Somos masoquistas ou existem outras explicações para o nosso
comportamento produtor e divulgador da poesia em bienais como a de Silves,
festivais como o de Foz Côa, filós como os desencadeados pelo Alberto
Miranda, e centenas de outras acções de menor porte?
Não somos masoquistas, sim
profunda e inquebrantavelmente criadores de cultura. Só somos mártires dela
no mundo presencial, aquele que exige obras em papel impresso.
Tenho uma alternativa para
vos apresentar. O livro é apenas um objecto tridimensional em matéria
biodegradável. Os livros impressos em papel terão de acabar mais dia menos
dia, dado o impacto pernicioso na biosfera com a destruição da floresta.
Toda a tendência actual vai no sentido de substituir o suporte de papel pelo
suporte electrónico.
Então o meu desejo é
apresentar-vos uma alternativa de prazer do texto no mundo virtual.
Sou, como sabeis, uma
pioneira da edição na Internet. Venho escrevendo no céu, metaforicamente
falando, há uns doze anos ou mais. Hoje em dia mantenho um site muito
poderoso, o TriploV, que festejou no passado dia 25 o seu nono aniversário.
Publiquei, com os parabéns aos triplovnautas, alguma informação e imagens
dos programas de estatística.
Em resultado, recebi
mensagens de congratulações, entre elas um e-mail de Nicolau Saião, um dos
escritores que mais assiduamente publicam no TriploV. Vou citar a primeira
parte:
Caros confrades
Volto hoje ao v/ convívio, tal como
farei até que o armazém se esgote, nas segundas, quartas e sextas.
Começo por umas nótulas a meu ver
significativas:
- Congratulo-me (creio que na v/
companhia) pelo 9º Aniversário do TriploV, página cultural que, dirigida por
Maria Estela Guedes e uma equipa de especialistas, estabeleceu já uma
estatura singular neste país a que alguns tentam retirar as graças do solo.
Com efeito, saber-se que em média ele é
lido por 6 mil pessoas diariamente (não é gralha) e que por exemplo em
Novembro teve uma audiência mensal de quase 200 mil, é algo que nos comunica
uma confortável sensação de alegria.
Por estudos competentes efectuados
tem-se conhecimento de que aquilo que foi designado por cortesãos, que
fundamentam o controle e o abuso, cirandam aí pela sociedade prontos a
fazer-nos tropeçar. O TriploV, a meu ver, constitui uma sólida barreira
contra isso e, mais ainda, uma proposta íntegra de debate e humanização.
É um facto: o TriploV,
em termos de impacto na Rede, ocupa um lugar entre a Biblioteca Nacional de
Lisboa e o Instituto Camões.
São três instâncias de
cultura primacialmente em língua portuguesa, que me despertam desejos e
mesmo vorazes apetites de textos, os vossos. Agrada-me sobretudo a
proximidade da Biblioteca Nacional, porque trabalho o TriploV como tal – ele
é uma biblioteca. Foi a minha profissão durante anos a fio: bibliotecária.
Por isso, não obstante a especialização em Zoologia, estou familiarizada com
a Babel de textos das mais várias têmperas, formas e origens. Dá-me gozo a
mistura, essa transgressão das normas de etiqueta que encontramos em
qualquer biblioteca. O Manuel Santos, meu colega da ainda mais especializada
biblioteca da Botânica, na Politécnica, lembrava sempre que na dele não havia só obras sobre
plantas, quem quisesse também se podia regalar com livros de nudismo.
Foi uma excursão até aos
recantos eróticos da literatura científica, a lembrarem o que escreveu
Roland Barthes em «O Prazer do Texto», livro que homenageamos neste debate:
O prazer do texto – escreveu ele nesse para nós revolucionário ano de 1975 -
é o momento em que o meu corpo vai seguir as suas próprias ideias – pois o
meu corpo não tem as mesmas ideias que eu.
Com o prazer de
contemplar livros de nudismo numa biblioteca de Botânica termino a lista de
estímulos para o debate. Umberto Eco falaria do prazer ou mesmo da fruição
das listas, que também são textos que dão gozo, por isso só mais um
preliminar, só mais uma pergunta: porque é que os escritores portugueses
ainda são tão canhestros a lidarem com a Internet, ou porque é que não
aprendem a usar o computador?
Certos escritores
mandam-me os poemas manuscritos, selados em carta do correio pedestre...
Neste ponto da evolução, se o escritor quer ser publicado, o modo como o faz
até parece uma falta de respeito, pois exige que eu recue, recue no tempo, a
ponto de dizer «dactilografe»... Ou não concordam que é uma falta de
respeito tratarem-me como dactilógrafa?
Este atraso coloca-nos
em desvantagem perante países muito mais evoluídos no manejo das novas
tecnologias, como o Brasil.
Claro que o Brasil tem
para cima de 190 milhões de habitantes, por isso muito mais escritores que
Portugal, e muito mais escritores com competências elevadas no manejo das
novas tecnologias. Não espanta assim que seja o Brasil o país que mais lê o
TriploV. Antes de o Luís Reis ter pegado no blog do site, Portugal estava em
quarto lugar na lista de países que constituem a nossa audiência. Desde que
ele passou a publicar em quantidade notícias sobre livros, teatro e outras
acções culturais, Portugal passou para segundo lugar.
Estou contente, a
estatística do site é um texto de prazer, mas lá vai a inevitável segunda e
última pergunta: porque é que os escritores portugueses, especialmente
poetas, que por triste fado não têm editores, não se habituam a colaborar
com o TriploV, enviando os seus textos para publicação em linha? |