REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 42-43 | dezº 2013-janº 2014

 
 

 

 

GABRIELA ROCHA MARTINS


Algumas reflexões sobre

Gabriela Rocha Martins (Portugal). Ensaísta, poeta, organizadora da Bienal de Poesia de Silves. http://cantochao.blogspot.pt http://umnovoremansoparavelhasmetaforas.blogspot.pt 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
Página Principal  
Índice de Autores  
Série Anterior  
SÍTIOS ALIADOS  
Revista InComunidade (Porto)  
Apenas Livros Editora  
Arte - Livros Editora  
Agulha - Revista de Cultura  
Domador de Sonhos  
   
   

 

 
 
 
 

novas reflexões sobre
DEMOCRACIA E LIBERDADE

   
 

desde sempre que o homem tem procurado entender o mundo que o envolve e compreender.se a si mesmo ,através da inteligência

.o mundo ,porém ,não é ,apenas ,o que se vê e o que se deseja

.é algo de muito profundo ,traduzido em actos e factos, perecíveis no tempo e que, mais cedo ou mais tarde, nele se apagam e reacendem

.é um processo também de memória ,quando o preço da incompreensão se reveste numa agressiva ,se bem que controlada ,desilusão

.a angústia como dividendo da Utopia – escrevi ,há algum tempo atrás

.regresso ao mesmo tema ,dada a sua oportunidade ,e ,sobretudo ,a minha estupefacção face ao jogo das máscaras que alguns representam ( mais ou menos bem ,muito embora julguem o contrário ) no tabuleiro da vida

.hoje ,em que o destino de cada um de nós se encontra ,cada vez mais ,comprometido pelas opções políticas ,o estar em sociedade só se justifica através da adesão a essa mesma sociedade .mas ,se esta adesão não tiver sido subordinada ,previamente ,a imperativos fundamentais que ,para cada um ,encerram uma série de interrogações ,quer no plano ético das representações ,quer no plano material das necessidades ,o estar em sociedade ,repito , não tem qualquer sentido…

e quais são os factores que condicionam esses imperativos? como os interpretam os homens? quais as suas mutações históricas?  - são ,apenas ,algumas das questões que ,na contemporaneidade ,reflectem a noção de democracia ,o que não acontecia outrora

.Rousseau ,por exemplo ,só conhecia a perfeita democracia entre um povo de deuses

.há ,no entanto ,que renunciar a esta perfeição ideal ,já que ,na viva experiência hodierna , “ela perdeu a serenidade de traços com que a enobreciam os filósofos do séc. XVIII, quando não era, senão, uma belíssima estátua num templo deserto. Se, por vezes, a semelhança nos choca, não é apenas a nós que nos devemos incriminar?”

democracia pressupõe liberdade e é ,antes de mais ,um sistema que inclui a liberdade na conexão política .pressupõe ,ainda ,autoridade ,mas estruturada e fundamentada na adesão do social ,mantendo.se compatível com a liberdade do mesmo

.a Declaração dos Direitos de 1789/91 dispõe que “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” ,o que demonstra a transcendência da liberdade e a obrigação das instituições políticas a ela se submeterem

.não basta ,porém ,associar o princípio democrático à liberdade humana para tomar consciência do significado presente da democracia

.liberdade equivale a autonomia que se traduz na ausência de coacção e no sentimento de independência ,física e intelectual

.nasce ,deste modo ,uma nova concepção de liberdade e democracia a que poderemos chamar de participação ( liberdade participativa/democracia participada ) e que consiste em associar o indivíduo ,como ser social ,ao exercício do poder ,defendendo.o das arbitrariedades e do abuso e/ou prepotência desse mesmo poder

.mas ,liberdade e democracia pressupõem ,também ,e ,antes do mais ,responsabilidade

.todavia , “que importa que o homem seja livre de pensar se a expressão da sua opinião o expõe ao ostracismo e à perseguição? Que seja livre de discutir as condições do seu trabalho se a sua situação económica o obriga a curvar-se à lei do empregador? Que seja aspirante ao desenvolvimento da sua personalidade cultural se esta lhe falta como mínimo vital? – escreveu Georges Bordeau

