Padeço de sentimentalismo
Todas as coisas que não esqueço
jogam-me à beira de um abismo,
espelho diante do qual cismo e finjo
não sentir saudade do que se foi
Tinjo a memória com as cores que me convêm
Vem, bem de longe, o sonoro apito de um trem...
Encontro-me percorrendo, sem pressa,
cada ponto de minhas antigas cidades,
encravadas e dispersas no tempo
Fecho os olhos e imagino o vento
abrindo janelas e, suavemente,
soprando cheiros e sons de cada uma delas
Patos, Sousa, Juazeiro, Serra Talhada...
Meu pai, em grande e cigana sina,
desde cedo seguiu sua insaciável gana de sertão,
silente chamado nunca deixado em vão
Ciente de si, sempre soube o que quis
mas foi raiz que nunca coube onde estava
Pitombeira, Orós, Cajazeiras, Petrolina...
Das demais regiões, desdenhou
Do exterior, nem queria ouvir falar...
Desenhou sua irriquieta existência
com as linhas de empoeiradas estradas,
tantas vezes divisadas da boleia de um caminhão
Mossoró, Açu, Salgueiro, Iguatu...
O presente no tempo se esvai
e os presentes dados pelo meu saudoso pai
são hoje brinquedos quebrados pelo peso das horas
ou esquecidos do lado de fora dos quintais
daquelas casas que, há muito, não existem mais
Caicó, Bananeiras, Caruaru, Cabrobó...
Lembro ainda do meu antigo e preferido brinquedo,
aquele pequeno navio de metal pintado de vermelho e branco...
Em pleno sertão, a água quase transbordava
da bacia usada por mim mãe para lavar roupas
Era só acender o pavio de sua caldeira
para, brilho ascendendo nos olhos,
vencer o desafio da oceânica travessia
São
Gonçalo, Itabaiana, Coremas, Boqueirão...
É inconteste que a geografia e as emoções
tão intensamente vividas no Nordeste
transformaram-se em afetivos elos
que carrego com orgulho por todos esses anos...
Na mente e no próprio tenho do Nordeste,
definitivamente, todos os paralelos e meridianos.
(São Paulo,
10/5/2014)
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