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Tenho acompanhado, com certa
apreensão, confesso, determinados posicionamentos por parte de líderes
religiosos, e crentes de todas as crenças, contra todos aqueles que não
professam crença alguma.
O mais
interessante é notar-se a forma, a maneira, pouco criativa, diga-se,
como isso ocorre. -
Nada tenho contra quem não crê. Isso é um problema de cada um. Eu creio
na Bíblia. Creio na verdade da Bíblia.
E aí, o inesperado, ou já
esperado:
“Tenho convicção que irei para o
céu”.
Mas, o que
significa dizer
Tenho convicção que irei para o
céu? Que tipo risível, e anticristã, de ameaça velada reside nessa
afirmação? Que quem não crê no Deus cristão vai para o inferno?
Novamente –
risível.
Fique claro, desde já, que ao
escrever este artigo, não pretendo afrontar a fé ou ofender a quem quer
que seja.
Portanto,
diferentemente de muitos religiosos, não pretendo que ninguém, religioso
ou não, queime no inferno eternamente. Inclusive, neste sentido,
acredito ser um pouco cristão e seguir o “novo” mandamento:
Amai-vos uns aos outros. Como eu
vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto
conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos
outros. (1)
Aspeei o
adjetivo “novo” por entender que Jesus não poderia tê-lo usado. Bastava
dizer - lembrai-vos do mandamento. Isso por que não quero admitir, sem
maiores convicções, que tivesse passado despercebido por Jesus o fato
de que o mesmo preceito havia
sido promulgado dois mil anos antes.
Não procures vingança nem guardes
rancor aos teus compatriotas. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu
sou o Senhor. (2)
E ainda:
Se
um estrangeiro vier morar convosco na terra, não o maltrateis. O
estrangeiro que mora convosco seja para vós como o nativo. Ama-o como a
ti mesmo, pois vós também fostes estrangeiros na terra do Egito. Eu sou
o Senhor vosso Deus.(3)
Bem,
deixemos essa chicana de lado. Certamente há uma explicação para isso.
Afinal, convenhamos, um texto inspirado pelo próprio Deus não pode
conter algo que não seja
corretamente explicado.
De toda forma, parafraseando Sam
Harris (4), acho espantoso que alguém tenha a capacidade de
discernimento dos verdadeiros ensinamentos da Bíblia, enquanto os mais
destacados e influentes pensadores na história da religião falharam
nesse ponto. Mas, considero, segundo alguns, que para compreender a
Bíblia, antes, temos que crer em Deus. – Mas, considerar não é o mesmo
que concordar. Farei um esforço para explicar o porquê.
Os cristãos defendem com todas
as suas armas, o verdadeiro Deus. E, acima de tudo, o Deus encarnado,
Jesus, o Cristo, o Messias. Em poucas palavras, o verdadeiro Deus.
Contudo,
“Cada
muçulmano devoto tem as mesmas razões para ser muçulmano que você tem
para ser cristão. E, no entanto, você não acha essas razões
convincentes. O Corão declara repetidas vezes ser a palavra perfeita do
criador do universo. Os muçulmanos acreditam nisso piamente quanto você
acredita na definição da Bíblia sobre ela própria. Há uma vasta
literatura relatando a vida de Maomé que, do ponto de vista do islã,
prova que ele foi o mais recente dos profetas de Deus. Maomé também
garantiu aos seus seguidores que Jesus
não era divino (Corão 5,71-75; 19,30-38), e que qualquer pessoa que
pense diferente passará a eternidade no inferno. Os muçulmanos estão
certos de que a opinião de Maomé a respeito desse assunto, assim como de
todos os outros, é infalível.
E por que
você não perde o sono pensando se deve ou não se converter ao islamismo?
