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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 42-43 | dezº 2013-janº
2014 |
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A.M. GALPOPIM DE CARVALHO
Pedras-Talhas |
A.M. Galopim de Carvalho (Portugal).
Geólogo e ficcionista. Professor jubilado da Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa.
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Domador de Sonhos |
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Com mais três anos do que eu, o Henrique Leonor Pina, aos dezassete
anos, quando o conheci, a meados dos anos 40, era um jovem adulto, pleno
de entusiasmo e energia, nos seus oitenta a noventa quilos de ossos e
músculos. Meu condiscípulo no Liceu Nacional André de Gouveia, em Évora,
viera de Montemor para continuar os estudos no antigo 6º ano (actual
10º), entrara eu no 4º. Nesse tempo, o latim, associado à disciplina de
Português, tinha lugar de relevo no ensino ao longo de três anos
lectivos, entre os 4º e 6º anos.
Foi no
começo das aulas, em Outubro, que nos conhecemos e tornámo-nos amigos.
Fazíamos o mesmo percurso, por São Mamede e Buraco dos Colegiais, a
caminho do liceu, ele vindo das Portas de Alconchel, eu dos arredores da
Porta Nova. Nos meus verdes anos de adolescente eu ainda mantinha o ar
de rapaz miúdo ao lado de um adulto que já fazia a barba. Nesse
contraste, ele via-me como aquilo mesmo que eu era e eu olhava-o como um
crescido capaz de me ensinar coisas e dar protecção.
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Pedras-Talhas, topónimo de raiz popular por que era conhecido
o Cromleque dos Almendres.
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Foi nesta
medida que, numa das caminhadas matinais em demanda das aulas, ele, já
então detentor de uma cultura invulgar num jovem da sua idade, muito bom
aluno em todas as disciplinas, sabedor de tudo e mais alguma coisa, me
perguntou:
- E o latim?
Estás a gostar?
-
Sinceramente, não. – Respondi, meio envergonhado – A professora é uma
chata e as aulas são uma seca.
A partir de
então, os minutos da nossa caminhada conjunta passaram a ser as minhas
verdadeiras e mais interessantes lições de latim. Nas aulas, ocupadas
com dozes maciças de nominativo, acusativo, genitivo, dativo, ablativo e
vocativo e um conjunto de textos incapazes de despertar o interesse dos
alunos, a língua de Virgílio tornava-se intragável.
Quase meio
século depois, corria o ano de 1994, juntámo-nos de novo em Évora. Eu
estava ali como geólogo, orientando um grupo de alunos finalistas de
Geologia, empenhados no trabalho de campo conducente à execução da folha
nº 40-A (Évora), da Carta Geológica de Portugal, na escala de 1:50 000,
numa frutuosa colaboração da Faculdade de Ciências de Lisboa com os
Serviços Geológicos de Portugal e a Junta Distrital de Évora. O
Henrique, como arqueólogo, dirigia um trabalho de escavação na Anta
Grande do Zambujeiro, na vizinhança da herdade da Mitra (Valverde,
freguesia de Nossa Senhora da Tourega), onde funcionava Escola de
Regentes Agrícolas.
Como amador
que era, o Henrique fazia as suas campanhas arqueológicas por conta
própria com o suporte da referida Junta Distrital, que assumia o
pagamento das jornas da meia dúzia de homens e mulheres que, anos a fio,
integraram o seu grupo de trabalho. Trabalhadores rurais, inteligentes e
hábeis no terreno, eram particularmente cuidadosos e interessados no
trabalho, alegres e brejeiros no convívio, eles e elas, resistentes ao
cansaço, ao sol e ao calor do estio.
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Monólito
com gravuras
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Num belo dia
de Agosto, um pastor, homem de meia idade, conhecedor de tudo o que era
terras em redor, passando por ali, esteve que tempos a observar o
trabalho dos camaradas na dita escavação e, de vez em quando, a dar a
sua opinião. Dirigindo-se ao Henrique, perguntou-lhe se já tinha visto
as pedras do Alto das Pedra Talhas, na Serra de Monfurado, a poucos
quilómetros dali, explicando que as ditas pedras tinham o tamanho e a
forma ovóide dos grandes recipientes de barro em que, no Alentejo, se
fermentava o mosto e guardava o vinho. Ofereceu-se para o conduzir até
lá.
Particularmente sensível à perfeita e sugestiva descrição feita pelo
pastor, o Pina aceitou, de imediato, a oferta e lá foram no dia
seguinte, a caminho do então ainda desconhecido (para a ciência) recinto
megalítico dos Almendres. Foi o deslumbramento! O sítio arqueológico que
se guindou à condição de maior conjunto de menhires da Península Ibérica
e um dos mais importantes da Europa, estava à vista de quem o quisesse
ver, na freguesia de Nossa Senhora de Guadalupe, com fácil acesso a
partir da estrada nacional de Évora para para Lisboa, ao km 10.
Deste
monumento restam 92 monólitos (desde pequenos blocos, pouco ou quase
nada afeiçoados, a outros maiores lembrando as ditas talhas), num estado
de conservação ainda muito bom, uns com pequenas covas centimétricas e
outros decorados com gravuras.
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Cromleque
dos Almendres. Vista aérea dos dois conjuntos geminados.
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Numa história recente, este local foi usado como pedreira de onde se
retiraram e destruíram vários destes grandes blocos,
todos eles de granito (de
várias proveniências, alguns transportados de distâncias superiores a 2
km).
Têm sido muitos e importantes os estudos
realizados por diversos autores sobre esta relíquia neolítica,
testemunho de várias idades, ao longo dos V e IV milénios antes de
Cristo, aceitando-se hoje que “formaram dois recintos erguidos em épocas
distintas, geminados e orientados segundo as direcções equinociais”.
No dia
seguinte, o Henrique levou-me a admirar este magnífico património que
pôs o Alentejo e Portugal na rota de especialistas e de cidadãos
interessados neste domínio do saber. Vi no pormenor e ouvi as primeiras
explicações de um estudioso que, sendo amador, ficou na história ligado
à descoberta de um dos mais importantes achados arqueológicos de
Portugal.
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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