Nesse texto analisa-se uma obra
freirianista, tecendo comentários críticos de modo a indicar suas
contribuições e limites. Para elaboração dessa análise escolheu-se a
obra “Diálogo com Paulo Freire”, de Carlos Alberto Torres. O seu
conteúdo situa o contexto educacional aos leitores e indica que sua
principal contribuição é a explicitação de conceitos importantes de
Paulo Freire, os quais foram reavaliados, reescritos e reformulados ao
longo dos tempos. Teve-se como objetivo observar a obra com o olhar da
atualidade, a partir da leitura de seu título, possibilitando a
interpretação da construção de um diálogo entre Torres e Freire, o que
não ocorre no desenvolvimento da obra, sendo assim, considerada sua
principal limitação.
palavras-chave: Obra
freirianista, diálogo, contribuições, limites.
INTRODUÇÃO
A obra escolhida para análise “Diálogo com Paulo
Freire”, de Carlos Alberto Torres, nos é apresentada pelo próprio autor
cuja introdução traz os pensamentos de Paulo Freire a partir de uma
contextualização que indica – naquela data – inverno de 1977, na cidade
do México – a necessidade do questionamento, da pesquisa, do diálogo na
América Latina com a realidade complexa e sobre essa realidade difícil e
dominada.
É importante destacar que essa obra foi escrita no
momento histórico das ditaduras na América Latina.
Sua estrutura é composta de uma introdução
denominada “Paulo Freire: um educador que questiona a pedagogia”.
Em seguida transcreve-se em cincos capítulos,
entrevistas em ordem cronológica. A saber:
1)
A primeira entrevista com Paulo
Freire é intitulada – “Ação cultural libertadora”, dividida em seis sub
títulos relacionados aos temas abordados nas perguntas ou respostas
dadas; realizada pela revista Víspera em 1969.
2)
O segundo texto não é uma
entrevista, mas sim, respostas ao questionário da revista Risk, em
Genebra, em 1970, intitulada “Educação para o despertar da consciência”.
3)
O terceiro texto é datado de
1972, uma entrevista dada a
revista Cuadernos de Educación, da Universidade Católica do Chile,
entitulada “Entrevista com Paulo Freire”.
4)
O quarto texto é a entrevista
“Conscientização e Libertação: conversa com Paulo Freire”, de 1973,
concedida ao Instituto de Ação Cultural (IDAC) publicado em Genebra.
5)
O quinto e último texto é de
1975 e não caracteriza-se em texto completo, mas sim uma seleção de
parágrafos, da entrevista concedida a revista espanhola Cuardernos de
Pedagogía.
Torres indica que nesse período de 1969 a 1975 o
pensamento de Freire não apresenta rupturas, mas sim evolução.
CONTRIBUIÇÕES E LIMITES
Introduzindo os leitores na obra, Torres coloca
que em termos pedagógicos a intenção do mesmo é de não só apontar as
enormes deficiências existentes, como também, e principalmente,
estimular ações, abrir caminhos, imaginar saídas, questionar ao menos a
vivência cotidiana.
Este era o objetivo que se visava, questiona-se
hoje, será que ainda não se visa exatamente isso? Estimular ações e
abrir caminhos para nossa educação, melhorando-a pedagogicamente de modo
a questioná-la para fazê-la melhorar; refletir e não deixar se
conformar.
Paulo Freire nos é apresentado não como um mágico
produtor de receitas mágicas e solucionadoras de tudo, mas sim como um
investigador pedagógico que vivencia uma pedagogia investigadora.
Além disso é adjetivado como um pensador da
práxis, o pedagogo da consciência, o crítico que questiona sua própria
práxis docente.
É como um pensador da práxis, um pensador itinerante que
modifica, complementa e radicaliza seus pensamentos. Freire tinha a
convicção de que a educação bancária, tecnicista e alienante, não
contribuía para a educação consciente, na qual o aprendente seguiria seu
próprio caminho para a aprendizagem do objeto de estudo. Desta forma,
Freire encontra respostas novas para velhas perguntas.
Mudando a temporalidade de nosso texto a ser analisado, essa
caracterização de Paulo Freire nos apresenta um educador muito próximo
ao educador portador dos saberes necessários à prática educativa, tanto
que nos faz refletir sobre essa prática, a partir do livro “Pedagogia da
Autonomia” de 1996.
Ampliando essa caracterização de Freire há a proposição de um
projeto pedagógico que parte da ação cultural libertadora, articulado e
iluminado pela Ciência Política, ciência essa vanguardista
revolucionária, da união dialética da liderança com as massas e com
projeto de organização política dessa liderança com as massas, ou seja,
um projeto pedagógico de organização política do oprimido.
Paulo Freire é
pensador da práxis, itinerante e da totalidade, uma vez que buscou fugir
da especialização alienante proposta ao intelectual.
Em um dado momento da introdução, Torres indica que nos últimos
anos é difícil encontrar artigos saídos da pena de Freire. A
justificativa apresentada está relacionada à linguagem, linguagem essa
que Freire buscava aproximar cada vez mais dominados e oprimidos.
Percebe-se que essa informação resgata o contexto
histórico da época e indica que naquele momento Freire estava
trabalhando muito, pelo mundo inteiro, implantando e divulgando seu
método de alfabetização. Método esse que abriga os Círculos de Cultura e
foi desenvolvido em Angicos, nos anos 60.
