|
A mãe, Domiciliana de Jesus, quando Salvador nasceu,
era amante do capitão-mor. Foi só depois da morte de sua primeira mulher
que o capitão-mor uniu-se legalmente a Domiciliana. Do primeiro
casamento, o capitão trazia outro filho: José Antônio Campos do Amaral
Gurgel, que haveria de subir a áspera serra para radicar-se em Taubaté
e, como o irmão, virar cirurgião .
Salvador cresceu na vila de Parati amparado pelas
boas relações familiares. Na Parati daqueles anos, corria um comércio
amplo que consistia na permuta das mercadorias que baixavam de Minas
Gerais e São Paulo ou subiam de Santos, por outras que vinham da Europa.
Mas a preferência era para o sal, trazido de Pernambuco por embarcações
que, em troca, levavam farinha e outros mantimentos.
A riqueza, porém, ficava nas mãos de bem poucos, que
exploravam e mantinham em dependência os que produziam os frutos da
terra . Com certeza, o pai de Salvador estava entre essas principais
pessoas. Sabe-se que o capitão-mor era “sujeito muito zeloso”, que se
preocupava em “coligir e conservar memórias e manuscritos úteis” .
Talvez não fosse tão abastado a ponto de reunir condições para mandar os
filhos estudarem medicina em Coimbra ou em Montpellier, na França, como
faziam as famílias mais ricas de seu tempo.
A vida no Rio de Janeiro
Logo, Salvador preferiu deixar a família em Parati e, de barco, subiu o
litoral rumo ao Norte, até o Rio de Janeiro. Corria o ano de 1787
quando, aos 25 anos de idade, tirou a carta de praticante de cirurgia.
Era um jovem de olhos pretos, cabelos castanhos, cinco pés por cinco
polegadas (1m65) de altura e solteiro .
No Rio de Janeiro, capital do vice-reinado, Salvador
deve ter levado vida um tanto despreocupada. Meteu-se em alguma confusão
porque acabou compelido a buscar segurança em Minas Gerais, perseguido
que era pelo ouvidor, o desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha ,
com quem haveria de cruzar outra vez, anos mais tarde, ao ser acusado de
envolvimento na projetada sublevação de 1789 . Foi morar em Vila Rica, a
princípio, na casa do doutor Antônio José Soares de Castro,
tenente-coronel do regimento dos pardos de Vila do Príncipe . E arrumou
emprego como praticante de cirurgia no regimento da tropa paga.
A Vila Rica de 1787
Quando Salvador chegou à Vila Rica, naquele mesmo ano de 1787, a
capitania de Minas Gerais passava por tempos de instabilidade política.
O governador e capitão-general Luís da Cunha Meneses andava às turras
com o ouvidor-geral Tomás Antônio Gonzaga, o futuro poeta de Marília de
Dirceu. Cada um representava um grupo de interesses.
Desde que chegara em meados de 1783, Cunha Meneses
vinha cumprindo paulatinamente uma política de substituição dos naturais
da terra por reinóis nos principais cargos militares. No quartel
principal da Demarcação Diamantina, no Tijuco, o capitão José de
Vasconcelos Parada e Sousa, reinol, era quem comandava a tropa paga.
Ao final de 1786, o tenente José de Sousa Lobo e
Melo, também reinol, assumira o comando do destacamento da Serra
Diamantina de Santo Antônio de Itacambiruçu, em substituição ao capitão
Baltasar José Mairinque, pai da futura noiva do ouvidor Gonzaga, Maria
Dorotéia Joaquina de Seixas. O quartel de Itacambiruçu era subordinado
ao do Tijuco, mas ambos eram os mais importantes entre os seis
destacamentos que zelavam pela ordem na capitania.
Os dois militares eram homens fiéis ao governador e,
desde o início do governo, haviam entrado em atrito com as autoridades
da Demarcação Diamantina, um território sob a administração direta de
Lisboa, que aspirava a ampla autonomia em relação à capitania. Essa
independência, porém, nem sempre ficou clara porque o capitão-general
nunca a reconheceu.
