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Discussão
Alexandre Antonio Vandelli nasceu em Coimbra (e não em Lisboa,
como normalmente observado) em 27 de junho de 1784 quando seu
pai, Domingos Vandelli, trabalhava para o governo português e
realizava importantes experiências com o vôo de pequenos balões
na Universidade daquela cidade. Sua mãe chamava-se Feliciana
Isabella Bon. Infelizmente, não há qualquer registro
iconográfico de Alexandre Antonio Vandelli e de seus familiares.
Desenvolveu-se nas leituras naturalistas com seu pai, expoente
português da ciência lusa Iluminista, tornando-se, desde 1813,
ajudante de José Bonifácio de Andrada e Silva.
Na capital Lisboa, no bairro de Arroios, Alexandre casa-se a 18
de fevereiro de 1819 com Carlota Emília de Andrada, nascida em
20 de dezembro de 1790 e filha de José Bonifácio de Andrada e
Silva, com quem a família Vandelli possuía antigos laços.
Carlota é uma das duas filhas legítimas de Bonifácio com Narcisa
Emília O’Leary, com quem se casou em 1790. Uma terceira filha de
outro relacionamento pouco conhecido seguiria com Bonifácio para
o Brasil em 1819.
A família Vandelli passou, na primeira década
do século XIX, por sérios problemas políticos e financeiros
gerados pela invasão francesa a Portugal, movimentos que
envolveram diretamente Domingos Vandelli. Acusado de simpatizar
com os invasores franceses, Domingos A. Vandelli foi desterrado
com seu filho Alexandre para os Açores em 1810, e logo depois
Domingos foi transferido para a Londres. Alexandre logo voltou a
Lisboa, porém o pai só conseguiu retornar em 1815. Seu filho
tornou-se, então, Procurador do pai durante o tempo de exílio
deste, sendo também requerente, junto ao Rei, do pedido de
perdão para a pena imposta ao Mestre Vandelli.
Um ano depois de voltar a Lisboa, o pai e Mestre Vandelli morre,
deixando a família em difícil situação financeira, como atesta carta da
viúva Feliciana Vandelli a D. João VI e datada de 1817. Nesta missiva,
depositada na Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro), Feliciana solicita
pensão ao seu filho mais moço, Francisco Vandelli, assim como para a
filha Maria Luiza. A presença de Bonifácio passa a ser importante para
Alexandre Antonio Vandelli e todos os seus familiares, não apenas em
termos sociais e financeiros, mas principalmente até o ano do casamento.
José Bonifácio já era um renomado naturalista e defensor do Império,
possuindo altos cargos em Portugal.
Atividades científicas em Portugal
Alexandre Antonio Vandelli foi Assistente de José Bonifácio no
Laboratório Químico da Casa da Moeda de Lisboa desde 1913. A partir de
1817, Alexandre Antonio Vandelli atua na Intendência Geral de Minas e
Metais do Reino com o sogro. A partir de 1819, quando com a vinda do
sogro para o Brasil, passa a ocupar interinamente a direção da mesma
Intendência, especialmente em relação à Real Ferraria da Foz de Alge e
das Minas de Carvão de Buarcos. Antes de ser substituído pelo Barão de
Eschwege na Direção da Intendência, em 1824, Alexandre assumiu a função
de Guarda-Mor dos Estabelecimentos da Academia das Ciências de Lisboa,
de onde foi Sócio até mesmo quando estava no Brasil.
O Museu da Academia de Ciências de Lisboa possui ainda hoje, na seção de
Paleontologia, objetos e trabalhos oriundos de naturalistas conhecidos à
época: João da Silva Feijó, Barão de Eschwege e também de Alexandre
Antonio Vandelli (especialmente na subseção dos vertebrados). A pesquisa
de fósseis ictiológicos de vertebrados foi marcada em Portugal no ano de
1831 com Alexandre Vandelli e Eschwege, sendo que o primeiro registrou
restos de cetáceos e de peixes miocênicos, classificados com boa
aproximação, quando ainda era Guarda-Mor da Academia. Alexandre Antonio
Vandelli é, assim, considerado o iniciador da Paleontologia dos
vertebrados de Portugal. José Bonifácio havia feito sumárias referências
a fósseis quando atuava na Academia das Ciências de Lisboa, mas foram
escritos de menor relevância.
Alexandre Vandelli ainda propôs a organização de um Gabinete de Ciências
na própria Academia de Ciências de Lisboa, como registrado no discurso
feito por este na sessão pública da Classe de Ciências Naturais em 19 de
dezembro de 1831. Havia a necessidade de se organizar o material de
campo que estava de posse da Academia, e seu próprio pai havia deixado
material coletado, assim como os alunos-viajantes do Mestre Vandelli.
Alexandre também doou manuscritos de seu pai para enriquecimento do
acervo da Academia das Ciências de Lisboa.
Na década de dez dos oitocentos Alexandre participou da Comissão de
Reforma de Pesos e Medidas portuguesa, após as invasões francesas. Dois
anos mais tarde, D. João VI aprovaria a proposta dessa Comissão, baseada
no sistema métrico francês. Como era de se esperar, para a Academia das
Ciências e para as Universidades, os efeitos da reforma foram logo
absorvidos, o que não foi o caso da população, em especial a do
interior. Evitou-se, no entanto, usar a palavra “metro”, provavelmente
devido ao francesismo que evocava, sendo adotada a “mão-travessa” para a
unidade fundamental. A mão-travessa correspondia ao decímetro (décima
parte do metro). De igual forma, passou-se a utilizar o litro como
unidade de volume (conhecida esta unidade por “canada”). A unidade de
peso seria a libra, que correspondia a um quilograma. A adoção
definitiva do sistema métrico decimal, com suas unidades e nomenclatura,
viria a ocorrer apenas em 1852, como prosseguimento dos trabalhos da
Comissão Central de Pesos e Medidas.
Além de trabalhos científicos publicados tanto nas Memórias da Academia
das Ciências de Lisboa quanto nas Memórias Econômicas da mesma Academia,
Alexandre produziu vários manuscritos e impressos, além de escrever
cinco livros ainda em Portugal: Resumo da Arte de Distillação (1813),
que foi impresso e distribuído gratuitamente pela Junta do Comércio, do
qual fazia parte com ajudante; Zoologia Portuguesa (1817), em dois
volumes, com informações zoológicas desde o século XVI, inclusive as do
naturalista brasileiro e ex-aluno de seu pai, Alexandre Ferreira
Rodrigues; Ensaio sobre a nomenclatura vulgar e trivial, e Sinonímia
Zoologica Portugueza (1817); Apontamentos para a História das Minas de
Portugal, colligidos pelo ajudante, servindo de Intendente geral das
Minas e metais do Reino (1824); Collecção de Instruções sobre a
agricultura, artes e Industria, Lisboa (1831-1832).
Alexandre dirigiu ainda uma fábrica de azulejos, situada na região do
Rato, em Lisboa: a Real Fábrica de Louça (do Rato) de Lisboa, que durou
de 1767 a 1835. Começou a funcionar tendo como administrador Tomaz
Brunetto até 1771. Sob a administração de Brunetto a fábrica produziu
peças de grande qualidade, algumas das quais foram encomendadas pelo
Marquês de Pombal. Em 1818 Alexandre assumiu a fábrica. Não conseguiu
efetuar tranquilamente a sua gestão sem ser influenciado pelos problemas
políticos e financeiros do país, logo atravessando a fábrica sucessivas
crises que culminaram no seu encerramento em 1835. A família Vandelli
tinha, desde o pai, a tradição de trabalhar com louças de grande
qualidade. O pai Vandelli trabalhou com a argila da região de Coimbra,
onde foi Professor. Montou uma pequena fábrica em 1784, criando um novo
tipo de faiança coimbrã.
Em dezembro de 1833 Alexandre Vandelli foi acusado de apoio aos
absolutistas, que perderam a disputa pelo poder português para D. Pedro IV, tendo que vir com a família em exílio para o Brasil.
Atividades científicas no Brasil
Alexandre Vandelli e sua família chegam à cidade de Santos em 1834,
financiados por José Bonifácio. Em 1838 Alexandre torna-se Diretor, em
São Paulo, de uma Fazenda Normal. Em 1838 seu sogro vêm a falecer,
tornando a vida do casal Vandelli economicamente mais difícil em Santos.
A distância da Corte provavelmente também dificultava o sucesso
profissional e financeiro de um ilustrado como Alexandre, tendo então
vindo para a capital do Império brasileiro, como mostram os registros de
naturalização e a posterior atividade no Palácio de São Cristóvão.
Alexandre é nomeado, então, Mestre de Botânica e Princípios de Ciências
Naturais do jovem Imperador D. Pedro II e da família Imperial de 1839 a
1862, desde a época do Marquês de Itanhaém. Além de ser genro do
primeiro tutor do novo Imperador brasileiro, ministrava-lhe aulas de uma
das áreas favoritas deste: as ciências naturais.
Torna-se Comendador da Ordem da Rosa em 02 de dezembro de 1841 por
decreto de D. Pedro II. Foi um dos fundadores, em 1850, da Sociedade
Vellosiana de Ciências Naturais, criada com a finalidade de incentivar a
pesquisa de temas científicos nacionais. Seus sócios efetivos foram
distribuídos em quatro seções, consideradas como comissões permanentes:
zoologia, botânica, mineralogia e língua indígena. A comissão permanente
de Alexandre ficou assim constituída:
Mineralogia: Alexandre Antonio Vandelli, Frederico Leopoldo Cezar
Burlamaque, Cândido de Azeredo Coutinho, Custódio Alves Serrão.
Trabalhos científicos
Alexandre se utiliza do progressivo abandono do latim como língua de
comunicação, desde o fim do século XVIII, fato que também se constituiu
em fator favorável a uma maior difusão e circulação dos saberes fora da
habitual comunidade de eruditos. Os vocabulários excessivamente técnicos
e científicos são transpostos para uma linguagem de maior
acessibilidade, o que deixa antever o sentido utilitário e pragmático de
seu discurso técnico. Além dos cinco livros já listados, Alexandre
Vandelli também produziu:
Experiências Químicas sobre a Quina do Rio de Janeiro Comparada com
Outras. Escrito em 1811 com José Bonifácio, Sebastião Francisco de Mendo
Trigoso, João Croft e Bernardino Antonio Gomes, sendo publicado em 1814.
Memória sobre a gravidade específica das águas de Lisboa e seus
arredores. De 1812.
Experiências sobre duas differentes cascas do Pará. De 1818.
Additamentos ou nota à Memória geognóstica ou golpe de vista do perfil
das stratificações das diferentes rochas que compõem os terrenos desde a
serra de Cintra até a de Arrabida. 1831.
Ingênuos reparos e reflexões sobre o projecto de um estabelecimento
agrícola, formulado pelo gymnasio brasileiro. 1850.
Reflexão sobre a questão dos nevoeiros seccos da atmosfera do Rio de
Janeiro. 1853.
Retoques e rectificações a alguns elogios insertos na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brazileiro. 1851.
Refutação da Memória: Onde aprenderam e quem foram os artistas que
fizeram levantar os templos dos jesuítas em Missões, etc. inserta na
revista do IHGB. 1851.
Extractos sobre a nomenclatura Ichtyologica. Manuscrito doado à
Sociedade Vellosiana, s.d., perdido.
Discurso sobre a nomenclatura vulgar e trivial portugueza, que deve ser
preferida á que se usa na traducção portugueza de Cuvier. Manuscrito
doado à Sociedade Vellosiana, s.d., perdido.
Conclusão
Alexandre Antonio Vandelli atuou nas mais diversas áreas do saber
ilustrado no séc. XIX: Química, Mineralogia, Agricultura, Paleontologia,
Educação, Zoologia, Botânica, Meteorologia, Fabricação de Louças,
Administração. Sua atuação em Portugal é marcada por importantes feitos,
como o início da Paleontologia dos vertebrados e o incremento à
divulgação do saber.
A mineração lusa deve-lhe as inúmeras tentativas de continuar o projeto
de José Bonifácio de um Portugal independente nesse setor econômico. No
Brasil, foi um dos que ajudaram a despertar no Imperador Pedro II o
gosto pelas ciências naturais, além da participação em uma Sociedade
Científica. Alexandre Vandelli possui, em sua trajetória, a tentativa de
sobrevivência de uma concepção ilustrada e fisiocrata de nação e de
cidadania.
Talvez seja muito supor que Alexandre Antonio Vandelli, e muitos outros
de sua geração, tenham tentado atingir a verdade absoluta através das
“Luzes” atuando na physis, buscando um crescente aumento do saber
através da ciência. Contudo, arrisco dizer que iluministas como ele
tentaram, ao seu modo, levar a razão aonde havia dogmatismo e
preconceito. Do livro VI da Ética a Nicômaco, de Aristóteles (2), vale
citar como este Filósofo nomeia as cinco virtudes através das quais a
alma do homem pode atingir a verdade (a alethéia) igualmente: a arte (techné),
o conhecimento científico das coisas imutáveis (a episteme), a sabedoria
prática (fronésis), a sabedoria filosófica (a sofia) e o entendimento (noûs).
Todas são sendas para se atingir a verdade sobre um aspecto da vida.
No século de Vandelli, porém, e ainda hoje, episteme deve ser entendida
de forma diferente. Para o estagirita, a episteme era um tipo de
conhecimento normalmente indutivo e contemplativo, conseguido através do
entendimento passivo das premissas particulares na busca de uma lei
geral. Esse tipo de conhecimento não poderia se referir à ciência
iluminista, que tinha na experimentação e na aplicação técnica a
comprovação de suas verdades, justamente o ideal que permeou o meio
acadêmico português no processo formativo dos orientadores de Alexandre
Vandelli (Domingos Vandelli e José Bonifácio), principalmente a partir
de Pombal. E na atuação ilustrada de Portugal do início dos oitocentos
não era obrigatória a passagem pela Academia para que se conquistasse um
lugar estre os pensadores, fato que com o tempo foi-se modificando. |