REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 01

 

Clarice Lispector é um mistério em forma de escrita. A linguagem em perpétuo fluir. Ler Clarice é fluir. As correntezas? São como as pedras, precisam dos caminhos. Um caminho sem pedras e um rio sem correntezas não merece o nome. Rios e pedras e caminhos somos nós: e Clarice escreveu sobre nós. Inclusive aqueles nós dos nós mais difíceis. Sempre escondidos, sempre metamorfoseados em lisuras, em sociabilidades de toda ordem.

E os bichos, o que fazer deles? Trancá-los em qual zoológico? Passamos a vida toda a tentar escondê-los de nós mesmos, como se eles fossem uma alteridade indesejável. Eles existem, eles respiram. E comem. Às vezes, comem pedaços de nós mesmos, não os nossos nós que não desamarramos. Comem pedaços da gente e ficamos capengando sem saber o porquê. Às vezes, adoecemos e morremos em vida porque não quisemos dar atenção aos bichos mais escondidos. Talvez uma característica realmente presente nos artistas seja justamente essa: um artista sabe que terá que enfrentar seus mais fundos bichos,terá que experimentar a criatura, terá que percorrer as cavernas mais profundas e olhar frente a frente com o desconhecido. Enjaular-se? Mais ainda? Mesmo que tenhamos e venhamos nos enjaulando a cada dia ( basta olhar a cidade contemporânea, grande ou média) o bicho de cada um não carece de jaula. Ele não tem como ficar preso. É invisível demais para isso.

 

 
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Maria Estela Guedes  
   
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LUÍS ESTRELA DE MATOS

Lispector:

os bichos e as criaturas

                                                                   Luís Estrela de Matos
 

O escritor, o artista de modo geral, enfrenta, ou pelo menos reconhece a existência , e , um dia qualquer, terá que olhar nos olhos negros do grande bicho que é a existência. Clarice experimentou a ancestralidade . Medo? Mas o medo é humano. Não humano é fantasiar todo dia, é embonecar-se a cada saída, e não olhar para dentro e viver a vida por inteiro como se ela fosse apenas esse pouco que nos deram … família, escola, faculdade, sociedade. O homem cada vez mais contenta-se com menos. Encolhemos tanto em alguns episódios de nossas vidas, que quase ficamos menores que o próprio bicho que carregamos. Solução? Sei não. Só sei que existem pedras e correntezas e que cada um precisa viver o rio que lhe cabe. E Clarice sempre enfrentou o rio e as pedras que eram Clarice. Tem água para todo mundo, não se preocupem. Aliás, preocupem-se mais com as águas de seu próprio rio e não queiram saber do rio do vizinho. Este é um bom começo. Pedras não irão faltar. Nem bichos. Mas não para atirá-las no outro. Cuidado com o vidro .Todo telhado tem seus vidros. Esqueça os telhados e viva a céu aberto. É mais fresco e arejado. O nordeste agradece... Blake sorri.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Aracaju, abril, 2010

 

 

LUIS ESTRELA DE MATOS (Condeixa-a-Nova, 1964, Portugal)
Professor universitário, jornalista e escritor. Participou de antologia de contos da editora carioca UAPÊ. Tem artigos, contos e poemas em alguns sites: Portal de Educação do Rio de Janeiro, Revista AGULHA, Revista Verbo21, Cronópios. Semanalmente escreve para o Correio de Sergipe. Eventualmente para o Jornal da Cidade (Sergipe) e o Correio das Artes (Paraíba). Mestre em Literatura Brasileira pela UERJ e atualmente doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Organiza material para a publicação de um livro de poemas inéditos.

 

 

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