Por trás de tudo, o que estava em jogo eram o
contrabando de diamantes e a sonegação fiscal. As autoridades da
Demarcação, como o intendente do ouro Antônio Barroso Pereira, o
intendente dos diamantes José Antônio Meireles Freire, vulgo Cabeça de
Ferro, e o fiscal dos diamantes Luís Beltrão de Gouveia e Almeida,
haviam estabelecido relações suspeitas com as famílias poderosas do
Tijuco, que sempre haviam lucrado com o extravio de diamantes.
Os militares fiéis a Cunha Meneses viriam a perturbar
esses arranjos provincianos em proveito próprio e do governador. Além
disso, a pretexto de combater a delinqüência, passaram a perseguir e até
a matar mineradores e outras pessoas que se recusavam ao trabalho
escravo. As determinações do ouvidor-geral e dos desembargadores da
Demarcação Diamantina eram derrubadas por uma penada ou mesmo uma ordem
verbal do governador.
Muitas vezes, delinqüentes acabavam soltos por
determinação direta de Cunha Meneses, que teria chegado ao cúmulo de até
dar dinheiro aos presos “para os gastos fazerem da fugida” . O ouvidor
Gonzaga era obrigado a assistir a tudo impassível. Aquele clima de
insatisfação entre as famílias mais ricas da capitania acabava também
por contagiar os mais humildes, mineradores, pequenos comerciantes e até
militares de postos inferiores. Foi por não compactuar com as
arbitrariedades de Cunha Meneses e seus acólitos que o alferes Joaquim
José da Silva Xavier, 39 anos, acabou afastado do comando do
destacamento da Serra da Mantiqueira, ponto-chave de ligação entre Vila
Rica e o Rio de Janeiro.
A pregação libertária
É possível que por essa época já tivesse chegado aos ouvidos do
capitão-general a pregação libertária que o alferes vinha fazendo desde
os primeiros tempos de seu governo . Cunha Meneses talvez tenha
preferido entregar o comando do destacamento a um oficial menos
questionador, embora já soubesse que Xavier era considerado uma
“inteligência mineralógica” e respeitasse os seus profundos
conhecimentos da região. Xavier era também conhecido como Tiradentes em
razão de sua habilidade para extrair e fabricar dentes.
Desgostoso por ter sido preterido várias vezes nas
promoções assinadas pelo governador, Tiradentes pediu licença de seu
regimento em março de 1787 por dois meses e foi para o Rio de Janeiro .
Pretendia viajar para o Reino a fim de tratar de algumas “dependências”.
Talvez quisesse entrar em contato com as idéias republicanas. Foi em
setembro que recebeu autorização da Corte para fazer a viagem .
Até então, renovara várias vezes o pedido de
afastamento de sua unidade em Vila Rica . Mas não deve ter feito a
viagem porque, em 1788, apresentou novo pedido de licença para viajar ao
Reino sob a alegação de que não pudera fazê-lo em razão de “moléstias e
outras causas”. A licença só seria assinada pela rainha dona Maria I em
agosto de 1788 .
No total, o alferes ficaria ausente de seu regimento
quase um ano e meio, tempo que aproveitou para encetar algumas
iniciativas empresariais no Rio de Janeiro, como tentar arrendar oito
braças de terrenos na Praia dos Mineiros e seis braças na Praia de Dom
Manuel para construir um guindaste de madeira que serviria para o
“embarque de animais quadrúpedes e manufaturas” , além de ocupar-se num
trapiche em Andaraí e traçar planos para o abastecimento de água da
cidade em substituição ao arcaico sistema de distribuição do líquido em
pipas, o que lhe valeu, certa noite, na Casa da Ópera, estrondosas vaias
puxadas por aqueles que detinham o monopólio deste serviço .