Você é capaz de provar que Alá não
é o único e verdadeiro Deus? Você é capaz de provar que o arcanjo
Gabriel não visitou Maomé em
sua caverna? Claro que não. Mas você não precisa provar nada disso para
rejeitar as crenças muçulmanas, considerando-as absurdas. Recai sobre os
muçulmanos o ônus da prova de que suas crenças acerca de Deus e de Maomé
são válidas. E até agora elas não fizeram isso. Eles não podem fazer
isso. As afirmações feitas por eles acerca da realidade simplesmente são
impossíveis de ser comprovadas. E isso é perfeitamente claro e óbvio
para qualquer um que não tenha se anestesiado com o dogma do islã. (...)
Não é óbvio que qualquer que
considere o Corão a palavra perfeita do criador do universo não leu o
livro de maneira crítica? Não é óbvio que a doutrina do islã representa
uma barreira praticamente perfeita para a investigação honesta? Sim,
tudo isso é óbvio. Compreenda, então, que a maneira como você vê o
islamismo é exatamente a mesma como os muçulmanos devotos veem o
cristianismo.”(5)
Estas
questões, contudo, sequer passam pelos ajuntamentos cristãos.
A Bíblia tem resposta para
qualquer situação, dizem. Busquemos então:
Diz o evangelista Mateus:
Cuidado com os falsos profetas: eles vêm até vós
vestidos de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes. Pelos seus frutos
os conhecereis. Acaso se colhem uvas de espinheiros, ou figos de
urtigas? Assim, toda árvore boa produz frutos bons, e toda árvore má
produz frutos maus. Uma árvore boa não pode dar frutos maus, nem uma
árvore má dar frutos bons. Toda árvore que não dá bons frutos é cortada
e lançada ao fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis.(6)
Muito bem.
Lobos em pele de cordeiro,
falsos profetas,
árvores que não dão bons frutos etc. Mas, como reconhecer um falso
profeta, com base nestas passagens bíblicas? Nunca tive conhecimento que
algum tipo de espinheiro desse uvas ou de urtigas que dessem figos. Caso
isso ocorresse, pelo menos para mim, seria algo que estranharia.
Contudo, tal citação torna-se vazia, ou pouco operante, quando
procuramos distinguir profetas verdadeiros dos falsos. Mas isso,
repetido diariamente no mesmo vazio em púlpitos e palcos, parece não
perturbar o sono dos crentes, embora seja, no meu entendimento, de suma
importância.
Dito de outra maneira:
Partindo-se do princípio que
toda a palavra profetizada provém de Deus, como distinguir, com base
bíblica, a palavra que não provém de Deus? Continuemos a busca.
Lemos em Deuteronômio:
E se te perguntares: Como posso distinguir a palavra
que não vem do Senhor? nisto terás um sinal: se não acontecer nem se
realizar o que esse profeta falar em nome do Senhor, então o Senhor não
disse tal coisa. Foi o profeta que o inventou por presunção. Por isso,
não tenhas medo dele!(7)
Em 2Pd 2:1-3, lemos:
Como entre o povo antigo houve falsos profetas,
também entre vós haverá falsos mestres, os quais introduzirão
sorrateiramente facções perniciosas, chegando até a regenerar o Soberano
que os resgatou. Eles trairão sobre si repentina perdição. Muitos hão de
segui-los em suas dissoluções, e por causa deles o caminho da verdade
será blasfemado. Por ganância, vos explorarão com palavras mentirosas.
Há muito tempo, porém, o julgamento deles já está em curso, e sua
perdição não está adormecida.
Ora, tais
discursos, embora impactantes, sobre os falsos profetas, cabe na maioria
dos líderes religiosos hoje presentes. Sejamos justos. Afinal, sabemos
todos que o pior cego é aquele que
não quer ver.
Lógico que não confundo
liderança religiosa com verdadeiros profetas. Embora muitos líderes
comportem-se como verdadeiros profetas ao “profetizarem” nosso destino
caso saiamos da linha. Mas, alguém está mentindo.
