4.
VENTO
canção do vento que sopra
pássaros e folhas em fuga
remoínhos em conflito
ventos velozes que mudam
os sentidos desta rua
ao ritmo intermitente
das luzes que piscam
informações inseguras
direcções de risco
balançam os nomes
das ruas nos candeeiros
esquinas de encontros
em clarões inseguros.
é o vento são as cruzes
no corpo de uma cidade
do pavimento pisado
cruzadas indecisões
sombras que alteram os passos
dos passantes insensíveis
trespassados pelos ares
e olhares enregelados
o vento sopra mais forte e
mais frio nas encruzilhadas
Lá na esquina,
dizia ela, (dizia
ele ...)
era um diz que
disse contínuo,
entre revistas,
marchas e um rio
que se espraiava,
e parecia a cidade dos doutores,
onde um outro
basófias se espalhava.
Verdades ou
mentiras,
assim asssim ou
talvez não,
entre um café, um
palito e o jornal.
Era a voz da
caserna… como tantas!
Escuta-se o
futebol nas esquinas, coisa fina,
e cada golo é um
salto de alegria.
(quem
marcou? não importa
- diz ela - foi golo)
Amanhã, os jornais
darão as notícias,
e nas cores das
camisolas vestiremos a paixão.
No prédio que se lavanta ali ao lado
“pimba, pimba”
– malhavam no ferro
na esquina mais à
frente,
“pimba, pimba”
entre bandeiras e
outros artefactos
santos e barros
Lado a lado, os
pregões das varinas
são trazidos pelos
vendedores da sardinha e do carapau
("chegado ontem de Portugal"
- dia ela -
"ainda fresquinho e com sangue na guelra")
cheiro a mar de um
outro modo
de quanto ele nos
dá e conforta
há pregões de
varinas que o são
nas origens de um
mar que abraçavam
a canastra na
cabeça, nas ruelas
outrora estreitas,
agora rua larga
para deixar passar
um caudal de sonhos
de povos, de
gerações e de rostos...
cheira a Ferry- cheira a mar
ando a procura de cheiros
de cheiros que são memórias
cheiro da terra e do vinho
que lembram velhas histórias
junto à porta do vizinho
saem cheiros das janelas
perfumes do rés-do-chão
são os aromas antigos
dos cominhos dos enchidos
do forno que cheira ao pão
são os cheiros que nos falam
das letras de outras palavras
um perfume sempre novo
o cheiro às vagas do mar
e o coração nos diz: cheira a povo
sons e cheiros se misturam
de tantas terras e origens
são cores e sons que falam
e os cheiros não me enganam
são bilhetes de viagens
abre-se a porta é o marisco
na outra porta o florista
fumo da carne na grelha
F de frango e de Ferry
cada letra tem seu cheiro
cheira a óleo da estação
algodão doce e farturas
com chuva cheira a frescura
ao chá de tília das folhas
árvores que cheiram na sombra
o aroma do café
faz lembrar a bica de lá
cheira a cravo e à saudade
dos cheiros da outra margem
e ao perfume a cidade
vivo das novas dos sons
e dos cheiros que me chegam
de tantos momentos bons
dos cheiros que me aconchegam´...
mas no final cheira a nós
Bem ali mesmo ao
lado...
“que olhas tu, pelo vidro –
dizia ela -
que queres tu para além, rosto parado, endurecido; quem te fez
mal, ou melhor, quem te fez assim” - dizia ela -
“outros barcos e caravelas já
passaram por aqui e deram nome, deixámos para trás ilhas e peninsulas,
são outros os desafios de agora”
a
Ferry Street não pára
não há feriados nem folgas
só sábados e domingos
e muitos dias de semana
dia a dia nela passam
os cansaços as pernas
dos sonhos e as férias
que os aviões voam alto
as montras reflectem
rostos e imagens do longe.
sem salas de cinema a Ferry
é uma sessão contínua
de passos e momentos
de adeus, nuvens e beijos,
um comboio lá ao fundo,
e corações e países
ferry Street... -
dizia ela - o que me dizes...
a quem o dizes!...
