REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 01

 

Cara Maria Estela Guedes,
Leitor assíduo e, às vezes, até colaborador da Revista e do Site Triplov,
gostaria de perguntar: por que tão poucas narrativas de ficção nestes dois
veículos culturais? Alguma idiossincrasia contra
ou apenas falta de ficcionistas?
Cordialmente,
Cunha de Leiradella
 

Gostava de dizer que, nesta nova série da Revista TriploV, vamos estimular a colaboração dos ficcionistas, para satisfação do nosso dramaturgo e ficcionista Cunha de Leiradella, para satisfação de todos os que gostam de histórias, e para satisfação minha, que privilegio os criadores, mas como é que se estimulam uns ou outros?

Antes porém de continuar no terreno da fábula, cumpre agradecer a Floriano Martins a camaradagem com que nos acompanhou no primeiro ano de existência da Revista. A direcção repartida foi uma frutuosa experiência, necessária para aprendizagem dos meios intelectuais e materiais com que trabalhamos. Cada um segue agora o seu caminho editorial, porém não ficaremos completamente independentes, visto que Floriano Martins manterá connosco a boa colaboração e, pela nossa parte, colaboraremos com a Agulha Hispânica e com o Jornal de Poesia sempre que para tal formos solicitados, nós, os criadores do TriploV.

 

 
DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
   
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Notas da Direção

 

MARIA ESTELA GUEDES

E os ficcionistas?

                                                                     Maria Estela Guedes
 

Mas o que se passa com os criadores do TriploV? Não nos faltam poetas, aliás os poetas são tantos a querer publicar, que nem sempre lhes podemos dar guarida. Ensaístas, nos vários ramos das Letras, Artes, Ciências e Religiões, também não têm faltado, e é bom repararem que neste domínio contamos com colaboradores de alto nível, famosos, alguns, nos seus países e mesmo no mundo. O ensaio, sem uma boa dose de espírito inventivo, não dá fruto. E os ficcionistas, senhores? Porque é que não temos ficcionistas no TriploV?

Dos artistas plásticos não nos podemos queixar, acompanharam-nos desde o começo. Queixo-me no entanto de não ter surgido nenhuma expressão quantitativamente significativa de ciberarte. Confesso, no entanto, que, quando vou à procura dela pela Internet, ou mesmo quando vou à procura dos hiperficcionistas, aguçada a curiosidade pelos teóricos e pelos críticos, regresso de pés cansados de saltitar de link em link, com a ácida sensação de que a montanha pariu ninhadas de ratinhos. É que nada de interessante li nunca nessa área, a merecer um ensaio, o que merece ensaio é a convicção com que por vezes os teóricos argumentam que podem teorizar sobre o que não existe.

Quanto a mim, não existe nenhuma ciberficção, nada, feito apenas com os meios disponíveis na Internet, que garanta as duas ou mais horas de encantamento em que nos mergulha um bom romance. Na verdade, estou convencida até de que os criadores estão absorvidos na criação de programas, modelos ou dispositivos que permitam aos escritores fazer webficção, alguns bem interessantes, como o criado por Pedro de Andrade*, e a que deu o nome de geoficção, por se tratar de modelo para elaboração de narrativa com lugares identificáveis por GPS através do Google. Pedro de Andrade, entretanto, chamou geoficção a um modelo ou a um programa que permite fazer ficção, mas que não é uma obra ficcional.

Para um escritor consentir em fazer geoficção, ou outra e-ficção qualquer, precisa de espaço para escrever. Se não existe escrita, poderá haver arte, mas não romance nem novela. Não se pode esperar que o escritor consinta em não escrever. Outro tipo de artista, que não o que lida com a linguagem verbal, sim, poderá entusiasmar-se com histórias sem muitas palavras. O escritor, face a uns balões semelhantes aos dos desenhos animados, é capaz de sofrer um ataque, mas não será de entusiasmo criador. Não se espere que ele aceite os limites de alguns dez balões, com seis ou sete palavras dentro de cada um, para construir a sua história. Não desafio ninguém, no TriploV, a tal malabarismo. Posso no entanto desafiar os ficcionistas a demonstrarem que há ratinhos capazes de parir montanhas.

Ficamos então conversados quanto à hiperficção, que também já experimentei, sim, e se perdeu por aí nessas paisagens virtuais cheias de roedores.

Ficção convencional, muitos lençóis de palavras em livro, em formato .doc ou em .txt,  também não aparecem. Tanto quanto sei, a ficção não corre o risco de extinção, pelo contrário: estão na moda, em Portugal, os romances à americana, tão grandes que podemos passar o ano a lê-los. No TriploV é que não aparecem.

Vamos lá, vamos lá, então os ficcionistas não gostam de nós? Mandem os vossos contos e novelas, há por aqui leitores para eles. Às vezes até podíeis vós organizar um concurso, atribuir prémios, sei lá! Arrisquem, atirem-se para a frente, mandem até trabalhos de hiper- e geo- e cyberficção que provem estar eu enganada ao declarar que esses géneros artísticos ainda só existem na mente efabuladora dos teóricos da Literatura!

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

* Pedro de Andrade apresentou o seu modelo em vários congressos e colóquios, entre eles no Encontro «Realismos: antigos e novos», que teve lugar em Fevereiro passado no CICTSUL.

 

 

Maria Estela Guedes (Portugal, Britiande, 1947)

Membro da Associação Portuguesa de Escritores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.

LIVROS

“Herberto Helder, Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979;  “SO2” . Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”, Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa, 1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários : Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora, 1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”. Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007; “Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Géisers”. Bembibre, Ed. Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos portugueses”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.

ALGUNS COLECTIVOS

"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte. “O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual. Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”. Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.

TEATRO

Multimedia “O Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando Alvarez  e interpretação de Maria Vieira. 

   
   
 

 

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