A conversa com Tiradentes
Foi numa dessas idas e vindas do alferes entre Vila Rica e o Rio de
Janeiro que Salvador o conheceu. Ao ser denunciado como participante dos
conciliábulos para a sublevação que se preparava em Minas, Salvador
disse, durante a inquirição na cadeia de Vila Rica, que ignorava por
completo a causa de sua detenção. “Não delinqüi em coisa alguma”,
respondeu ao ouvidor-geral Pedro José Araújo de Saldanha, corregedor da
comarca , substituto de Gonzaga.
Negou, inclusive, que tivesse “maior amizade” com o
alferes. Admitiu, porém, que, ao precisar de um dicionário de francês,
soube que o militar dispunha de um. Foi, então, procurá-lo em sua casa,
que ficava na Rua de São José, próxima ao Chafariz do Largo e à mansão
do ex-arrematante João Rodrigues de Macedo, conhecida como Casa do Real
Contrato. Era o dia 23 de fevereiro de 1789. Estava disposto a comprar o
dicionário, mas o alferes adiantou-lhe que já o havia vendido a seu
irmão.
Para não decepcionar Salvador, Tiradentes disse que, antes de passar o
dicionário ao seu novo dono, poderia emprestá-lo por quinze dias. Foi o
que ficou acertado, segundo Salvador, que devolveu o livro no dia 7 ou 8
de março, não lembrava bem. Na verdade, Tiradentes não havia vendido o
dicionário ao irmão, mas sim ao padre Francisco Ferreira da Cunha, seu
sócio numa botica no Largo do Rosário.
Depois disso, Tiradentes, sabendo que Salvador viera
do Rio de Janeiro, perguntou-lhe se não conhecia “alguns sujeitos
capazes para uma empresa de empenho”. Salvador, segundo declarou, disse
que não dispunha de “amizades maiores” naquela cidade. “E muito menos
para o fim que tu dizes”, acrescentou.
Mesmo assim, o alferes insistiu, dizendo a Salvador
que, se quisesse escrever para alguém no Rio de Janeiro, poderia fazê-lo
para aproveitar a sua viagem. Vou lá acertar algumas dependências com o
vice-rei (Luís de Vasconcelos e Sousa) e ver também se consigo dar volta
a esta história da derrama”, disse o alferes, segundo o depoimento do
Salvador.
A derrama, o estopim
A derrama era o assunto que preocupava a maioria das pessoas abastadas
da capitania, que sempre viram com bons olhos uma revolta contra o Reino
. Era imensa a dívida que a população mantinha com o Reino desde 1772,
data da última derrama aplicada na capitania. Desde então, os débitos
acumulavam-se, principalmente, na cobrança do quinto do ouro: com a
decadência das minas, o furto e o contrabando praticados pelos
poderosos, governantes, oficiais e delinqüentes comuns, além da
sonegação generalizada, o confisco necessário para regularizar a
cobrança dos atrasados chegava, em 1786, a 384 arrobas, ou seja, 5,76
toneladas, o equivalente a toda a produção de um exercício, ficando os
moradores ainda devendo 44 arrobas à Coroa .
O secretário de Estado dos Negócios da Marinha e
Ultramar, Martinho de Melo e Castro, em Lisboa, dava mostras de
impaciência com a inadimplência da colônia. E decidira mandar um novo
governador e capitão-general, o visconde de Barbacena, com ordens
expressas apara aplicar a derrama, um tributo que atingiria todos os
moradores, sem levar em conta se participavam ou não da atividade
mineradora. Por tudo isso, o alferes sabia que a derrama era o estopim
que poderia fazer explodir a insatisfação na colônia.
A Salvador, Tiradentes emprestou não só o dicionário,
mas também uma Coleção das leis constitutivas das colônias inglesas
confederadas sob a denominação de Estados Unidos da América Setentrional
, tradução francesa de 1778. Esse era o sistema de propaganda silenciosa
do alferes: esperava que, com a leitura do livro, as pessoas aderissem
ao seu ideal revolucionário. Ao deter Salvador em Vila Rica, as
autoridades encontrariam entre os seus pertences a subversiva coletânea
.
