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Se não erro, a expressão latina, Terrae adquae Solis filiae,
quer dizer “as filhas da Terra e do Sol”, uma maneira alegórica de
referir as rochas sedimentares, cujo estudo atingiu níveis de
especialização que justificaram o aparecimento de uma nova disciplina a
que, em 1932, o sueco Hakon Adolph Wadell (1895-1962), deu o nome de
Sedimentologia,
Nesta visão alegórica, pode dizer-se que, fecundada pela radiação solar,
indutora dos processos geológicos e biológicos próprios da sua capa
externa, a mãe Terra dá nascimento a esta outra categoria das suas
criações. Estas rochas
trazem consigo, não só as marcas dos seus progenitores, mas também as
das condições ambientais em que foram geradas e, muitas delas, ainda, a
data do seu nascimento.
Armazéns ou arquivos de vultuosa informação, o seu estudo têm-nos
permitido conhecer grande parte das histórias da Terra e da Vida.
A Sedimentologia, como a definiu o autor do termo, consiste no estudo
científico dos sedimentos, quer dos que se mantêm em trânsito
(arrastados pelas águas fluviais e marinhas, pelos glaciares ou pelo
vento) quer dos que, ainda soltos ou incoesos, se encontram em deposição
temporária, quer, ainda, dos litificados, ou seja, dos já transformados
em pedra e, portanto, coesos. Rejeitada pela Comissão de Sedimentação
dos Estados Unidos da América, por ser “a ugly hibrid innapropriate
word”, a expressão
Sedimentologia acabou por se impor a partir da década de 40 do
século passado, afirmando-se como uma das mais importantes disciplinas
das Ciências da Terra, desenvolvendo metodologias e tecnologias
adequadas ao estudo das rochas sedimentares, desde a sua origem e
eventuais transformações (diagénese), à respectiva localização no espaço
e no tempo, em estreita associação com a Mineralogia, a Paleontologia, a
Estratigrafia, a Geocronologia, a Química, a Física (em especial a
Mecânica) e Estatística, sendo grande o seu interesse não só em
Geologia, como ciência que investiga o nosso planeta, mas também na
procura de um vasto conjunto de importantes georrecursos. “A
Sedimentologia justifica-se pelo leque de aplicações práticas em que pode ser envolvida”, escreveu, em
2003, Gaspar Soares de Carvalho, sedimentólogo pioneiro, em Portugal,
nos idos anos de 1940. Basta pensar, no interesse posto na prospecção,
exploração e usos dos combustíveis-fósseis e das múltiplas
matérias-primas minerais, para nos darmos conta da oportunidade da
afirmação deste professor jubilado da Universidade do Minho. A estes
motivos de importância da Sedimentologia, acrescem, ainda, as
suas aplicações em Hidrogeologia, Geologia de Engenharia e Geologia do
Ambiente.
Sedimentologia é o modo de dizer, numa só palavra,
Petrologia Sedimentar,
no sentido que lhe deu o petrólogo inglês, George Walter Tyrrell
(1883-1961), no seu pioneiro Principles of Petrology (1926),
expressão que se não deve confundir com
Petrografia Sedimentar,
uma vez que, como este autor bem lembrou, petrografia é o estudo das
rochas, visando a sua descrição, identificação e classificação, e
petrologia, mais abrangente, é a ciência das rochas, na sua globalidade,
incluindo a pesquisa das respectivas géneses, idades, transformações e
significado no estudo do nosso planeta.
O progresso e a expansão da Sedimentologia, à escala internacional,
muito antes da sua inclusão nos curricula universitários[1],
contou com a criação e regular manutenção de duas importantes revistas
científicas: A primeira, surgida em 1931, Journal of Sedimentary
Petrology, foi substituída, a partir de 1995, pelo Journal of
Sedimentary Research, da
Society for Sedimentary Geology (antiga
Society of Economic
Paleontologists and Mineralogists – SEPM). A outra, sua
congénere, Sedimentology, iniciada em 1952, é a expressão escrita
nascida da influência da
International Association of Sedimentologists (IAS), promotora
dos Congressos Internacionais de Sedimentologia, cuja última reunião, a
19ª, teve lugar em 2014, em Genebra. Esta mesma associação promove,
ainda, entre congressos, os chamados IAS Meetings of Sedimentology,
cujo último, o 30º, decorreu em 2013, em Manchester, no Reino Unido.
As rochas sedimentares no seu todo, desde as mais recentes, no geral,
incoesas e móveis, como as areias, às mais antigas, compactadas e
consolidadas, são consequência de um conjunto de condições próprias da
superfície do nosso planeta:
- existência de uma atmosfera oxidante (a partir de há cerca de
2600 Ma) com algum dióxido de carbono e, em grande parte, húmida,
particularmente agressiva para os minerais das rochas aflorantes;
- existência de uma hidrosfera promotora, não só de solubilização
e hidrólise, mas também de erosão, transporte e sedimentação;
- existência de uma biosfera actuante nos mais variados ambientes
da sua superfície, possibilitada pela distância a que se encontra do
Sol;
- exposição ao Sol, imensa fonte de energia radiante.