.hoje ,tudo se passa numa subordinação ,passiva e irreflectida ,à vontade política que ,por seu lado ,se vê confrontada com um processo irreversível de dupla “morte” – de perversão de memórias e de ideais

.destarte ,torna.se urgente recriar a sociedade livre e democrática que alvitramos e defrontar o AMANHÃ ,sem medo ,demagogias e falsas esperanças ,mas com a consciência de que é ,hoje ,no presente e em cada momento da nossa vida ,que vale a pena fruir a herança cultural de que somos herdeiros. 

 
 

algumas reflexões sobre cidadania

 
 

Regra absoluta de uma alma livre: nunca aclamar um senhor governante, seja este liberal ou não seja; por maioria de razão, nunca ser tímido dele, não sentir por ele “instintivo respeito”, ou “temor aflito” ante o seu contacto: mas conservar uma atitude ( desprendida ) crítica, ainda que concordemos com a sua obra, ainda que o ajudemos na sua acção.

As almas libertas – as bem nascidas – só se comovem interiormente se inclinam ante as puras grandezas espirituais, quando desacompanhadas de qualquer poder.

Num Marco Aurélio, veneramos a nobreza do filósofo estóico, não veneramos o imperador de Roma”.

 

- António Sérgio 

em Portugal ,porém ,face à passividade geral ,os homens do poder ,porque eleitos ,ditam as suas “leis” e aplicam.nas em nome da representatividade

.são venerados como eleitos para – e como se estranharia se não cumprissem essa função – condicionar o comportamento da sociedade .e esta ,por “instintivo respeito” ou “temor aflito” ,inevitavelmente ,estereotipada e amorfa ,vai perdendo ,cada vez mais ,influência

.é ,então, que por artes de magia ,os eleitos promovem ou patrocinam espectáculos circenses alienatórios das massas ( já de si alienadas ) que ,impulsivamente ,aderem à festa

.há ,no entanto ,os resistentes

.aqueles que embora em minorias – culturais ,sociais ,políticas e intelectuais – buscam o essencial ,marginalizados do complô compulsivo do poder .fazem jus ao seu imaginário ,cientes de que ,em momentos de crise ,são as minorias que ,tendencialmente ,invertem os jogos do poder enquanto tal

.já é tempo de a Cultura ser considerada na sua dimensão fundamental – não como um somatório de experiências “velhas e inúteis” ,mas como um modo de estar e de intervir ,como um ponto de partida ,e ,sobretudo ,como um impulso para uma procura inventiva de novas possibilidades de progresso e desenvolvimento humanos

.todavia, o trabalho que permite vencer o isolamento ,a apatia ,o individualismo ,o passivismo e fomentar uma atitude criativa e crítica ,não se concilia com o desejo que anima alguns eleitos ,de obter resultados rápidos e imediatos

.passivamente ,continuamos a não interiorizar os nossos valores essenciais ,a não exigir a preservação dos nossos símbolos ,suportes presentes da nossa história colectiva ,logo ,da nossa identidade como povo

.face ao inegável ,há ,contudo ,quem tente resistir ,encontrando nas palavras de Miguel Torga ,a justificada fuga ao efémero – “Bem quero, mas não consigo alhear-me da comédia democrática que substituiu a tragédia autocrática no palco do país.

Só nós!

Dá vontade de chorar ver tanta irreflexão. Não aprendemos nenhuma lição política, por mais eloquente que seja.

(…)

Quando temos oportunidade de ser verdadeiramente livres, escravizamo-nos às nossas obsessões. Ninguém aqui entende outra voz que não seja a dos seus humores. É humoralmente que governamos, que legislamos, que elegemos. E somos uma comunidade de solidões impulsivas a todos os níveis da cidadania.

Com oitocentos anos de história, parecemos crianças sociais. Jogamos às escondidas nos corredores da vida.”