Depois da conversa com o alferes, Salvador disse que
retornou à casa do doutor Antônio José Soares de Castro, onde residia à
época. Contou ao senhorio a conversa que tivera com Tiradentes. O doutor
riu: “Talvez seja alguma empresa em que o alferes está metido, de levar
à cidade do Rio de Janeiro águas do rio Comprido para levantar moinhos
dentro da mesma cidade”, especulou.
Ao ouvidor Saldanha, Salvador recordou que, já
morando em outra casa e estando enfermo, recebeu a visita de seu antigo
senhorio, o doutor Antônio José Soares de Castro . A visita deu-se dois
dias depois da prisão do antigo ouvidor, Tomás Antônio Gonzaga, que
ocorreu no sábado de 23 de maio de 1789, recordou.
Naquele dia, uma segunda-feira, Salvador soube pela
boca do doutor Castro que o alferes havia sido detido no Rio de Janeiro
por um caso de inconfidência. “Foi, então, que refleti ser este o
empenho que o dito alferes tinha para me perguntar se conhecia no Rio de
Janeiro sujeitos capazes”, alegou Salvador .
Auxílio ao alferes
Acusado pelo ouvidor de prestar auxílio ao alferes, Salvador admitiu que
falara a Tiradentes do coronel José da Silva Santos, que morava no Rio
de Janeiro, a quem conhecia “tão somente de vista”. Foi, então, contou
Salvador, que o alferes se abriu com ele, dizendo que estava disposto a
promover um levante: “Já tenho esta capitania e a de São Paulo na mão”,
disse-lhe. “Vários regimentos vão se levantar, ministros serão presos,
pois querem uma testa coroada em Minas”, acrescentou.
Salvador confessou que acabou por contar esses
detalhes ao doutor Castro, que lhe recomendou cautela, dizendo que
“semelhantes pensamentos só podiam vir à cabeça de um doido ou bêbado”.
Ao revelar ao ouvidor a conversa que tivera com Tiradentes, Salvador
admitiu que estavam presentes Raimundo Correia Lobo, sargento-mor dos
pardos do Serro do Frio, e Crispiniano da Luz Soares, também pardo.
O ouvidor disse a Salvador que recebera informações
de que, certa noite, na ponte do Ouro Preto, à porta da ferraria de
Eusébio da Costa Ataíde, ele tivera uma conversa com Crispiniano da Luz
Soares. Salvador admitiu a conversa, mas não recordava o assunto. “Só me
lembro de ter tocado em semelhante matéria do levante na casa do doutor
Antônio José”, respondeu.
A acareação
Responsável pela devassa mandada abrir pelo visconde de Barbacena, o
ouvidor-geral Saldanha mandou chamar Crispiniano para uma acareação.
Crispiniano, de pronto, desmentiu o amigo, dizendo que nunca ouvira
Salvador falar em “semelhante coisa” na casa do doutor Castro. Mas sim,
certa noite, no começo de abril, pouco antes da Semana Santa, à porta da
ferraria de Eusébio da Costa Ataíde.
Segundo Crispiniano, Salvador teria dito que, como estava para ocorrer
uma derrama, haveria um levante. “Para este fim, já foram escritas
cartas para São Paulo”, teria dito Salvador. Ao que Crispiniano
questionou: “Para que este procedimento, se não é novo pagar-se a
derrama?”. E Salvador teria respondido: “A seu tempo, você saberá” .
O ministro valeu-se do depoimento de Crispiniano para
tentar convencer Salvador a falar “mais particularmente dos
procedimentos do alferes”. Estava claro que o praticante de cirurgia
sabia mais do que confessara. Mas Salvador manteve-se na negativa. Disse
que conversara com Crispiniano na casa do doutor Castro. Não recordava
de lhe ter falado sobre esses assuntos quando estiveram sentados junto à
ponte do Ouro Preto .
