A epifania do Herberto
a
Herberto Helder
Na tua rendilhada poesia
de lugares abertos às marés,
com ondas arrulhando
pelos dedos de Deus,
a laranja comunga dos teus gomos,
também ela descobre, a par do sangue,
a volúpia do corpo a esclarecer
os enleios da luz.
E ao tocares as chávenas, as colheres,
a vida arrebata-se e acorda
esses adormecidos utensílios.
E então eles, limpos já do pó
por onde o esquecimento os enterrara,
vêm juntar-se a nós e fazem parte
do secreto festim, são o pão e o vinho
que as tuas mãos repartem e entregam
aos olhos deslumbrados do encontro.
Entre o sabor das coisas entrecruzam
visões inesperadas.
Até a noite vem dar claridade,
violar castas mães, trabalhadoras,
as mães que dão às coisas
esse sentido útil
em que se reconhecem.
Assim as mães elevam-se à altura
do sonho onde os filhos se renovam
e crescem, e seus dedos preenchem
de vazios com estrelas.
As mulheres são degraus que nos ateiam,
medos e alegrias, sons de Deus
tangendo pelas casas os espinhos
das bocas em botão.
E adormecem dentro do seu sono
com cidades movendo a luz do sol
entre janelas nuas ou despertas
à curiosidade dos braços.
E nelas o poema se
percorre,
nos impulsos do corpo
obedecendo à vida.
Monte Abraão, 13FEV06
Julião Bernardes
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