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Separa mostra as dobras da barriga. Belê nem olha,
lustrando os sapatos com o lenço. Já conhece a barriga de Separa, já
conhece as mãos de Separa, já conhece as coxas de Separa, já conhece
tanto de Separa que não quer nem mais olhar. Nem pegar. Belê já enjoou
de Separa, Separa sempre alisando o piru dele, metendo na boca, mexendo
no cabelo pixaim. Belê gosta disso não. Separa é branco e é velho e
balofento, e Belê é preto e é novo e muito do enxuto. E ama outro.
- Belê.
Separa alisa o cabelo de Belê e esfrega-se nele. Belê
tira a cabeça. Horror, sempre que sai do banho Separa esfrega-se em Belê.
Separa gosta de alisar o cabelo áspero de Belê e de lhe cheirar o bodum
dos sovacos cabeludos. Separa levanta o piru mole e acaricia-o,
excitando-se, mas Belê não olha. Separa passa-lhe a mão na cara,
devagar, acariciando a pele suada.
- Não quer, não?
Belê fecha os olhos e não responde. Coisa horrorosa,
Separa é pior que mulher, se excitando sempre à toa, à toa. Separa entra
no banheiro.
- Nego safado. Eu manjo você, viu, seu veado. Ou
pensa que eu não vi você se derretendo todo práquele sarará, quando
cheguei, hem?
Belê levanta-se e acende um cigarro. Viu sim. Viu
sim. Mas ele é macho, viu, sua tricha, veada velha.
- Passe talco nas minhas costas.
Belê passa talco nas costas de Separa. Mas com raiva,
com ódio. Agora, Belê odeia passar talco em Separa. Agora, Belê gosta é
de alisar o piru de Má Fé, capanga de Tó Miró, chefia na favela
Pau-Comeu. Má Fé já dormiu com Belê e Belê babou de gozo. Má Fé não
alisa o cabelo de Belê nem se esfrega nele depois do banho. Má Fé é
homem, macho, tem amantes, tratou Belê mal, bateu, rasgou, judiou, fez
Belê chorar, mas Belê amou. Belê gosta é de macho, voz grossa, piru
grande, não de veada coroca que nem Separa, que só sabe ser mulher e ter
chilique à toa, à toa.
- Pare, Belê. Que horror, tou toda branca.
Separa tira o talco das mãos de Belê. Belê sai do
banheiro. Tomara é que morra, veada velha. Separa entra no quarto.
- Belê, sabe que dia é hoje?
Na frente do espelho, Separa veste a calcinha
Valisère, modelo bem cavado e olha Belê, encostado na cabeceira da cama.
Separa que pagou, mas foi Belê que deu, presente de Natal.
- Hem, Belê?
Belê não responde.
- Ah, Belê, que horror, como que pode?
Separa aproxima-se de Belê, abraça-o e beija-o.
- Poxa, Belê, esqueceu que logo mais faz dois anos
que a gente se conheceu? Até fomos ver o John Holmes no Regina, não
lembra, não?
Num gesto brusco, Belê afasta-se de Separa. Não
lembro, não quero lembrar e tenho raiva de quem lembra. Acende um
cigarro, liga o rádio e deita-se na cama, os olhos fixos no teto, no
peito uma saudade enorme de Má Fé, enquanto a voz romântica de Paulo
Sérgio enche o quarto, cantando Não Consigo Esquecer Você. Separa
volta-se para o espelho.
- Poxa, Belê, você tá que... Eu, hem, que horror.
Belê não quer mais morar com Separa. Só ainda não
largou porque não tem dinheiro e não quer voltar a esconder-se num
barraco, que nem há dois anos se escondia na Favela Tamboril. Não fosse
isso, um pé na bunda de Separa era o bem-feito. Belê não agüenta mais
Separa lambuzando o corpo dele com a língua, alisando e engolindo o piru
dele, toda noite querendo ser montado. Belê, agora, quer é um homem que
o monte, que deixe pegar no piru, lamber, engolir, deitar por baixo,
fazer um tudo. Agora Belê gosta é de Má Fé, capanga de Tó Miró, chefia
na favela Pau-Comeu. Má Fé, que tem amantes, que tratou mal, que bateu,
que judiou, que fez até Belê roubar dinheiro de Separa, não essa veada
velha, coroca, mulher nojenta. Mas Má Fé não paga. Belê já teve
experiência, já dormiu com Má Fé, que bateu nele, que rasgou ele, fez
judiaria e Belê ainda teve que pagar. E toda vez que Belê pega no piru
de Má Fé, Belê paga. Rouba dinheiro de Separa para pagar, mas não se
importa. Quer é as unhas de Má Fé rasgando as costas e o piru arromba
que arromba, as nádegas empinadas e Má Fé gemendo, batendo e gozando por
trás. Separa ajusta a calcinha e olha-se no espelho mais uma vez.
- Hem, Belê? Eu não tou emagrecendo, não?
Belê fecha os olhos. Bicha horrorosa. Tricha.