Por que devo acreditar nos
cristãos que dizem ser Jesus o Messias, o filho amado de Deus, o próprio
Deus encarnado e não acreditar nos judeus e muçulmanos que afirmam que
Jesus não é divino? Quem está transformando mentiras em palavras
sagradas?
Ora, dizer
que o julgamento deles (falsos
profetas) já está em curso, e
a subsequente ameaça, sempre presente para aqueles que se desviam do
reto caminho, não passa de um desprezível sofisma.
Não espero
que ninguém concorde comigo. De fato. Mas, em que avançamos? Como um
verdadeiro cristão, com base nos versículos anteriores, pode reconhecer
um verdadeiro profeta? Pela fé? Convenhamos, e reconheçamos,
haja fé.
Consideremos que a Bíblia não está limitada a palavras e fé. A Bíblia
está presente em todos os planos e interfere no comportamento geral da
sociedade. Está presente nas discussões sobre célula tronco,
homossexualismo, aborto e por aí afora. Muitos líderes religiosos
certamente são falsos profetas
conscientes, contudo, sabedores da impossibilidade de serem
identificados, com base na Bíblia, aproveitam-se, não só como
falsos profetas, mas como
abjetos e inomináveis seres,
que arrogantemente colocam-se como intérpretes da palavra de Deus e são
seguidos por suplicantes, muitas vezes piores que eles próprios, que por
alguma razão desconhecida acreditam poder negociar com Deus. Estes
ocupam os primeiros lugares nas fileiras da fé. Muitas vezes joguetes da
própria fé. Digo joguetes não por qualquer escárnio; mas por
percebê-los, mesmo a distância, distantes da compreensão dos
ensinamentos básicos da sua própria religião, multifacetada em inúmeras
denominações. Grande e substancial parte busca as igrejas na mais
sórdida intenção de tirarem vantagens privadas; pequenos, risíveis e
desaconselháveis “milagres”, que acreditam ser mediados
por fantásticos e pululantes vendilhões do templo, cujo discurso,
com base bíblica, distancia-se do minimamente aceitável. Fazer algo por
medo do sofrimento é algo inaceitável.
A religião se baseia, acredito,
em primeiro lugar e principalmente, no medo. (...) O medo é a base de
todo o problema: o medo do misterioso, medo da derrota, medo da morte. O
medo é o progenitor da crueldade, e portanto não é nada surpreendente o
fato de a crueldade e a religião andarem lado a lado.(8)
Estas poucas questões colocadas,
poderiam juntar-se a muitas outras. São um excelente exercício para
reflexão. Por favor, não confundamos, não é a filosofia que não é boa. O
que não é bom é a falta da filosofia.
Entretanto, por mais que sejam
defendidas e justificadas as mais diferentes abordagens entre os
cristãos e entre cristãos, islâmicos e Judeus, a verdade, para cada
crente, sempre estará na base do livro escolhido. Confunde-se, portanto,
fé e conhecimento.
Daí muitos acreditarem que todos
aqueles que não professam sua fé territorial sofrerão castigos
intermináveis e, religiosamente, comprazem-se com isso.
Crentes acreditam que sem
religião não pode haver moral. Portanto, quem não crê é imoral. Simples
assim.
Mas, será verdade?
Serão hereges os muçulmanos por
afirmarem que Jesus não é divino? Serão hereges os judeus que receberam
diretamente das mãos de Deus seus ensinamentos, diferentemente dos
cristãos que receberam seus ensinamentos através de homens inspirados?
Serão
hereges judeus e muçulmanos por compactuarem
a convicção que Jesus não é o
Messias? Não é divino?
Por que devemos dar crédito a
Jesus e não a Maomé? Insisto.
Por que devemos deixar de ser
livres e caminharmos com as próprias pernas, em vez de seguir homens de
natureza incerta?
