ocorrências atribuídas à participação de entidades incorpóreas e inteligentes. Nada encontrou em mais de um século de pesquisas. 

A Parapsicologia não interroga as religiões. Não explica milagres. Não é seu território. Não está interessada se existe vida após a morte. Não importa à Parapsicologia o fato de o investigado ser ateu ou crente de qualquer denominação religiosa. Acreditar em Deus ou Hórus. Se os espíritos existem e vagueiam pelo universo ou não. A Parapsicologia não diz acreditar, ou não, quando se depara com alguma fenomenologia incomum, nos moldes e nos limites de sua área de investigação. Estuda, pesquisa, experimenta. Todavia, até o presente momento, continuam os espíritos sem dar seu “ar da graça”.

Os “espíritos” imundos não buscam laboratórios de parapsicologia. Nunca o fizeram. Eles próprios são pouco inteligentes. Gostam de tomar posse de casas velhas e abandonadas, de atacar famílias humildes, por vezes, pouco esclarecidas, e, o mais comum, frequentadores de igrejas, embora sabedores de que lá serão expulsos e mandados queimar no inferno para todo o sempre.  Chamá-los de pouco inteligentes já é um grande elogio. Risível.

Estes mesmos “espíritos” são apontados como responsáveis pelas nossas frustrações, nossos fracassos e insucessos, por inúmeros líderes religiosos.

Este tipo de atitude, dispensável dizer, reprovável,  busca afastar a responsabilidade de cada um sobre seus atos. Caminho perigoso, perverso e indesejável.

Espalham como erva daninha o inaceitável mistério de um homem ser injuriado, espancado, morto e crucificado, para redimir os pecados de todos os seres humanos. Isso implica, insanamente, na mais repugnante, baixa, perversa e injustificável aceitação de que alguém possa pagar pelos erros cometidos por outros.

Mas é fácil, diz Voltaire, (3) “submeter ao jugo uma alma culpada e trêmula que não raciocina...”.

 

II

Os constantes ataques de que a Parapsicologia não passa de uma pseudociência nada mais fazem do que contribuir com o aumento das igrejas. Neste ponto os críticos da Parapsicologia irmanam-se a alguns despreparados religiosos.

Contudo, apesar de todas as críticas, assistimos nos dias atuais estudos realizados em respeitadas universidades confirmarem os resultados divulgados há mais de um século pela Parapsicologia.

Basta lembrarmos, apenas para citarmos um exemplo, o recente trabalho sobre premonições (em Parapsicologia precognição) realizado pelo reconhecido psicólogo Daryl J. Bem, professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, e que serviu de chamada para a Revista Isto É, cujos resultados evidenciaram, com bases estatísticas, que é possível um conhecimento prévio do futuro.(4) A pergunta que não quer calar: qual a novidade?

Dizer-se isso, não responde o que de fato queremos saber. É necessário explicarmos como isso ocorre. Padecemos desse mal, concordo, desde as primeiras pesquisas psíquicas. (Mas, há explicação para isso, embora não seja objeto deste artigo) Contudo, isso não desmerece o fato de as evidências apontarem para essa possibilidade. A questão, estamos assumindo, não é nova. Não podemos esquecer – pelo menos não deveríamos – que Agostinho de Hipona, há mais de mil e quinhentos anos já arriscou, na minha opinião a melhor até hoje, uma resposta:

“Qualquer que seja a natureza dessa misteriosa previsão do futuro, não podemos ver senão o que existe. Mas o que existe não é futuro, e sim  presente. Por conseguinte, quando dizemos que vemos o futuro, não se veem os próprios acontecimentos ainda inexistentes, - isto é, o futuro, - mas sim as causas ou os sinais precursores que já existem. Portanto, para quem vê, não se trata do futuro, mas do presente, do qual é tirada a predição de um futuro concebido na mente. Por sua vez, essas imagens já existem, e aqueles que fazem predições as veem presentes diante de si. Tomemos um exemplo entre muitos possíveis. Vejo a aurora e posso predizer que o sol está para surgir. O fenômeno que observo está presente, o que prevejo é o futuro. Não é futuro o sol, que já existe, mas sim o seu surgimento, que ainda não se realizou. Todavia, se eu não tivesse no espírito uma imagem desse surgimento, como tenho no momento em que falo, não o poderia prever. No entanto, nem essa aurora que vejo, e que também precede o nascer do sol, nem a imagem dela são o próprio nascimento do sol: são dois os fatos presentes que vejo e que me servem para predizer um acontecimento futuro. Portanto, o futuro ainda não existe. Se ainda não existe, não existe; e se não existe, de maneira nenhuma pode ser visto; mas podemos predizê-lo mediante os fatos presentes, que existem e que vemos. (5) (g.n.)

Lembremos, merecidamente, Charles Richet:

Tão logo declarem que tal ou tal fenômeno é impossível, confundem desastradamente o que é contraditório com a ciência e o que é novo na ciência. Convém insistir na tecla, porque ela é a causa profunda de um cruel mal entendido. (6)

O tempo é engenhoso, dizia Guimarães Rosa.

 
 

BIBLIOGRAFIA E NOTAS

(1). Richet, Charles. Tratado de Metapsíquica. Lake, São Paulo, Lake, s.d. Antelóquio.

(2). Pratt, J.G. e Rhine, J.B. Parapsicologia: fronteira científica da mente. São Paulo, Hemus – Livraria Editora Ltda., 1966. p. 12/13.

(3). Voltaire. Questões sobre os milagres. São Paulo, Martins Fontes, 2003. p. 60

(4). Revista Isto É.  9 mar 2011, Ano n35, n. 2156. p.50-56

(5). Agostinho, Santo. Confissões. São Paulo, Paulus, 1984, (Col. Espiritualidade), p. 322.

(6). Richet, Charles. Opus cit. p. 26

 

 

© Maria Estela Guedes
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