REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 42-43 | dezº 2013-janº 2014

 
 

 

 

LINDA PASTAN

Poemas traduzidos por Francisco Craveiro

 

Linda Pastan nasceu em Nova Iorque, a 27 de Maio de 1932. Autora de obra vasta, recebeu vários prémios e duas das suas recolhas poéticas estiveram nomeadas para o National Book Award. O marido, Ira Pastan, é um cientista famoso, membro da National Academy of Sciences. Linda Pastan é mãe da romancista Rachel Pastan.

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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Dir. Maria Estela Guedes  
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Notas

 

O meu marido atribui-me um A

pelo jantar de ontem à noite,

um incompleto pelo passar a ferro,

um B+ na cama.

O meu filho diz que estou na média,

uma mãe média, mas que

posso melhorar

se me esforçar.

A minha filha acredita

em Passar / Reprovar e diz-me

que passo. Esperem até eles saberem

que vou desistir.

 

**

 

Um novo poeta

 

Encontrar um novo poeta

é como achar uma nova flor selvagem

no bosque. Não encontramos

 

*

 

o seu nome nos livros sobre flores, e

ninguém a quem se diga acredita

na sua cor invulgar ou na maneira

 

*

 

como as folhas crescem em linhas

espalhadas pela página abaixo. Na verdade

a própria página cheira  a vinho tinto

 

*

 

entornado e ao bafio  do mar

num dia enevoado – os cheiros da verdade

e da mentira.

 

*

 

E as palavras são tão familiares,

tão surpreendentemente novas, palavras

que quase escrevemos, tivesse

 

*

 

havido um lápis nos nossos sonhos

ou uma caneta ou mesmo um pincel,

tivesse havido uma flor.

 

**

 

Ligando as baterias

 

Quando os nossos carros se tocaram

Quando levantaste o capô do meu

Para ver o funcionamento por dentro,

Quando um pulsar de energia pura

Nos ligou,

Quando como a princesa da história

O meu carro acordou pegando

Pensei porque não fazer o resto do caminho juntos.

 

**

 

Escarlate

 

Pierre Bonnard entrava

no museu com um tubo de tinta

no bolso e um pincel de marta.

Depois violando a integridade

de uma das suas molduras

dava uma pincelada de escarlate

na pele de uma flor.

Assim te parei eu

à porta esta manhã

e passando o indicador pela língua, removi

uma migalha invisível

dos teus lábios escarlates. Como se

no ritual da despedida

tivesse de mostrar que ainda me pertencias.

Como se a correcção fosse

a forma de amor mais pura.

 

**

 

O que queremos

 

Nunca é simples

o que queremos.

Andamos por entre as coisas

que pensámos que queríamos:

um rosto, um quarto, um livro aberto

e estas coisas  têm os nossos nomes –

agora querem-nos a nós.

Mas aquilo que queremos aparece

em sonhos, disfarçado.

Caindo passamos por elas,

estendendo os braços

e de manhã

eles doem-nos.

Não nos lembramos do sonho,

mas o sonho lembra-se de nós.

Está ali o dia todo

como um animal está

sob a mesa,

como as estrelas estão

mesmo em pleno sol.

 

**

 

Calafrio que o vento causa

 

A porta do inverno

está fechada pelo gelo,

 

e como os corpos

de animais há muito extintos, os carros

 

jazem abandonados onde quer que

a rua fria os tenha levado.

 

 

Que cerimoniosa é a neve,

com que serena austeridade

 

transforma  até a morte num

compromisso formal.

 

Sozinha à janela,  ouço

o vento,

 

as pequenas folhas aos estalidos

nos seus caixões de gelo.

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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