Chegas morto, porém,
fuzilado na alma às páginas das gazetas
que pouco sabiam da tua
pessoa ou sentiam. Tampouco foste do negócio
dos vates, brocados,
chiadices, morreste quase anónimo
mas defendido é certo
pelos quarenta primos que são
os poetas daqui.
Quem apenas viveu a tua
morte letra impressa
em jornais repletos de
políticos e pandeiretas
deve ter encolhido os
ombros e pensado
que - se tanto sobre ti
diziam hoje - é porque dos mortos ninguém diz mal
e a morte é uma
mercadoria romântica.
Mas contigo foram outros
e floridos os lenços de acenar.
Estamos todos mais
pobres e
varados por balas de
terra nua junto ao coração.
Quem pegará na flauta ao
chão descida?,
quem tocará agora nas
margens do grande rio Eufrates?
Como cigarra devastada pelas
tranças
estás ainda virado para o pinhal
- e cantas.
Quotidiana e de aldeias brancas a
morte em que crias
católico assim também eu fora,
antes do sonho
noutro barco
embarcado, diverso trapézio
ecuménico.
Aqui tenho as tuas falas feitas
de brisa e cal
no meio de outros mortos-vivos
como tu
as praias explodem a Oeste.
E de novo regressas aos jornais a
barba eternamente por fazer
e o espanto viajará em muitos
olhos
por antes disso não te saberem o
nome: de corridas a pé ou
a cavalo, bicicletas ou bólides,
não te reconhecem o rosto
como trepador dos Pirenéus,
fadista de beco ou toureiro janota.
E por bastos anos serás sinaleiro
da água
da ternura
homem ao centro descendo ao
centro da terra
por muitos sítios. Talvez tenhas
agora a alma desportiva
que sempre quiseste ter, oh
adepto do grande campeão
José Maria Nicolau.
Renovados estão os poderes que possuías sobre o fogo
e à sombra da tua memória vão ser encenados outros crimes e desastres outras
pombas desastradas outros dias de silêncio mas jamais
esqueceremos o vaso de gerânios que deixaste.
Morreste? Ainda e sempre, hoje, pelo sítio do púbis.
Eternamente estarás quedo e mudo a ver passar o rio
o grande rio Eufrates que corre igualmente à minha porta.
E é por isso que a morte não são botas inchadas de sebo e
moscas ruins ou somente fardos de feno.
Se o Cesário Verde ainda
fosse vivo, isto é
se fosse nosso agora -
iria também ao teu enterro.
Estoril - 10 de
Agosto de 1978
In antologia "25 ANOS DE POESIA ANTOLOGIA 1962-1987". Aparato gráfico e Revisão / Atelier Edições Mic. Desenhos da série "TEORIA DAS MULTIDÕES", de Fernando Grade. Edições Mic. Colecção Salamandra / 12. Estoril, Janeiro de 1988.
Esgotado.