.é tempo de pô.lo em prática ,assim o exige o nosso ser/estar social.

 
 

carta a um Amigo

 
 

caríssimo José! 

certo é que “ano novo ,vida nova” é mais um lugar comum e como tal ,merece.me pouca importância ou mesmo nenhuma ,atendendo ao facto de não gostar de lugares comuns .mas ,não são os meus gostos pessoais que pautarão esta carta ,mas ,antes ,algumas reflexões que tenho vindo a fazer ao longo dos tempos ,e ,muito particularmente ,dos últimos dois anos

.observo ,no que aos partidos políticos respeita ,um afastamento cada vez maior das pessoas perante os mesmos .várias são as razões que podem explicá.lo ,desde um desinteresse cada vez maior pela “res publica” ,a consciência da inevitabililidade – tão presente no nosso pensar colectivo - ,o deixar correr ,o desacreditar cada vez mais nos nossos políticos ,o desencanto ,a necessidade de chegar cada vez mais fundo ,como se ,hoje ,fosse possível chegar ainda mais fundo ,para então sim ,tentar novas políticas e novos rumos .a partir do momento em que ,cada um de nós interiorizou o estar em sociedade e o viver em democracia participativa ,diluiu.se o papel do Eleito e do Eleitor – prática contraditória – que pouco agrada aos diversos partidos políticos

.a militância ,porém ,não se faz ( ou não deve ser feita ) com amargura ,mesmo quando os agentes têm razão ,porque a mesma acarreta ,para quem tem a consciência tranquila… e alguém terá? ,afastamento em vez de aproximação

.além disso ,caríssimo amigo ,tenho consciência ,em função da minha experiência ( e não só!!! ) e do muito que alguns têm dado em prol do social ,sem nunca terem pedido nada em troca ,os verdadeiros idealistas ,que na presença da corrupção ,da incompetência ,do vazio de ideias e ideais ,dos oportunismos e dos pessoalismos exacerbados que vão presenciando ,diariamente ,se distanciam ,quais observadores dum mundo em decadência .que é feito das Mulheres e Homens deste País que ,sem ambições de poder ,ao mesmo têm dedicado ,através do seu estar social ,a sua experiência e saber? conscientes da presente evolução da democracia (?) ,afastam.se ,porque as suas ambições ,perante o desalento ,passam a ser outras .tornam.se mais expectantes ,exigindo aos mais novos o que os mais velhos não souberam demonstrar ou fazer

.assim sendo ,julgo ,por tudo isto ,que outros ,e não os actuais agentes políticos ,mais novos ,em termos de idade e envolvência política ,deverão ser os novos protagonistas das políticas .quero vê.los dando provas, num País rejuvenescido ,em domínios que decidem e decidirão o nosso futuro  ,mormente ,no domínio da Saúde – onde estão os cérebros? – na área da Segurança Social – não há crânios para tais abordagens? – na Educação e Justiça – então, meus amigos?

a Cultura ,essa filha pródiga ,como nunca deu ,nem dará votos ,sempre foi vista e continuará ,lamentavelmente ,como a parente pobre ,na qual não vale a pena investir ,como se a mesma ,a par da Educação ,não fosse o barómetro da sociedade

.mas ,prosseguir com este desabafo ,meu amigo ,levar.nos.ia muito longe ,e o meu amigo ,como eu ,sabe.lo…….

assim ,prefiro manter.me na reserva ,sem quaisquer dramas .e ,agora mais do que nunca quero fazê-lo ,porque ,segundo vejo ,ouço dizer e leio ,há presságios de muito mau augúrio que se avizinham

.fico.me ,então ,pela expectativa e aguardo ,sem ironia ,o momento próprio para intervir

.e ,o meu Amigo ,qual o seu papel neste desenrolar da História sem história?

.aguardo a sua resposta

,com a amizade e a sinceridade de sempre

 

 

Silves ,Setembro de 2013,

Gabriela Rocha Martins

   
 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL