REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 02

 

BM Jacques Derrida, nascido em 1930 na Argélia, faleceu em Paris em 2004. Formou-se na Escola Normal Superior e tornou-se filósofo renomado e autor de uma obra considerável, particularmente apreciada nos Estados Unidos, onde trabalhou na juventude como professor auxiliar na Universidade Harvard e, mais tarde, como professor da Universidade da Califórnia, campus de Irvine. Lecionou ainda na Escola Normal Superior, na Sorbonne e, até o fim da vida, na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Além de escritor, também foi o tradutor de Husserl para a língua francesa. Ele define a escrita como “a revelação do engodo da palavra originária”. Criou uma metodologia de análise de texto – a desconstrução – que o tornou famoso nas universidades, em particular nos centros de estudos de literatura, lingüística, história, arquitetura, filosofia e direito. A força da lei, Gramatologia, O olho da universidade, Pensar a desconstrução e Torres de Babel são algumas de suas obras traduzidas no Brasil.

Jacques Derrida, o filósofo da “desconstrução”, lançou Les spectres de Marx (Espectros de Marx) contrariando a ideia de que Karl Marx está definitivamente enterrado sob os escombros do Muro de Berlim e afirmando que é preciso negociar com o seu espectro, ou seja, reler Marx.

Interessada naquele livro, telefonei ao filósofo pedindo uma entrevista. Para marcá-la, Derrida sugeriu que fosse encontrá-lo na Escola de Ciências Sociais. Fui, me apresentei, e ele marcou o encontro para dali a dois meses, alegando que estava de partida para os Estados Unidos e se desculpando por me fazer esperar tanto tempo.

DIRECÇÃO

 
Maria Estela Guedes  
   
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Jacques Derrida

e o marxismo

 

 Betty Milan

                                                                  Jacques Derrida

   

 
   
   
   
   
 
 
 
 
 
   
   

      Na data combinada, compareci para fazer a entrevista, que me surpreendeu do começo ao fim. Inicialmente, por ele querer ler as questões que eu levava numa folha de papel em vez de deixar que eu as enunciasse; depois, por dizer repetidamente que era difícil dar conta delas, insistindo em que renunciássemos à entrevista; e, finalmente, por retomá-la quando eu já me dispunha a voltar noutro dia.

Derrida não deixou em momento algum de resistir à entrevista que ele havia concordado em conceder. Para que eu percebesse o quão impossível é a posição de quem precisa do tempo que for necessário para desenvolver o pensamento e deve se su

BMeter ao tempo limitado do dispositivo jornalístico? Tratava-se de denunciar o autoritarismo da mídia ao qual ele já se havia referido mais de uma vez?

Seja como for, através da sua resistência, o filósofo questionou a entrevista à medida que eu a fazia. Por isso, além das suas respostas a questões específicas, segue o relato do que ocorreu antes e depois de cada pergunta.

Derrida me pede para lhe entregar as questões que estão numa folha de papel que eu seguro na mão. Depois de ler atentamente, ele se concentra e responde à primeira pergunta, que diz respeito ao título do seu livro e, em particular, à razão pela qual ele usa a palavra espectro no plural. [BM] 

JD Trata-se, por um lado, de Marx, como espectro para a consciência política mundial de hoje, que vê no comunismo – por ela confundido com as sociedades socialistas que desmoronaram – algo morto e que deve ser evitado. Para essa consciência, é preciso se certificar de que Marx está e vai continuar enterrado. Existe, portanto, uma relação com o espectro de Marx e do comunismo. Mas também existem, por outro lado, os espectros de Marx, os que perseguiram o próprio Marx. Na segunda parte do livro, digo que Marx era perseguido por um exército de espectros, trato do problema da fantasmalidade em relação com o fetichismo, com a ideologia etc. Dependendo da maneira como a gente articula o genitivo, o plural indica Marx como um espectro e, por outro lado, os espectros que existiam para ele. Só que a noção de espectralidade não diz respeito apenas ao fantasma e, sim, a tudo o que eu chamo de “lógica espectral”, àquilo que, na nossa experiência, não é nem inteligível, nem sensível, nem visível, nem invisível e que tanto diz respeito à linguagem quanto à telecomunicação. 

BM O que o levou a falar de uma lógica espectral? 

JD O tema do espectro já está nos meus livros anteriores. O espectro é uma estrutura que resiste às oposições metafísicas. Não é nem sensível, nem inteligível, nem vivo e nem não-vivo. Portanto, tem uma afinidade com quase todos os conceitos que me interessaram no meu trabalho: a graça, o “pharmacon”, o “suplemento”, tudo o que resistia às oposições conceituais da filosofia clássica. A espectralidade foi o viés estratégico da “desconstrução”. Tratava-se de encontrar uma categoria que resistisse às categorias filosóficas. Já faz muito tempo que eu me interesso pelo trabalho do luto na psicanálise e para além da psicanálise. Escrevi sobre o assunto em Glas e em certas introduções a obras de psicanálise. Quando a gente se interessa por esse trabalho, tem que se ocupar do retorno do fantasma. Procurei mostrar, a partir de Freud e contra ele, que o trabalho de luto é interminável. Foi, portanto, a partir de uma reflexão sobre o luto que eu cheguei a privilegiar a espectralidade e, em Espectros de Marx, a gente encontra muitos fios de pensamento já bem antigos. 

Derrida lê a segunda questão, que diz respeito à razão pela qual ele se refere a Shakespeare em Espectros de Marx. Lê e logo responde. 

JD Shakespeare é uma referência de Marx, que o cita sempre. Mas as obras que ele cita não são as que eu privilegio em Espectros de Marx. Ele cita sobretudo Timão de Atenas, O mercador de Veneza... Ao que sei, ele não fala de Hamlet. Achei necessário considerar o interesse de Marx por Shakespeare, porém também fui a este por causa da lógica da espectralidade. Há muitos espectros na obra de Shakespeare. Em Hamlet, em Macbeth...  

BM O que o recurso a Shakespeare significou para o senhor? 

JD Difícil responder a isso numa entrevista... 

BM Bem, então vamos passar à próxima pergunta. 

Digo isso me referindo à terceira questão, que está na folha de papel, em cima da mesa de Derrida, à sua frente. 

JD Não, não... Há muito o que dizer sobre o recurso a Shakespeare. Mas deste modo eu não consigo falar. 

BM Hum... 

JD Me interessei, por exemplo, pelo que chamo de “efeito de viseira” no fantasma do rei, do pai de Hamlet. O “efeito de viseira” diz respeito ao fato de que o fantasma vê sem ser visto, por usar uma viseira. Tentei, a partir daí, pensar o que é uma situação em que a gente é olhado sem poder olhar, uma situação espectral. Me interessei também pelo fato de que o tempo de Hamlet é difícil de calcular, porque o fantasma surge primeiramente na peça pela segunda vez. A coisa começa pela repetição. Por fim, há algo que Hamlet diz e que organiza Espectros de Marx: The time is out of joint”, o tempo está disjunto. Trata-se do tema da disjunção, da não-contemporaneidade a si mesmo, é um tema maior nesse livro que se quer não-contemporâneo. Escrever um livro falando de Marx, hoje, pode parecer anacrônico e eu procuro justificar esse anacronismo através da disjunção, do out of joint. Mas, diga, quanto tempo nós temos? 

BM Em princípio uma hora, mas depende do senhor. 

JD Uma hora é muito. Veja (mostrando a agenda repleta), eu tenho outro encontro marcado para daqui a pouco. 

BM Bem, então nós faremos o que for possível. 

JD Mas eu não tenho condições de dar a entrevista, eu escrevo tão melhor do que falo... 

Desligo o gravador para deixá-lo à vontade. Logo depois, ele retoma a palavra. 

JD Mas você vai me mostrar o texto? 

BM Claro, posso até escrever em francês primeiro, se o senhor fizer questão disso.

JD Não, não precisa, pode ser em português. 

Derrida passa a ler a questão seguinte. Nela, pergunto se ele diria que o filósofo deve se ocupar do espectro como o psicanalista se ocupa do recalcado. 

JD Claro que o espectro é alguém que nos fascina e tentamos reprimir, recalcar. No entanto, não sei se a categoria psicanalítica esgota o problema. Tento pensar a dimensão política de tal recalque. Por outro lado, no fim do livro, eu me coloco uma série de questões sobre o modo como Freud trata o fantasma e o que diz do unheimlich. Trata-se de levar em conta uma leitura psicanalítica do espectral e também de colocar questões sobre as categorias psicanalíticas, que devem ser reelaboradas e politizadas. Você opõe, na sua pergunta, o filósofo e o psicanalista, mas o psicanalista também trata do espectro. 

BM Claro, mas foi o senhor que organizou o seu pensamento a partir da figura do espectro. 

JD Espectros de Marx não é um livro filosófico simplesmente. Por várias razões. Primeiro, porque desconstrói uma série de axiomas filosóficos. A própria filosofia não foi capaz de pensar o espectro. É preciso pensá-lo contra a filosofia. Por outro lado, queria protestar contra uma corrente atual que quer tratar Marx como um grande filósofo e estudá-lo na universidade. Trata-se de uma maneira de neutralizar Marx, de fazer dele um personagem da Academia Filosófica. Não é só uma leitura de filósofo que eu faço, é uma leitura que protesta contra certa reapropriação filosófica de Marx. 

Digo a Derrida que ele já está respondendo à minha pergunta seguinte, a qual trata justamente de saber o que significa a volta ao espírito de Marx. Derrida lê a pergunta de novo na folha, que está à sua frente e responde. 

JD Insisto em dizer que não é um “retorno a” Marx, mas que se trata do “retorno de” Marx. Não se trata de um desses tantos retornos a mais, em que a gente vai redescobrir uma obra. Trata-se de levar em conta o fato de que Marx retorna,  e que não podemos resistir ao que esse retorno nos dita, nos impõe. Por outro lado, esse “retorno de” é o retorno do espírito ou do espectro, de uma certa maneira de colocar as questões críticas, sem necessariamente reabilitar as teses de Marx. É preciso distinguir o espírito da letra. Questionar com o espírito de Marx não quer dizer reaplicar dogmaticamente a doutrina de Marx, voltar a uma ortodoxia marxista. Nunca fui e nem me tornei marxista. 

BM Sim. 

JD Marx, o pensamento marxista, foi um dos poucos que fizeram da abertura crítica uma palavra de ordem. 

BM Isso é verdade. 

JD Trabalhar com o espírito de Marx também significa não ficar no interior de uma dogmática marxista e tentar pensar o inédito do nosso tempo com um certo espírito – que eu também chamo de “espírito de justiça” e nos vem de Marx. O espírito diz respeito à espectralidade, porém também a uma incitação que não nos paralisa numa letra dogmática, num dogma literal, numa doutrina. 

BM Isso tem algo a ver com o estilo de Marx? 

JD Com o estilo, no sentido literário, não. Tem a ver com o modo de colocar as questões, uma certa vigilância em relação a certas maneiras que, na sociedade, os homens têm de esquecer, dissimular, fetichizar. 

BM Que proposições de Marx o senhor mantém e que outras recusa? 

JD Em nome do espírito de Marx, eu me proponho, no livro, a desconstruir todas as proposições de Marx. Alguns marxistas dizem que não sobra nada de Marx. É bem possível que a ontologia de Marx, todas as suas teses filosóficas, o materialismo dialético, a maneira como ele próprio tenta conjurar o fantasma requeiram a desconstrução. Não guardo um conteúdo de tese marxista. Não retenho nada desse ponto de vista. Enquanto ontologia, a filosofia de Marx me parece desconstrutível. 

BM E o que o senhor pensa da luta de classes e da dialética? 

JD Tenho uma relação complicada com a dialética. É muito difícil explicar isso numa entrevista, você sabe... 

BM Trata-se de uma questão que interessa aos leitores... 

JD Eles que leiam o livro. Não consigo explicar isso numa entrevista. 

BM Eu o entendo perfeitamente bem. 

Digo isso e fico em silêncio. Derrida lê as perguntas e subitamente diz: “Não, eu não posso. Aliás, eu não posso mais nada. Isso tudo é muito difícil, não me sinto capaz... Acho que nós devemos parar”. Pela segunda vez, desligo o gravador e sugiro uma pausa, um café. Derrida não diz nem sim nem não, e eu volto a ligar o gravador, tomando inutilmente a iniciativa. 

BM Numa das suas entrevistas, o senhor lembrou que posições de esquerda podem se aliar a posições de extrema-direita. Por causa de inquietações legítimas a respeito da política econômica dos estados dominantes da Europa, uma certa esquerda se aliou a um antieuropeísmo extremo. Tem sentido ainda falar de esquerda e de direita?

JD Não, eu não posso responder, é muito difícil.

Silêncio. 

JD Não posso e não é só porque esteja cansado, é porque é difícil. Queira me perdoar.

Recupero a folha de papel que está na frente dele, leio a questão seguinte e faço uma última tentativa. 

BM A exploração da xenofobia pela classe política parece estar na base dos grandes conflitos da modernidade. Como lutar contra ela? 

JD Sou contra, mas não tenho nada a dizer, não vou ficar aqui fazendo frases. Não devia ter prometido a entrevista, porque não me sinto capaz. 

Silêncio. 

JD O que eu posso dizer a respeito disso está no livro. 

Derrida pega novamente a folha em que estão as perguntas e eu agora protesto. 

BM Não vejo por que o senhor quer ler. Seria melhor que eu lhe colocasse as questões. 

JD Quem redigiu isso? 

BM Fui eu. 

JD É muito difícil. 

BM Gostaria pelo menos que o senhor me desse uma resposta relativa à questão da pertinência dos conceitos de esquerda e de direita. 

JD Não, não... 

BM O senhor não responde às questões que dizem respeito à política. 

JD Não é porque é político. Não vou dizer que não existe mais esquerda e direita, porque é uma armadilha em que eu não quero cair. São coisas que não suportam a improvisação. Me aborrece ter que fazer você voltar, mas eu francamente não me sinto capaz. Se eles lá no jornal quiserem, que escrevam sobre o livro. Eu... eu não consigo. 

Desligo pela terceira vez o gravador e digo a ele que me disponho a voltar num outro dia, ainda que isso implique viajar 500 quilômetros. Derrida quer saber para onde vou. Respondo que vou passar uns dias no interior da França escrevendo. Inesperadamente, ele resolve continuar a falar e aborda a questão da luta de classes e da dialética. 

JD O gravador está funcionando? Vamos tentar. No que concerne à luta de classes, procurei mostrar que o esquema da luta dos antagonismos e da dominação de uma força social por outra é irredutível. Numa situação social dada, existem relações de força, de dominação, e essas relações estruturam a sociedade. Dizer isso significa não renunciar à ideia de conflito, mas não significa definir os termos dessa luta baseando-se no conflito de classes sociais. O conceito de classe social hoje precisa ser retrabalhado. Ainda existem as classes sociais, mas o uso que o discurso marxista tradicional faz do conceito de classe social talvez deva ser revisto. Acho que não é necessário se servir do conceito de luta de classes, na sua tradição marxista, para analisar hoje as lutas, as hegemonias, as contradições, as relações de força que, por não serem as das classes, não deixam de ser de uma estrutura de grupo, que a gente pode analisar com um espírito marxista. Não se trata de conservar ou de abandonar o conceito de luta de classes, basta adaptá-lo a uma nova situação político-econômica. Quanto à dialética marxista, é preciso dizer que a expressão “materialismo dialético” não está em Marx. Por outro lado, como muitos pensadores franceses, eu questionei a dialética. O que existe de estritamente dialético em Marx não é o que mais me interessa. Isso posto, mesmo se num determinado momento existem conflitos que não são dialetizáveis, o pensamento dialético pode ainda ser muito fecundo. O meu trabalho, tanto neste livro quanto nos anteriores, é interrogar a necessidade e o limite da lógica dialética. 

Tendo desistido de seguir o meu roteiro, eu faço a ele as perguntas que me ocorrem em função do que ele diz. 

BM O senhor fala de uma Nova Internacional. Quem vai fazer parte dessa Nova Internacional e como ela vai se organizar? 