Atacar de
forma vil aqueles que pensam na contramão da fé, não faz dela mais
verdadeira. Ateus não se norteiam por doutrinas reveladas. Não acreditam
que um Deus perfeito possa afogar a humanidade, salvando apenas meia
dúzia de “escolhidos”. Não acreditam que um Deus bondoso e
misericordioso possa dizer:
Se alguém tiver um filho desobediente e rebelde, que
não quer atender a voz do pai nem da mãe e, mesmo castigado, se obstinar
em não obedecer, os pais o conduzirão aos anciãos da cidade, até o
tribunal local, e lhes dirão: Este nosso filho é desobediente e rebelde.
Não quer obedecer à nossa voz, é devasso e beberrão. Então todos os
homens da cidade o apedrejarão. E assim eliminarás o mal de teu meio e,
ao sabê-lo, todo Israel temerá. (9)
Ou ainda:
Quando na guerra contra inimigos, o Senhor teu Deus
os entregar em tuas mãos e tu os fizeres cativos, se então vires entre
eles uma mulher bonita, da qual te enamores e a queiras tomar por
esposa, tu a introduzirás em tua casa. Ela rapará a cabeça e cortará as
unhas, deporá as vestes de cativa e ficará em tua casa, chorando o pai e
a mãe durante um mês. Depois te unirás a ela e serás o seu marido, e
ela, tua esposa. Se depois não te agradares dela, tu a deixarás partir
em liberdade; não poderás vendê-la por dinheiro nem maltratá-la, pois a
possuíste como esposa. (10)
Da mesma
maneira não acreditam que Deus criou o mundo em seis dias, que Jonas
tenha vivido dentro do estômago de uma baleia por três dias, que Deus
tenha criado Adão de um punhado de barro, nem em cobras e jumentas
falantes, nem que em sã
consciência possamos
comer a carne e beber o sangue de
alguém.
Em que lugar e momento da
história da humanidade tais disparates poderiam ser considerados justos,
didáticos ou morais?
Alguns
querem salvar-se afirmando ter Jesus trazido nova ordem. Mas, o que isso
quer dizer exatamente? Que o Velho Testamento recebido das mãos do
próprio Deus era só para inglês
ver? Por que Deus fundaria uma nova religião? Não tenho interesse em
blasfemar. Mas, admitamos por um momento que Deus exista. Não esse Deus
que nos é apresentado pelas religiões. Mas um Deus criador do céu e da
terra.
Estou convicto que diante de
tantos horrores atribuídos a esse Deus, atestados nos livros sagrados e
tornados chancela para tantas perseguições, só os ateus entrariam no
céu. Afinal, quando os ateus dizem não acreditar em Deus ou divindades,
o fazem por entender que tais livros-testemunhos não podem ter sido
escritos por Deus algum. Isentam, portanto, Deus de todas essas
atrocidades. Diz Sam Harris:
“O
ateísmo não é uma filosofia; não é sequer uma visão do mundo; é
simplesmente o reconhecimento do óbvio. Na verdade, ateísmo é um termo
que nem deveria existir. (...) O ateísmo nada mais é do que os ruídos
que pessoas razoáveis fazem diante de crenças religiosas não
justificadas.”(11)
Não confundamos, portanto,
ausência de crença, com ausência de senso.
REFERÊNCIAS
(1). Jo 13:34-35
(2). Lv 19:18
(3). Lv 19:33-34
(4).
Harris, Sam. Carta a uma nação
cristã. Trad. Isa Mara Lando. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.
p. 23-24
(5).
Harris, Sam. Opus cit. p.23-24
(6). Mt 7:15-20
(7). Dt 18:21-22
(8).
Russel, Bertrand. Por que não sou
cristão e outros ensaios a respeito de religião e assuntos afins.Trad.
Ana Ban. Porto Alegre, RS, L&PM Pocket, 2013. p. 44
(9). Dt 21:18-21
(10) Dt 21:15-17
(11)
Harris, Sam. Opus cit.p. 56
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