Sem atmosfera, hidrosfera e biosfera e sem a luz e o calor que recebemos
do Sol, não se teriam formado os sedimentos e as rochas sedimentares
que, por todo o lado, nos rodeiam. Na ausência destas entidades, a
superfície terrestre estaria, à semelhança da da Lua, reduzida a uma
capa de rególito, isto é, de poeiras e fragmentos rochosos, resultante
dos impactes meteoríticos ocorridos ao longo de milhares de milhões de
anos.
As rochas sedimentares representam um conjunto particular de produtos
litosféricos gerados na parte mais externa da crosta terrestre e,
portanto, nas condições de pressão, temperatura e quimismo próprias da
superfície, ocupando uma posição bem delimitada no ciclo petrogenético.
Consumindo, sobretudo, energia solar, a sedimentogénese é aceite como
uma das expressões da geodinâmica externa, a par da erosão do relevo, da
formação dos solos e do aparecimento e manutenção da vida.
Geradas na interface da litosfera com as atmosfera, hidrosfera e
biosfera, as rochas sedimentares são essencialmente constituídas por um,
dois ou três dos seguintes componentes fundamentais:
- terrígenos[2],
herdados por via detrítica de outras rochas preexistentes;
- quimiogénicos, resultantes da precipitação de substâncias
dissolvidas nas águas;
- biogénicos, quer edificados por alguns organismos em vida,
como, por exemplo, os corais, quer acumulados detriticamente a partir de
restos esqueléticos (conchas, carapaças, ossos e outros), após a morte
dos respectivos seres.
À semelhança de nós, humanos, e de toda a biodiversidade, estas rochas
formam-se à superfície da Terra sob a acção da radiação que,
ininterruptamente, recebem do Astro Rei, desde que a primeira crosta se
formou e lhe ficou exposta, há mais de quatro mil milhões de anos, na
perspectiva de alguns autores.
Em termos de volume, as rochas sedimentares representam apenas 5% da
crosta terrestre (contra 95% das ígneas e metamórficas), tal é devido ao
conceito implícito no respectivo qualificativo. Porém, tendo em conta
que a grande maioria das rochas metamórficas (como xistos, grauvaques,
gnaisses, mármores e quartzitos) são materiais litológicos transformados
a partir de rochas sedimentares preexistentes, aquela cifra aumenta
substancialmente. Aumenta ainda mais se nos lembrarmos que a maior parte
dos granitos e rochas afins resultaram da fusão parcial (anatexia) de
rochas sedimentares e metamórficas delas derivadas.
Em termos de área exposta, as rochas sedimentares perfazem cerca de 75%
das terras emersas e cobrem a maior parte dos fundos marinhos, embora
neste domínio a sua espessura seja pequena se comparada aos milhares de
metros de algumas acumulações integradas na arquitectura da crosta
continental, com particular evidência nas grandes cadeias de montanhas.
Em finais do século XIX, a expressão rocha sedimentar ainda não
figurava no vocabulário de geólogos e petrógrafos. Em 1875, o alemão
Arnold von Lasaulx (1839-1886)
adjectivou-as de
deuterogénicas[3],
com base na secundariedade destas rochas relativamente às preexistentes,
de onde provêm os seus constituintes. Ao propor, na sua classificação
petrográfica, a classe “sedimentos puros”, na qual incluiu
materiais não consolidados (cascalheiras, areias e Löss[4]),
este professor de Petrografia da Universidade de Bona atribuiu ao termo
sedimento o significado de elemento detrítico, clástico ou
terrígeno. Foi nesta medida e tendo em conta a abundância relativa das
rochas terrígenas (80 a 85%, contra 20 a 15% das rochas biogénicas e
quimiogénicas), que surgiu, mais tarde, a designação de rocha
sedimentar que, assim, acabou por abarcar, não só as terrígenas,
como também as biogénicas e as quimiogénicas.
Em 1947, no Meeting da
Geological Society of America, o geólogo inglês Herbert Harold
Read (1889-1970), figura grada do Imperial College, propôs o nome de
rochas
neptúnicas
(em alusão a Neptuno, deus do mar, na mitologia romana) para o conjunto
das rochas sedimentares. Esta proposta, que não fez vencimento,
assentava no facto de a grande maioria das rochas sedimentares terem
génese no meio marinho.
A Sedimentologia abriu caminho à investigação, tão aprofundada (quanto
quiseram os propósitos e puderam os meios) de aspectos importantes, como
proveniência dos materiais, agentes que os transportaram e sedimentaram,
ambientes de deposição final, transformações subsequentes (diagénese),
posição estratigráfica, paleogeografia correlativa e, ainda, utilidade
como importantes georrecursos económicos que são. Neste último aspecto
vale a pena recordar os combustíveis fósseis[5]
(carvão, petróleo, asfalto, gás natural), os calcários e dolomitos como
pedras industriais e ornamentais, as margas no fabrico do cimento, as
areias nas indústrias do vidro, as argilas na cerâmica (barro vermelho,
faiança e porcelana), o bauxito e os minérios de ferro sedimentares nas
metalurgias, respectivamente, do alumínio e do ferro, o sal-gema e os
fosforitos na indústria química, entre outros, numa gama muito mais
abundante e diversificada do que a facultada pelas rochas ígneas e
metamórficas.
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