REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 01

 
CARLOS M. ACABADO
 

A noite esperança dos vivos

                                                                    Carlos M. Acabado

dispersa [como] até aqui...

... toda a doença une-se com [o] um brusco
punho de espuma
que me cinge
reconsolida
alimenta
---e suspende a voz aberta
numa única dor compacta

 

 
Direcção  
Maria Estela Guedes  
   
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que derramo toda inteira num vaso
de leituras
e de cinza

a dor por folhas ou
praticada num pão alto
vertiginoso e doente
que não alimenta mas injecta
o remorso todo inteiro
nas aves completamente líquidas de que é
a partir de hoje todo imóvel
feito o sonho e
feita a álgebra gelada
do abraço

o pão a galope
o pão hermético
o pão fechado
o pão em cruz
o pão em crise
o pão em merda

e tu, dor que
ensinaste a lua ao mar
e o verão à terra;
fixaste o outono ao chão e
ensinaste a solidão à massa fundida
do sangue
ensina-me a regressar a casa em dias de esperança
e
raros ramos
demasiado
o crânio ardido e independente
o volume da dor
o desenho da voz
o inquérito do sangue
a geometria da morte
o episódio da solidão

outra vez, o volume da tristeza
e do pânico
recobrado a golpes de vida desconhecida
à luz do mar
o leito das pedras onde corre a primavera
de regresso
ao veneno
que de esperança infecta

o olhar apodrece a liberdade
a primavera de regresso
à chuva às raizes às fezes
a cascata das canções
da noite de noite
a primavera
de regresso à noite

o patamar ferido do horizonte
o pedal do sentido
o sentido da doença
a ausência
branca memória
ávida memória
o Tempo em vez de sangue
a memória a memória

tu oh dor onde se oculta a casa inteira
ensina-me a regressar de puro vento
sangue e pão no bolso
a camisa madura
de luz
esperança de palavras
nervos por palavras

sem dizer
meu nome
sem reunir
meus ossos a minha vida
comprada ao silêncio
corrompida
a música o alimento dos mármores
as marmóreas paisagens
a morte a esperança até ser noite...


forma ou fome crua flor
de suor oh frágil noite
dos sentidos
devassados
conta-me de um só nó
ininterrupta toda a voz toda a história
da matéria que cegou.

Fundo e exausto concluo aqui o inventário
aberto
da saudade
dúvida o trémulo fulgor
o relâmpago sumptuoso da cabeça que crepita
de saudade
e pura espumosa
pasmosa
ignorância:  
................................................................................................ 
não há que procurar mais
perguntar mais
querer saber mais  

[de hoje em diante vou viver só de poesia
Em poesia]
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Carlos Machado Acabado
Portugal, Lisboa, 12.02.45
Como ensaísta, colaborou em diversas publicações: "Seara Nova", "O Professor", "Jornal da Educação", "Diário" e outras. Está antologiado num dos volumes de "Homo Ludicus". Como artista plástico, expôs em Montemor-o-Novo e no Seixal (aqui com uma individual que intitulou "Um Não-Alexandre Onírico" em homenagem ao poeta Alexandre O'Neill). Esteve presente em diversas bienais consecutivas da Festa do "Avante".    
 CONTATO:
 c.acabado@gmail.com

 

 

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