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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 45 |
abril-maio | 2014
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ADELTO GONÇALVES
Da Chica da Silva carioca
ao contrabando de camisinha |
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área
de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e
autor de Os Vira-latas da
Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981),
Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido
(Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro,
Academia Brasileira de Letras, 2012), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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I |
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Não é de hoje que a Igreja Católica condena o uso de preservativo e a
prática do sexo que não seja com o fim exclusivo de procriação. Uma luta
que, se não se pode chamar de vã, pelo menos se tem mostrado como
praticamente impossível de ser levada adiante, porque o homem luxurioso
sempre se mostra disposto a apelar a outros meios apenas para satisfazer
os seus mais íntimos desejos.
Não se sabe ao certo quando foi inventado o preservativo, mas é certo
que no Egito Antigo já eram usadas finas camisinhas de papiro, que
evitavam a proliferação de doenças venéreas e o nascimento de filhos
indesejáveis. No Brasil, sabe-se agora que há 207 anos já chegavam aqui
tais saquinhos de peles finas que tinham esse objetivo tão condenado
pela moral religiosa. É o que mostra o pesquisador Nireu Cavalcanti,
doutor em História Social com ênfase em História Urbana pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em seu livro Histórias
de conflitos no Rio de Janeiro colonial: da carta de Caminha ao
contrabando de camisinha (1500-1807), que reúne 26 crônicas que
recolhem acontecimentos inusitados da cidade do Rio de Janeiro.
Em uma dessas crônicas, o autor conta a descoberta que funcionários da
Alfândega carioca fizeram quando abriram dois caixões que traziam
mercadoria nunca reclamada por seus importadores: ali estavam “papéis
figurados, escandalosas estampas soltas, livros com estampas” e os tais
saquinhos de peles finas, ou seja, camisas de vênus ou as popularmente
conhecidas camisinhas. Provavelmente, algum contratempo tenha levado os
interessados a desistir de fazer passar o lote pela aduana com base em
generosas gratificações aos fiscais.
Cavalcanti recupera, inclusive, o relatório que o juiz da Alfândega,
José Antônio Ribeiro Freire, fez ao vice-rei, o conde dos Arcos,
detalhando o material apreendido, objetos e gravuras que teriam sido
“inventados pela malícia humana e, capazes de corromper os bons
costumes, e que por escandalosos não devem aparecer em público”.
Confessou que a vontade que teve foi de os “queimar, em ato judicial de
consumo”, acrescenta o pesquisador.
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II |
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Quem, com certeza, não costumava recorrer ao uso de preservativo era o
senhor de engenho João Aires Aguirre, que era casado com uma senhora que
não lhe daria filhos. Em compensação, teria vários filhos com a mulata
Páscoa Antunes (1692-1779), analfabeta, que morava e trabalhava em sua
casa. Para Cavalcanti, Páscoa Antunes seria uma espécie de Chica da
Silva carioca, pois acumulou dinheiro suficiente para adquirir, em
sociedade tripartite, um engenho.
É de lembrar que, como mostrou em pesquisa histórica minuciosa Júnia
Ferreira Furtado, autora de Chica da Silva e o contratador de
diamantes: o outro lado do mito (São Paulo, Companhia das Letras,
2003), a mineira Chica da Silva (1731/1735-1796) não foi a mulher de
vida extravagante retratada em romances e no cinema e na televisão, mas
uma mulata que nasceu escrava e teve uma vida próxima das mulheres
brancas de sua época, por sua relação de quinze anos com o contratador
de diamantes João Fernandes de Oliveira, no arraial do Tejuco, em Minas
Gerais, tendo acumulado pecúlio considerável, inclusive mais de cem
escravos.
Já a vida de Páscoa, diz Cavalcanti, constitui intrigante
quebra-cabeças, que o pesquisador ainda não conseguiu solucionar, à
falta de outros papéis de arquivo. Mas o que se supõe é que pelo menos
quatro filhos de Páscoa seriam de Aguirre, ainda que registrados como de
pais desconhecidos ou “incógnitos”. Fica evidente, diz Cavalcanti, que o
pai deles não permitia enquanto era vivo que usassem o seu sobrenome.
