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O que lhes trago é um vômito.
Vômito que acredito estar na garganta de muitos que compactuam com uma
cordialidade dissimulada, capaz de endossar produções poéticas medíocres
que envergonham a vastidão de expressões artísticas realmente
merecedoras de nossa atenção. Eles não serão capazes de chegar às vias
de fato, eles simplesmente digerirão esse vômito e despejarão em nós
seus sorrisos amarelos, fazendo-nos aceitar como arte uma verborragia
vazia. Eles são os detentores de saberes culturalmente valorizados, os
responsáveis pela disseminação da cultura e por levar a público a
leitura literária. Sob a chancela de títulos acadêmicos, grandes
editoras e mídias de projeção nacional, aqueles que deveriam estar
comprometidos com a formação de consumidores culturais críticos e
conscientes empurram-nos celebridades insípidas e impõem-nos o contato
com leituras que nos levarão à inanição.
Se a nova geração de poetas está
mesmo disposta “a trabalhar sem endeusar
o gênero poético” (1),
é injustificável a atitude sacralizadora dos acadêmicos em torno das
produções dessa nova geração. É injustificável, por exemplo, a
declaração de
Heloisa Buarque de Hollanda acerca de Alice
Sant’Anna: “Alice é sem dúvida uma protagonista da nova poesia no
Brasil, e Rabo de Baleia um
livro ‘já definitivo’”
(2). Qual
avaliação restou para o leitor nessa assertiva? Cabe ainda algum
comentário? Ou apenas a atitude subserviente de ir à livraria, comprar o
livro e aceitá-lo como uma obra estabelecida? A postura de dessacralizar
a poesia e, em consequência, o poeta e o fazer poético, é, de fato,
meritória. Todavia, porque então o cenário “crítico” ainda execra
aqueles que ousam declarar, por exemplo, a irregularidade da poesia de
Drummond e o prosaísmo inócuo de muitos poemas de Adélia Prado? O
trabalho que se faz diante desses autores já integrantes do cânone é
exatamente no sentido de prestar às suas obras uma atitude irrefletida e
irrestrita de culto, transformando-as nos imaculados santos de uma
religião secularizada.
Se a intenção dessacralizadora é
mesmo genuína – e não apenas uma desculpa para fazer o leitor engolir as
negociatas de uma mídia de grande alcance, um mercado editorial e
críticos “consagrados” –, que dissemine-se então a poesia de Manoel de
Barros, da qual verte ao mesmo tempo a sabedoria de matutos ágrafos e o
conhecimento de quem tomou contato com vasto acervo da cultura letrada.
Ali, conjuga-se saberes marginais e elitizados de uma forma capaz de
alcançar públicos leitores variados e ainda impulsionar à escrita os
interessados no fazer poético.
Há algum pacto do silêncio?
Alguma determinação totalitária do cenário poético constrangendo as
pessoas a derramarem elogios sobre tudo que uma grande editora publica
ou tudo que ganha um prêmio ou, ainda, tudo que um pós-doutor em
literatura declara? Recuso-me a cultuar irrestritamente qualquer autor,
contudo não posso elogiar os haicais de Alice Ruiz diante dos
Grãos de Arroz de Yeda Prates
Bernis – claro que eu poderia citar os haicaístas orientais, mas não
quero sair do Brasil. Não posso endossar o valor estético de
Rabo de Baleia depois de passar pela lírica pujante de Hilda Hilst
(que já se revela em Presságio,
publicado quando a poeta tinha vinte anos) e pela poesia de absurdos
existenciais de Orides Fontela em sua
Transposição, livro publicado
aos vinte e nove anos da autora.
Alguém aí já ouviu falar em
Nícollas Ranieri e Camila Vardarac? Ele tem vinte e três anos e publicou
Fragmentos aos catorze. Ela nasceu em 1987 e tem poemas publicados
em revistas eletrônicas. Reservo a vocês o direito de emitir qualquer
avaliação sobre as produções desses jovens autores, meu intento é
somente fornecer-lhes dois exemplos para além do que nos está sendo
imposto, exemplos que podem se multiplicar aos verdadeiros interessados
em buscar autores situados às bordas dos holofotes midiáticos e
acadêmicos.
Sob a máscara de uma
democratização da leitura, a lógica de mercado continua a nos injungir
um velado regime totalitário. Almejo apenas que nos conscientizemos da
nossa capacidade de julgamento e do nosso direito de escolha, assim nos
veremos aptos a avaliar e selecionar a poesia e a arte que
verdadeiramente queremos e sabemos apreciar.
Bianka de Andrade Silva
Belo Horizonte, 03 de fevereiro de 2014, 12h
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