Crispiniano não voltou atrás. Recordou até que
Salvador, logo depois de pronunciar aquela última frase, levantara-se e
fora atrás de uma mulher ladeira acima. Salvador reconheceu que assim
agira, mas garantiu que não recordava de que tivesse dito aquela frase.
Se havia falado com Crispiniano, disse, fora para repetir o que o doutor
Castro recomendara: “Que não se devia falar em semelhante coisa porque,
falando-se e não se provando, incorria-se na mesma pena” .
Crispiniano comprometeu ainda mais Salvador, ao dizer
ao ministro que, depois daquela conversa junto à ponte do Ouro Preto, o
amigo lhe mostrara algumas cartas. “Umas são para o Rio e outras para as
partes de São Paulo”, disse Salvador, segundo Crispiniano,
acrescentando: “São cartas de muita importância”.
Cartas para Parati
Salvador admitiu que mostrara cartas a Crispiniano, mas esclareceu que
eram destinadas uma para o seu padrinho, outra para sua madrinha e mais
uma para Cláudio Rangel, moradores na vila de Parati. Com aquelas
cartas, reconheceu, seguia mais uma. Era dirigida ao tenente José Alves
de Azevedo, morador no Rio de Janeiro.
Com aquelas correspondências, segundo Salvador,
seguia também um atestado do sargento-mor José de Vasconcelos Parada e
Sousa, o Padela das Cartas Chilenas, agora já afastado do comando do
quartel da Demarcação Diamantina. Com o atestado, Salvador pretendia
despertar a comiseração dos padrinhos para que lhe prestassem “algumas
assistências” . Os “padrinhos” seriam, na verdade, os pais de Salvador,
moradores em Parati. Às autoridades, talvez para evitar complicações à
família, garantira que era filho de “pais incógnitos” .
Em seguida, o ouvidor mandou chamar o sargento-mor
Raimundo Correia Lobo, que também estivera presente à conversa na casa
do doutor Castro. Lobo disse que Salvador e o doutor Castro haviam tido
uma “conversa em particular”. De longe, porém, ele percebera que falavam
do alferes Tiradentes e “de que estava para haver um levante em Minas e
que se queria fazer um parlamento”.
Segundo Lobo, o doutor Castro pedira para que “não se
falasse mais em semelhante matéria porque quem quer que fosse a cabeça
se lhe havia de cortar”. Logo disse também que Salvador lhe mostrara
umas cartas que dirigia aos seus “padrinhos” na vila de Parati.
Depois, foi a vez do doutor Castro participar da
acareação. Confirmou que Salvador, certa vez, em sua morada, revelara
que o alferes Tiradentes andava a tratar de uma sublevação em Minas e
que, para esse fim, ia ao Rio de Janeiro. Garantiu que instara Salvador
a denunciar o alferes às autoridades. E admitiu que Lobo e Crispiniano
haviam estado presentes nessa ocasião.
A visita do doutor Castro
Perguntado pelo ouvidor, o doutor Castro admitiu que, depois da notícia
da prisão do alferes Tiradentes e do coronel dos auxiliares Joaquim
Silvério dos Reis no Rio de Janeiro, fizera uma visita a Salvador que,
nessa época, já não era seu inquilino. Teria sido uma visita de cortesia
porque Salvador estaria enfermo. Nessa ocasião, Salvador teria dito a
Castro, referindo-se a Tiradentes: “Veja lá se lhe tenho dado a carta
que ele me pedia para Francisco Manuel, em que estado eu ficava?”
Pressionado, Salvador reconheceu que o alferes lhe
havia pedido uma carta de apresentação a Francisco Manuel de Melo,
tenente do regimento de artilharia do Rio de Janeiro. Mas assegurou que
não lhe dera a carta. E invocou o próprio testemunho do doutor Castro .
O ouvidor, então, quis saber do doutor Castro se ele
tinha conhecimento de que Salvador escrevera outras cartas para o Rio de
Janeiro e São Paulo. Mas Castro só repetiu que sabia das cartas que
Salvador pretendia mandar para seus “padrinhos” na vila de Parati.
Castro diria ainda aos inquisidores que, por intermédio de Salvador,
ficara sabendo que Tiradentes pretendia ir ao Rio de Janeiro com o
objetivo de “aliciar gente” .
As autoridades ficaram convencidas de que Salvador
soubera que Tiradentes tramava uma sublevação, mas não o denunciou.
Concluíram também que Salvador prometera dar ao alferes algumas cartas
dirigidas a determinadas pessoas que lhe poderiam ajudar na sublevação.
Havia, portanto, ajudado o réu Tiradentes.
Condenado à forca
Em 24 de dezembro de 1790, da nau Golfinho desembarcaram no Rio de
Janeiro os membros da Alçada, que era como se designava o tribunal de
inquérito visitador, um recurso comum em casos de sedição. À vista dos
depoimentos, a Alçada concluiu que Salvador soubera que o alferes
pretendia ir ao Rio de Janeiro “induzir e convidar gente” para a
rebelião e não o denunciara às autoridades. E, ainda que não tivesse
fornecido as cartas que Tiradentes pedira, como constava do processo,
era certo que “prometera ajuda para o levante, e que nenhum tempo o
negara”.
A sua defesa, provavelmente, foi escrita pelo
ex-ouvidor de Vila Rica, Tomás Antônio Gonzaga, também acusado de
sedição. É o que indica a coincidência de estilo, argumentação e fecho
das peças jurídicas escritas a seu favor e do coronel José Aires Gomes e
do guarda-livros Vicente Vieira da Mota, ex-caixa de João Rodrigues de
Macedo, antigo arrematante dos contratos de entradas e dízimos, bem como
a do próprio Gonzaga.
Na noite de 17 de abril de 1792, no Rio de Janeiro,
os acusados de conspirar contra a Corte foram todos levados dos diversos
locais em que estavam para a cadeia pública. Foram divididos em quatro
grupos e conduzidos sob escolta armada de baioneta calada. No dia
seguinte, às oito horas da manhã, a Alçada, reunida extraordinariamente
sob a presidência do novo vice-rei, o conde de Resende, lavrou a
sentença. Uma sentença que estava pronta desde o dia 11 de março .
Salvador Carvalho do Amaral Gurgel foi condenado à
forca. Igual sentença havia sido proferida contra o alferes Tiradentes,
o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, José Álvares
Maciel, Inácio José de Alvarenga, Domingos de Abreu Vieira, Luís Vaz de
Toledo Piza, José de Resende Costa, pai e filho, e Domingos Vidal
Barbosa. Todos eram acusados de alta traição.
Ao antigo ouvidor Tomás Antônio Gonzaga e outros
acusados, como Vicente Vieira da Mota, José Aires Gomes, João da Costa
Rodrigues, Antônio de Oliveira Lopes e Vitoriano Gonçalves Veloso,
coubera pena menor: degredo em várias localidades da África.
Degredo na África
Dezoito meses antes de lavrada a sentença, a rainha dona Maria I, por
carta régia de 15 de outubro de 1790, sem que ninguém soubesse, comutara
a pena de morte em degredo perpétuo na África, fazendo exceção para réus
reputados por “chefes e cabeças da conspiração”, que procurassem em
público, como em particular, induzir os povos a atos criminosos.
A exceção incluía apenas o alferes Tiradentes, que
fora, afinal, “o primeiro motor da projetada sublevação, o que mostrava
maior empenho e eficácia na execução dela” . Os outros condenados à
forca tiveram assim a pena alterada para degredo nas conquistas
portuguesas na África. Já os religiosos implicados na trama subversiva
iriam para Lisboa.
