REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 02

 

Corri para o banho.

Ele vestiu o pijama e se dirigiu para a cozinha. Pegou algumas frutas e começou a preparar a salada para o café da manhã.

Vestindo um roupão e com os cabelos desalinhados, preparei a cafeteira, coloquei os pratos, copos e talheres na mesa, parti o pão e peguei o suco na geladeira.

Falamos um pouco sobre o acontecido naqueles dias. Tínhamos inventado mais uma vez uma vida inteira em alguns dias. Sabíamos cheiros, gostos, opiniões, como se soubéssemos quase tudo. Escolhíamos flores, frutas, canções e falávamos de leituras. Ele fazia a mesa e acendia velas, enquanto eu preparava o jantar. Dançamos e rolamos no tapete rindo e fazendo amor. Saímos para jantar fora, como se tivéssemos feito isso a vida inteira, e também sorrimos no parque entre flores que fotografamos, para que não murchassem. As velhas canções tinham significados que só a nós era dado compreender.

- Quer um cognac?

- Não é cedo para um cognac?

- Não. Um último cognac. Podemos beber na cama.

DIRECÇÃO

 
Maria Estela Guedes  
   
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SÔNIA VAN DIJCK

 

A vez e a espera 

 

                                                               Sônia van Dijck

 
 
 

A manhã fugiu.

Vestimo-nos apressadamente.

Por sorte, não havia congestionamento naquele início de tarde, que começava a ameaçar uma boa chuvarada.

Na entrada para o embarque ele me beijou. Depois sorriu. Talvez esperasse que eu dissesse alguma coisa. Não falei. Devia ter dito o que pensava. Nunca mais direi o que queria ter dito. Fiquei parada, vendo-o seguir a fila para o embarque. Ele ainda se voltou e nos sorrimos.

Ele sempre precisa ir. Algumas vezes disse: não voltarei. Voltou e partiu. Prometeu voltar. E me fez esperar longo tempo.

Quando se vai, seu riso é feliz e triste. E nunca digo o que penso ou quero nessa hora. Sempre acho que minha voz pode quebrar a solenidade da despedia. Apenas também sorrio feliz e triste.

Dezembro. O verão chegará dentro de alguns dias, e uma chuva fina lava a cidade. Do outro lado do mundo, em breve será inverno.

Sinto o cheiro de noites de vinho, cognac e velhas canções.

As luzes da cidade anunciam a chegada da noite.

Silêncio. Só a chuva.

 

 

Publicado In: O conto brasileiro hoje. São Paulo: RG Editores, 2010, v. 13, p. 107-108.

 

 

Sônia Maria van Dijck Lima (Brasil).
Doutora em Letras (USP), professora de Literatura Brasileira, crítica literária e pesquisadora de arquivos literários. Assina publicações sobre Cunha de Leiradella, Guimarães Rosa, Hermilo Borba Filho, Luiz Ruffato, Mário de Andrade, entre outros autores que tem estudado. Poeta e contista, tem publicações no Brasil e no exterior. Presente na web, eis o endereço de seu site: www.soniavandijck.com

 

 

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