Dando sequência, Torres indica que ao ler as
entrevistas, três aspectos são destacados e merecem relevância para
conhecermos os pensamentos de Freire: honestidade intelectual, dinamismo
e abertura para a realidade.
1-
A honestidade intelectual não titubeia em “criticar os aspectos ingênuos
de sua obra, uma ideia incompleta ou equívoca, uma proposta fora do
lugar. Ele não hesita em criticar experiências que redundam em fracassos
pedagógicos.” (TORRES, 1979, p.8)
2-
O dinamismo apresenta uma incessante evolução de seu pensamento, pois “a
maturação de algumas questões, o esquecimento explícito de outras, a
‘clarificação’ de novos exemplos para afirmar velhas convicções ainda
hoje permanentes.” (TORRES, 1979, p.8)
3-
A abertura para a realidade aponta para
a necessidade de que a realidade provoque o homem, mas que este, por sua
vez, provoque ‘praticamente’ essa realidade. De imediato, isto conduz à
reflexão sobre o sentido, o autêntico sentido do ‘inédito viável’, esse
limite não entre o ser e o não ser, mas entre o ser e o ser mais.
(TORRES, 1979, p. 8)
Neste momento, apresenta-se a crítica, construída a
partir desse exemplo, o tema inédito viável é citado na primeira
entrevista que foi transcrita na obra, Freire ao responder a pergunta:
“como superar, então, essa interferência para que a reforma atue como
uma efetiva transformação libertadora?” (Torres, 1979, p.16), conclui
dizendo que para além destas situações, o que chamamos de ‘inédito
viável’, que é a futuridade que os homens devem construir” (Torres,
1979, p.17).
Torres que foi entendido como o interlocutor de
Freire nesse diálogo, mesmo que pelo aporte das transcrição das
entrevistas selecionadas, nesse momento que um dos assuntos destacados
por ele como algo significativo do pensamento de Freire, em sua
introdução apenas faz a seguinte intervenção: “Inédito viável? Bonita
expressão, como todas as que anunciam algo novo...” (Torres, 1979, p.
17). Entretanto, nota-se que o assunto é abordado, apresentado, mas não
dialogado, pois esperava-se pela interpretação do título do livro, que
haveria um diálogo entre o autor e Freire.
Retomando os pensamentos apresentados, com base nos
aspectos considerados relevantes das entrevistas, Torres (1979) afirma
que Freire envolveu-se profundamente com os movimentos sociais e
educação popular, sendo possível afirmar que naquele momento podia-se
posicionar e estar com Freire ou contra Freire, mas não sem ele.
Esclarecendo essa afirmação, nota-se que os embates
existentes naquele momento histórico eram travados tanto entre os
simpatizantes dos governantes de direita, bem como de esquerda. Haja
vista Freire tinha seus pensamentos lidos e discutidos por todos,
colocando-o nessa situação de estarem com ele ou contra ele, mas nunca
sem ele.
Por isso, seu pensamento e práxis convocam. Convocação que só é
compreensível quando se penetra no dinamismo do projeto libertador. Só
os utópicos – disse Freire – podem ter esperança, só os oprimidos podem
libertar-se a si mesmos e libertar seus opressores. O projeto educativo
freireano, que se gera na utopia, é um projeto que se pode sintetizar em
duas palavras: anúncio-denúncia. (TORRES, 1979, p.8)
Segundo Torres, as entrevistas selecionadas
apresentam um estímulo adicional para sua leitura: apresentando alguns
aspectos até então desconhecidos – ‘inéditos’ do pensamento de Freire;
mostra as fontes de preocupação, além de explicitar aspectos polêmicos
de sua proposta educativa. Aliás, isso indica que ao ler as entrevistas,
“surge a tentação de confrontar-se as imagens: a do Freire pedagogo,
pensador da totalidade, com a do Freire polêmico” (Torres, 1979,
p.9). Sendo considerada por nós, a segunda crítica a ser explicitada,
apesar da leitura dessa colocação, nos remeter a existência da
construção dessas imagens confrontadas, no diálogo, que como já
indicado, não ocorreu.
SINTETIZANDO
As contribuições estão relacionadas à caracterização de Paulo
Freire como um pensador da práxis, pedagogo da consciência, crítico que
questiona sua práxis docente e que vivencia uma pedagogia investigadora.
Todos esses aspectos da trajetória deste célebre educador brasileiro
propicia que mesmo sob o olhar atual, pode-se afirmar o quanto ele se
manteve fiel a seus pensamentos e coerente em suas ações.
Seu pensamento foi apresentado como investigativo, radical,
aprofundado que encontrava respostas novas a velhas perguntas. Ademais,
possibilitou salientar sua honestidade intelectual, dinamismo e abertura
para realidade, com evolução incessante de seus pensamentos, evolução de
algumas questões e o esquecimento explícito de outros.
O projeto pedagógico de ação cultural libertadora também foi
explorado, onde só os oprimidos podem libertar-se e libertar seus
opressores. Além disso apresentou aspectos que até então eram
desconhecidos, suas fontes de preocupação ainda não exploradas e
aspectos polêmicos de sua proposta educativa.
O limite encontrado foi a não apresentação efetiva de um diálogo
entre o autor e Freire, pois assim entendeu-se que seria o movimento de
interlocução a ser apresentada, interpretação essa suscitada pelo título
da obra.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Educação como
prática para liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
______. Pedagogia da Autonomia:
saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
TORRES, Carlos Alberto. Diálogo
com Paulo Freire. São Paulo: Edições Loyola, 1977.
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