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Quando nasceu,
Lindolfo não chorou. Emitiu um grito como se fosse um não interminável.
Os familiares ficaram com os olhos arregalados. Cresceu revoltado,
demonstrando profunda irritação sempre que contrariado, a ponto de os
pais terem que amordaçá-lo e prender-lhe os pés para que não
escoiceasse. Mordia as próprias mãos.
Durante a
infância, demonstrava
profunda frieza em relação a pessoas
e fatos. Nada o comovia e, se pudesse, rodaria, por dia, cem
gatos pelo rabo, atirando-os ao rio . Um manco, um cego, ou mesmo um
doente mental era motivo de chacota para Lindolfo; e a própria avó, por
ter um defeito na perna, era chamada de vó "coxinha", entre risos e
deboches.
Cresceu com o
obsessivo desejo de ganhar. Tirando sempre vantagem em tudo, não poupava
amigos nem parentes. Aliás, não se podia dizer que Lindolfo
tivesse amigos. As pessoas faziam de conta que o aceitavam. O
tempo passava e ele a
ninguém se ligava e não cogitava em constituir família. Mas o avô sempre
insistiu, lhe apresentando as mais interessantes moças da cidade. Em
vão. Nenhuma despertava o interesse de Lindolfo, até que, apresentado à
única filha do dono da rede de farmácia do lugar analisou que, tendo se
formado em contabilidade, poderia ser uma excelente aquisição para o
comércio do futuro sogro. E então, de olho no futuro, disse sim.
Casado e com
dois filhos, vivia da mesma forma, sem demonstrar carinho pela família,
sempre distante, nutrindo apenas o insaciável desejo de enriquecer. Da
esposa e filhos, cansados de tanta indiferença, passou a receber a mesma
frieza. Era um estranho. Entrava e saía de casa sempre alheio a tudo que
não lhe trouxesse vantagens.
Acabou sendo um
homem bem-sucedido, trabalhando com afinco junto às lojas do sogro.
Sovina, tinha por norma nunca ajudar. Se alguém estivesse passando fome,
atribuía ao carma e, para se safar, argumentava que, se ajudasse,
prejudicaria a vida da pessoa.
Um tipo de desculpa que o livrava de muitas situações. Expressão
sempre impassível, tal qual uma estátua, observava a morte de amigos e
membros da família sem nenhum pesar. Nunca o viram derramar uma lágrima.
Quando faleceu a esposa, disse a todos que Deus havia sido generoso
deixando que (a falecida) vivesse 30 anos com ele.
Ao perder os filhos, murmurou em ambas as ocasiões : "Que Deus o
tenha!". Aos 75 anos, já afastado do trabalho, isolou-se numa casa de
cidade do interior do estado para cultivar orquídeas, no intuito de mais
tarde vender o orquidário a bom preço. Vivia o seu dia a dia entregue a
elas , embora nunca tivesse demonstrado interesse por flores. Ali, não
fez amizades. Seu passatempo era um rádio e uma pinga de vez em quando.
Concretizou a venda do orquidário aos 78 anos, quando também vendeu
todas as farmácias, em comum acordo com os outros herdeiros.
Aos 83, decidiu
se internar num asilo, escolhendo entre os mais baratos. Não pensava em
ninguém, sequer nos netos, que iam visitá-lo de vez em quando. Ao
recebê-los, só sabia dizer que não tinha dinheiro para lhes dar. Com o
tempo, os netos cansaram do gênio de Lindolfo e cessaram as visitas. Aí
ele começou, de fato, a ser feliz, pois já não tinha elos.
No asilo,
iniciou os carteados em troca de centavos. Com grande excitação, ia
guardando o que ganhava dentro de um pequeno cofre, mesmo que fossem
centavos.
Certa noite,
enquanto contava dinheiro num bingo próximo ao asilo do qual fugia todas
as noites para jogar, caiu ao chão. Infarto agudo do miocárdio. Os netos
foram avisados e providenciaram seu sepultamento no mais simples
cemitério da cidade. Escolheram, também, o caixão mais barato, para que
Lindolfo partisse sem resmungos nem xingações. Em sua conta bancária,
havia uma fortuna, que agora seria dividida entre os únicos herdeiros .
No funeral, uma coroa de
flores com os dizeres: "Enfim, em boa companhia. Carinho - Seus netos."
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