Em caves nos
escondemos dos papeis que não tínhamos, aprendemos a conduzir o nosso
destino na escola do dia a dia, carro, caminhão, bicicleta. E o regresso
altas horas!...
todos os dias
o homem dos bigodes
o mesmo todos os dias
e da bata semi-branca
a mesma de todos os dias
impassível aos olhares
os mesmos de todos os dias
sobe e desce no buraco
em qualquer dia
de onde renasce algo novo
em qualquer dia
uma esperança em cada ida
amanhã também é dia
é esta sina que carrego
todos os dias
nas caixas que descarrego
todos os dias
pesadas de tantos anos
e tantos dias
não há sorte que mude
um só dia!...
ou que o relógio do passeio
cada dia
acerte as minhas horas
e os meus dias
crescem-lhe os bigodes
todos os dias
e por mais que cresçam
as horas no verão
não crescem os dias
os seus dias
os que passam não escondem
as sombras dos dias
mas ele não se esconde
na noite dos dias
cara fechada que esconde
o escuro do dia
com um sorriso responde
aos bons dias
e esconde as dores
todos os dias
nas mãos da rotina
de muitos dias
são os mesmos degraus
todos os dias
é o mesmo o salário
de outros dia
quando conta os degraus
dia após dia
e
à noite sonha
com todos os dias
no buraco de onde sai
mais um dia
morreu mais um sonho
de mais um dia
pela manhã quando acorda
para mais um dia
que passe veloz é o desejo
oração de cada dia
e que a noite aconchegue
o corpo do dia
dia a dia que passa
é mais um dia
entre a dor e a esperança
de um novo dia
desperta! força! e avança
para mais um dia
amanhá também é! será?
será... dia
diferente no olhar distante
do dia?
um dia novo? mais um
ou um novo dia...
Todos os dias,
todas as noites as mesmas pedras,
a mesma calçada,
as mesmas palavras...
salpicadas aqui e
além de ouro e filigranas.
as cores vivas das
desfolhadas e romarias.
... mais adiante
nas esquinas de
opinião
Cronistas de uma
nova era
são engenheiros de
ocasião,
registam para a
posteridade
e para o presente
as mudanças,
ao mesmo tempo que
lavram no vento
as opiniões de uma
solidez arrepiante.
Conhecem os
camiões que passam
e descarregam os
materiais
que serão a
fundação
de uma nova rua,
nova nas pedras e
janelas,
a mesma lenta
evolução
nos passos e nas
visões.
As esquinas com
nomes de rua
são observatórios
da história;
conhecedores
empíricos
desta mudança
gradual
testemunhas de um
processo
de crescimento,
comentadores de relatos
em discussões
acaloradas.
Passam pessoas e
horas,
sol ou chuva nada
os demove
da fundamental
missão,
indiferentes aos
mirones,
ninguém os arranca
do posto
onde fielmente
cumprem
horário e função,
de sol a sol.
vão e vêm os anos.
eles ficam.
evelhecem mas não
mudam.
Os trabalhadores
disseram boa tarde,
os carros já se
foram. Agora eles,
engenheiros,
arquitectos, orçamentistas,
satisfeitos por
mais um dia passado
sem incidentes,
regressam aos seus lares,
depois de mais um
extenuante dia
de análises;
debruçam-se
sobre os
acontecimentos suculentos
de mais um dia,
elaboram relatórios,
actualizam os
projectos.
Fazem, escrevem,
guardam a história
para futuras
memórias.
Descansam agora ao
lado das esposas.
Elas sentem-se
orgulhosas
dos seus maridos
dedicados
constructores de
opinião, peças
fundamentais deste
processo de vida
de uma rua que
eles têm como sua.
Sobre ela,
têm uma importante
palavra a dizer:
amanhã
também é dia.
e
há mais esquinas
... onde se vende
de tudo um pouco,
telhados, casas,
paredes,
sonhos afixados
nos murais,
nos mercados da
saudade,
indiferentes às
maçâs douradas,
uvas, melancias,
há os rapazes da fruta
... ombro a
ombro, há jogos cruzados,
de passeio para
passeio,
jogos diagonais de
xadrez
dos meninos
peões-soldados.
... do ouro da
terra ao ouro de lei,
de todos os
quilates,
alheios aos
aromas, aos odores,
lutas diárias onde
imperam
os passos e as
procuras.
As máquinas de
costura já não cantam,
as vozes das
costureiras se calaram,
silêncios das
canções
de embalar os
dedos doridos,
trabalho de peças
contadas,
para alindar as
festas dos outros...
São mudanças, são
ausências,
e o renascer de
novas palavras
na mesma rua de
outrora.
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