Fosse como fosse, a família de Páscoa prosperou e acumulou recursos para
arrematar em hasta pública em 1756 um engenho na freguesia de Santiago
de Inhaúma. O imóvel seria arrematado em sociedade de igual cota entre
Páscoa, seu filho Custódio e o genro Inácio, de tradicional família, mas
igualmente bastardo, que era casado com uma filha da Chica da Silva
carioca, Florência de Menezes.
Para ver o quanto Páscoa prosperou, mesmo sendo mãe solteira, o
pesquisador cita que, ao final da vida, em testamento, ela dizia que o
genro Inácio lhe devia 250 mil-réis e que estava com dois escravos que
seriam dela. Já o filho Custódio deveria prestar conta de dois escravos
(um deles já falecido) que ela dera para servi-lo. Todos esses bens
deveriam ser cobrados para o monte do espólio, diz Cavalcanti.
Ainda com base em suas pesquisas nos papéis avulsos do Rio de Janeiro,
do Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, Cavalcanti observa que
todos os ricos do Rio de Janeiro no século XVIII possuíam no mínimo três
residências: uma casa na cidade, geralmente um sobrado na área central;
uma casa de campo numa chácara no arrabalde ou subúrbio; e a casa rural,
sede da fazenda. “O percurso que cada uma fazia da chácara para a
cidade, por exemplo, era a oportunidade de mostrar riqueza e
comportamento nobre, através da qualidade do veículo, dos animais, dos
arreios e do séquito de escravos, além de pajens bem-vestidos e
numerosos”, conta.
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III |
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Resultado de projeto que apresentou em 1999 ao extinto Jornal do
Brasil para a publicação semanal de crônicas sobre o período
colonial, este livro vem se juntar a Crônicas históricas do Rio
colonial, publicado em 2004 pela mesma Civilização Brasileira com o
apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro
(Faperj), reunindo 69 crônicas, muitas delas inéditas.
A experiência do arquiteto-historiador no jornalismo impresso diário
durou apenas seis meses, de 2 de agosto de 1999 a 7 de fevereiro de
2000, mas serviu para que o autor sentisse o gosto da popularidade, ao
se perceber lido por um público muito mais amplo e sem as exigências
acadêmicas de praxe, porém igualmente interessado em nossa história
colonial. Se a experiência não demorou muito, culpa cabe à
insensibilidade da direção do JB, que optou pela interrupção da
publicação das crônicas, talvez para economizar alguns tostões, a uma
época em que o tradicional periódico já mostrava que caminhava célere
rumo ao seu desaparecimento das bancas.
Neste novo livro, Cavalcanti, infatigável pesquisador de arquivos
brasileiros e portugueses, resgata detalhes de casamentos conflituosos,
processos familiares e acontecimentos do dia a dia da cidade do Rio de
Janeiro. “Através dessas histórias, contadas com precisão e graça pela
pena de Nireu, nos aproximamos do modo de vida dos habitantes cariocas e
fluminenses do Brasil colônia”, observa a jornalista e escritora Regina
Zappa, responsável pelo texto de apresentação publicado nas orelhas do
livro.
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IV |
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Alagoano de Olivença, Nireu Cavalcanti (1944) reside desde os 17 anos no
Rio de Janeiro, onde se formou arquiteto e urbanista pela Universidade
do Brasil, atual UFRJ. Professor de pós-graduação da Escola de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), é
ainda autor de Arquitetos e engenheiros: sonho de entidade desde 1798
(Rio de Janeiro, Crea-RJ, 2007), e O Rio de Janeiro setecentista: a
vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte
(Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2004), que teve como ponto de
partida sua tese de doutoramento “A cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro: as muralhas, sua gente, os construtores (1710-1810)”,
apresentada em outubro de 1997 no Programa de Pós-Graduação em História
Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. |
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HISTÓRIAS DE CONFLITOS NO RIO DE JANEIRO COLONIAL: DA CARTA DE CAMINHA
AO CONTRABANDO DE CAMISINHA (1500-1807),
de Nireu Cavalcanti.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 352 págs., 2013, R$ 50,00.
E-mail: mdireto@record.com.br |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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