JD O que eu chamo de Nova Internacional, brincando com essa expressão, implica detectar através do mundo, fora dos partidos, fora dos sindicatos, uma aspiração a uma solidariedade internacional que reúna homens e mulheres que não são necessariamente cidadãos de um Estado ou sujeitos políticos no sentido tradicional da palavra “político”. Tal solidariedade exige uma transformação do direito internacional e da democracia, que hoje não se afina com o conceito de Estado-nação, de fronteira e nem com um direito internacional de instituições internacionais que, por um lado, são regidas por categorias europeias criticáveis e, por outro lado, são dependentes dos Estados Unidos. A gente pode detectar a aspiração através de muitos sinais, ela forma uma espécie de solidariedade. Embora não tenha forma organizacional, ela perturba as instituições ligadas ao Estado. Existe uma força internacional que hoje é obscura e ainda não encontrou a sua linguagem. 

BM O que tem isso a ver com o Parlamento Internacional dos Escritores, que se reuniu no ano passado em Estrasburgo, em torno do caso Rushdie, e do qual o senhor participa ativamente? 

JD Trata-se de um parlamento que tenta, para além dos Estados, das economias, dos poderes da mídia, unir todos os que procuram pensar livremente, inventar formas novas, se engajar em vias que não são controladas por dogmas, constituições, ortodoxias nacionais, lingüísticas ou religiosas. 

BM Qual a finalidade da reunião do Parlamento Internacional dos Escritores em Lisboa este ano [1994]? 

JD Vamos trabalhar juntos. O tema da reunião será a literatura deslocada. 

BM O que é literatura deslocada? 

JD Hoje, mais do que nunca, muitos escritores, pensadores, jornalistas, pessoas que representam a liberdade da palavra estão ameaçados de morte, ostracizados, foram expulsos do seu país ou, às vezes, obrigados a se esconder no interior do mesmo, a se autocensurar. Por que tanto exílio no exterior e no interior? Por que os escritores, os que inventam formas e trabalham com a linguagem, estão assim tão visados? 

BM O que tem a autocensura com a mídia? 

JD A mídia, seja ela estatal ou livre, é controlada por monopólios de interesse comercial, ela é dirigida pelo mercado. 

BM Que efeito tem isso sobre o trabalho do escritor? 

JD A mídia é a mediação entre o escritor e o leitor, é um poder que avalia, classifica, sustenta ou marginaliza e, consequentemente, limita a autonomia de criação. Os escritores começam a só escrever o que o mercado vai absorver. A onipotência do mercado exerce um efeito de autocensura, sem falar das censuras ainda mais graves, como as que pesam sobre Salman Rushdie, sobre os escritores que na Índia, ou em outros lugares, estão ameçados de morte. No Parlamento Internacional, vamos refletir a respeito das condições novas dessas perseguições, de seus agravamentos atuais. O escritor sempre teve problemas com o poder estatal ou religioso, mas hoje isso se passa em condições diferentes. 

BM Trabalhar no Parlamento é uma forma de ser um intelectual engajado? 

JD A palavra “engajado” tem uma história. Quando alguém se diz engajado, corre o risco de evocar modelos anteriores, enquanto o engajamento hoje deve encontrar formas novas. Mas o trabalho no Parlamento é uma forma de engajamento, claro. 

BM Obrigada pela entrevista. 

JD Isso basta? O material é suficiente? 

BM Acredito que sim. Agora, é redigir a entrevista e pedir uma foto ao seu editor. 

JD Se você quiser, eu posso te dar uma foto.

 
 

 

Betty Milan (Brasil, 1944).
Romancista, ensaísta e dramaturga. Colaborou nos principais jornais brasileiros e atualmente é colunista da revista Veja. Sua bibliografia inclui títulos como O papagaio e o doutor (1991), Paris não acaba nunca (1996), e Fale com ela (2007). Entrevista originalmente publicada como “Derrida caça os fantasmas de Marx”. Folha de S. Paulo, 26/06/1994, figura no livro A força da palavra (Editora Record, 1996). Contato: bettymilan@free.fr.

 

 

© Maria Estela Guedes
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