REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 45 | abril-maio | 2014

 
 

 

 

JOSÉ ROBERTO BAPTISTA

VIDA DEPOIS DA VIDA:

revisitando o texto de Raymond Moody Jr. (*)

 

José Roberto Baptista (Brasil). Editor da ARTE-LIVROS Editora. Foi professor universitário e Diretor-Acadêmico de tradicionais instituições de ensino superior em São Paulo. É estudioso da fenomenologia parapsicológica e autor, entre outros, do livro Introdução ao Estudo da Parapsicologia (Arké, 2007), além de já ter escrito vários artigos sobre o tema. Dirigiu o IEP-SP - Instituto de Estudos Psicobiofísicos de São Paulo voltado, exclusivamente, ao estudo e ao ensino da Parapsicologia.

 

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Foi com Raymond Moody Jr., através de seu livro Vida depois da vida (1975), que se popularizou o interesse pelas Experiências de Quase-Morte (EQM) ou, em inglês, Near-Death Experiences (NDE).

O termo faz referência a um conjunto de sensações vivenciadas por algumas pessoas em situações de morte iminente e associado à ideia de sobrevivência do espírito (alma, consciência) após a morte.

Muito se tem estudado sobre tais ocorrências e algumas hipóteses, na tentativa de explicá-las, têm sido apresentadas.

Dentre as mais contempladas destacam-se as de cunho farmacológico e as de caráter neurológico. As primeiras apontam como possível causa a utilização de drogas terapêuticas administradas ao paciente em momentos críticos e, as segundas, de caráter neurológico, atribuem tais sensações a um mau funcionamento do sistema nervoso de pacientes que se encontram próximos à morte. Contudo, não há consenso.

Todavia, as tentativas de respostas para esse estado, limítrofe entre a vida e a morte, não altera o fato de o trabalho realizado por Moody continuar sendo apontado como uma investigação que atesta, de maneira irrefutável, a existência de  “algo” que em nós, e independente de nós, sobrevive à morte física.  Os excessos dessa interpretação, em bases escusas, é o objetivo deste breve artigo.  

Tenho comigo a edição portuguesa de 2006, publicada pela editora Pergaminho S/A. Cascais, Portugal, da obra Vida Depois da Vida, de Raymond Moody Jr.

Já na contracapa, com o objetivo de destacar o trabalho de Moody,  podemos ler: 

Os relatos extraordinários que aqui são apresentados, acompanhados da análise rigorosa e acessível de Raymond Moody Jr., constituem uma prova irrefutável da vida após a morte física e permitem ao leitor comum ter um relance da paz e do amor condicional que nos esperam do “Outro Lado”. (g.n.) 

Contudo, tal afirmação, não passa de uma “profissão de fé”. Verifica-se, sem a necessidade de grandes reflexões, a infidelidade ao texto que está sendo apresentado. Assim esclarece o autor, logo nas primeiras páginas:  

Deixem-me dizer logo de início que, tal como explicarei mais tarde, não estou a tentar a provar que existe vida depois da morte. Nem acredito que seja possível dar uma “prova” disso. (g.n.) 

Ora, é esse procedimento que quero denunciar.  Essa desprezível tendência de colocar “palavras na boca do autor” para defender crenças particulares. 

Esse tipo de comportamento, desnecessário e reprovável, em nada contribui para o avanço do conhecimento. Não vai além, diga-se, de uma caricatura ou, dito de outra maneira, uma abordagem desqualificadora do texto.

Mais um passo e lemos no prefácio, escrito pelo médico americano Melvin Morse:  

Quando morremos, as nossas vidas são avaliadas e interpretadas tendo por base não o dinheiro que ganhámos ou o estatuto e prestígio que conquistámos, mas tendo por base o amor que partilhámos com os outros ao longo da vida. 

Convenhamos, este tipo de abordagem não passa de um “salto parado no ar”. Em nenhuma das experiências relatadas por Moody podemos apreender que “do outro lado” não seremos avaliados com base no dinheiro que ganhámos ou o estatuto e prestígio que conquistamos. Isso está fora de questão.

Desnecessário, injustificável e, mais que isso,  um tributo à infidelidade na leitura da obra.

Que não levamos dinheiro para o caixão, ou para o “outro lado” todos sabemos. Inclusive personalidades ditas desencarnadas já nos trouxeram, através dos chamados médiuns, termo cunhado por Alan Kardec para definir aqueles que servem de mediadores entre o mundo espiritual e o mundo material, a mesma mensagem do seu peculiar “plano espiritual”. Ora, seria preciso alguém nos lembrar disso? E o que tamanha advertência, nas entrelinhas, significa? Que não precisamos nos preocupar com o dia de amanhã, conforme nos ensinou Jesus e foi registrado pelo evangelista (Mt 6:25,26)?

Por quem nos tomam? Por retardados mentais?

Que tal, apenas como contraponto, lembrarmos que cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo não têm o que comer e a cada três segundos uma pessoa morre de fome? Infiéis? 

Convenhamos... Sem palavras.

Portanto, salvo um grosseiro erro de leitura da minha parte, Moody trata sua pesquisa com outra disposição. Diria infinitamente mais honesta. 

Não posso falar com total objectividade destas experiências, pelo facto de as minhas emoções terem estado envolvidas no processo. (...) Em segundo lugar, devo dizer que não estou muito familiarizado com a vasta literatura dos fenómenos paranormais e ocultos. Não digo isso por menosprezar o assunto e, com certeza, um maior conhecimento do assunto teria ampliado a minha compreensão dos eventos que estudei. 

Assim, é indiscutível que o autor seguiu caminhos diferentes e opostos àqueles trilhados por seus comentadores. Em nenhum momento - é textual - descartou a possibilidade da reencarnação:  

No entanto, é importante ter em mente que nenhum (dos casos estudados) descarta a reencarnação também. Claríssimo. 

Contudo, também diz o autor, no início do mesmo parágrafo: 

 Nenhum dos casos que observei é, de alguma forma, indicativo da reencarnação.  e complementa:

De qualquer modo, a técnica de entrevistar pessoas que voltaram de experiências de quase-morte não seria o modo adequado de estudar a reencarnação.  

Assim, causa-me profundo desconforto o fato de, ainda nos dias atuais, passadas mais de quatro décadas da primeira edição do livro, ver estudiosos, ou seriam tendenciosos? – insistentemente - citarem o trabalho de Raymond Moody Jr, como prova irrefutável da vida após a morte e, por osmose, da reencarnação.

Não vejo problema algum crer numa vida após a morte. Da mesma maneira não vejo problema algum acreditar-se em gnomos, duendes, fadinha do dente etc. Contudo, há uma distância considerável separando a crença do conhecimento.

Aqueles que creem numa possível vida após a morte e também na reencarnação, como fato inconteste, agarram-se a todas as cordas.

Movidos pelo desejo de como gostariam que as coisas fossem, independentemente de como são, atropelam e destroem - como um trator que passa por cima de uma plantação de morangos - tudo aquilo que possa pôr em dúvida sua fé.

A constante alegação shakespereana de que há mais mistério entre o céu e a terra do que possa imaginar nossa vã filosofia, não é um passaporte seguro para afirmações com bases na fé.

Devemos, antes de colher o figo, plantar a figueira.

 

 

(*) Obra de Referência

MOODY, JR., Raymond. Vida Depois da Vida. Lisboa, Editora Pergaminho S/A.,2006.

 

 

   
 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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