Neguinha gostosa. Vem cá, vem, que tu vai ver. Má Fé sorri e cuspe
longe, o bafo da cachaça saindo junto com o cuspe. Belê sente um
friozinho gostoso subindo pela espinha e pestaneja, como as mocinhas
fazem no cinema e nas novelas. Separa tá no trabalho. Má Fé sorri e
passa-lhe a mão na bunda. Neguinha safada. Belê pega os cigarros, olha
Má Fé, pestaneja de novo, sorri, provocante, e sai do bar, rebolando.
Entra em casa correndo, passa perfume no corpo e espera Má Fé. Belê tem
certeza que Má Fé vem. Má Fé gosta de cabaços, já disse a Belê. Má Fé
entra, pisando firme e bate com a porta, num tranco só, não é como
Separa, que só pisa macio e não se sente nem entrar. Belê entra no
quarto, a tanga vermelha da Hope justa no corpo, quase fio dental. Má Fé
joga o cigarro pela janela, agarra Belê pelo pescoço e joga-o em cima da
cama. Bunda do cacete, neguinha. Belê quase desmaia, arrepiado. Volta-se
e olha Má Fé tirar a roupa, o corpo magro, moreno, brilhando de suor. A
boca de Belê fica seca e a garganta rasca. Ah, meu Deus, como ele é
bonito. E nem espera Má Fé tirar a cueca, puxa com tanta força que
rebenta dois botões, a boca aberta e a língua procurando o que lamber,
desesperada. Ah, meu Deus, hoje morro, eu morro. Belê olha Separa
rodando o corpo na frente do espelho. Velha nojenta. Veada. Desgraçada.
Tricha.
- Se veste, não?
- Chi, Belê, mas que horror.
- Quero perder o filme, não.
- Chi, Belê. Tá impossível hoje, que horror.
Separa e Belê descem a av. Amazonas, caminho do Cine
Brasil. Belê na frente, que, agora, tem até vergonha de andar na rua com
Separa. Minha Nossa Senhora, tomara é que Má Fé não veja. Separa corre
atrás de Belê.
- Me espere, Belê. Que horror.
Belê pára e espera. Tem medo que Separa grite, faça
escândalo.
- Quê que deu em você, hem, Belê? Coisa horrorosa.
- Pode ter fila.
Não tinha. Era a primeira sessão da tarde e o Cine
Brasil estava vazio. Separa comprou as entradas.
- Viu como não tinha fila?
- Mas podia ter, ora.
Sentaram bem na frente, quarta fila. Separa não gosta
que ninguém sente junto quando vai ao cinema com Belê. A campainha toca
e as luzes apagam. Impaciente, a mão de Separa procura a braguilha de
Belê. Belê cruza as pernas e tira a mão de Separa. Separa encosta a
ponta da língua na orelha dele.
- Tem um presente.
Belê não diz nada nem se mexe. Separa descruza-lhe as
pernas e enfia a mão entre as coxas.
- Vai gostar, você vai ver.
No meio da sessão Belê goza na mão de Separa. Separa
limpa Belê, o lenço perfumado com o floral da Coty.
- Gostou, não? Hem, Belê?
Belê não responde. Recosta-se na cadeira e fecha os
olhos. Era com Má Fé que ele tinha gozado. Má Fé rasgando a pele dele,
arrombando ele, batendo nele, cuspindo nele, fazendo judiaria, Belê
gritando, desfalecendo, mas gozando, de bom que era.
- Belê?
Belê não responde. Má Fé ainda está gozando, lanhando
as costas dele.
- Não adivinha, não? Hem?
Belê continua calado, Má Fé gozando e uma quenturinha
subindo das virilhas, Belê quase gozando outra vez. Separa pega na mão
dele.
- Poxa, Belê...
As luzes acendem. Belê tira a mão de Separa,
levanta-se e sai. Separa segue-o.
- Chi, Belê. Me espere.
Belê não responde. Quer chegar rápido em casa,
trancar-se no banheiro e deixar que Má Fé o arrombe outra vez, ele
gozando nos ladrilhos. Separa alcança-o já na calçada e segura-lhe um
braço.
- Venha ali comigo, Belê.
- Vou, não.
- Venha, Belê. Vai gostar, você vai ver.
- É longe?
- Chi, Belê, é logo ali, na esquina da Tupinambás.
Entram no elevador e saltam no nono andar. Separa
abre a porta de um apartamento conjugado e faz Belê entrar. Fecha a
porta, abre a janela, abre a porta do banheiro e mostra a quitinete.
- Gostou, Belê?
Belê não responde. Coisa horrorosa, de fundos. Moro
aqui nem morta. Separa passa um braço na cintura de Belê.
- Comprei pela Caixa pra nós dois. Com seguro e tudo.
Belê olha Separa, espantado.
- Comprou mesmo? Jura?
Separa sorri, satisfeito com a alegria de Belê.
- Semana que vem vamos assinar a escritura. Nós dois.
Belê olha á área de serviço, lá em baixo. Separa
encosta-se nele. Agora não vai me deixar nunca mais. Belê debruça-se na
janela e calcula a altura. Nove andares, se cair, era uma vez, viu, sua
veada? |