Os réus não condenados à pena máxima foram intimados
a 24 de abril. No dia seguinte, José de Oliveira Fagundes, advogado
dativo da Santa Casa de Misericórdia, retirou os autos com 24 horas de
prazo para embargar a sentença. O embargo, porém, foi rejeitado. E
Salvador Carvalho do Amaral Gurgel acabou condenado a degredo para toda
a vida em Catalá.
Antes de seguir viagem para o degredo, no dia 16 de
maio, Salvador encaminhou documento às autoridades em que pedia que lhe
restituíssem um estojo de cirurgia, com cinco lancetas e ferros, que
havia sido apreendido por ocasião de sua prisão. E lembrou que, como ia
“para uma terra estranha”, poderia precisar do estojo para socorro de
sua sustentação” . Dos bens seqüestrados, que haviam ficado de posse de
um depositário, constava também um “livro das Estações de Jerusalém” .
No dia 22 de maio, terça-feira, Salvador embarcava,
em companhia de Tomás Antônio Gonzaga, José Aires Gomes, Vicente Vieira
da Mota, Vitoriano Gonçalves Veloso, João da Costa Rodrigues e Antônio
de Oliveira Lopes, na galera Nossa Senhora da Conceição e Princesa de
Portugal, com destino à ilha de Moçambique. Talvez à espera de ventos
mais favoráveis, a nau só zarparia na sexta-feira, dia 25. Salvador, um
dos mais jovens entre os inconfidentes, ia cumprir o seu degredo na
África.
A ilha de Moçambique
O capitão Francisco Bernardes de Abreu e Lima, comandante da galera,
dispensou bom tratamento a todos os condenados . Foi uma viagem de 70
dias. E, a 31 de julho, uma terça-feira, do tombadilho da galera, em
companhia dos demais degredados, Salvador viu a vila de São Sebastião,
nome da ilha-capital da capitania de Moçambique, Rios de Sena e Sofala,
as conquistas portuguesas da África Oriental.
A ilha é uma espécie de meia-lua, cujo côncavo está
voltado para o Sul. É baixa e quase plana, com seu terreno calcáreo
coberto de areia. Da galera, Salvador avistou uma pequena povoação quase
no meio da ilha, onde se destacavam dois edifícios: o palácio do governo
e a alfândega, por cima da muralha de pedra de uma vasta praça.
No outro lado, nas Terras Firmes, viu edifícios menores -- lá era a
Cabaceira Grande, viria a saber. Mais para adiante, estava o Mossuril,
também no continente. E, no outro lado, a Cabaceira Pequena. No cais,
observou apenas pangaios, escunas e sumacas -- como o porto era pouco
profundo e repleto de coroas de areia, só pequenas embarcações podiam
chegar à praia. As maiores ficavam ao largo, a mais de 200 metros,
próximas a um cais de pedra que avançava pelo mar.
O lugar de desembarque ficava do ancoradouro um tiro
de espingarda. E era bastante incômodo não só para o embarque e
desembarque de gente como de cargas. Salvador e os demais degredados
desembarcaram em pequenos escaleres. Depois, subiram por escadinhas de
pedra até um velho cais construído sobre colunas.
Os degredados foram recebidos em terra “com honra” .
E levados imediatamente ao Palácio de São Paulo, a sede do governo, onde
despachava e vivia o governador e capitão-general Antônio Manuel de Melo
e Castro, sobrinho do todo-poderoso ministro Martinho de Melo e Castro.
Foram recebidos pelo secretário do governo, o naturalista Manuel Galvão
da Silva, um baiano de quarenta e poucos anos, formado em Matemáticas,
Filosofia e Leis por Coimbra.
Vidas em reconstrução
Ao lado dos companheiros de infortúnio, Salvador ouviu Galvão avisar que
poderiam reconstruir a vida, desde que não ofendessem as regras régias.
Não poderiam retornar ao Estado do Brasil nem viajar para o Reino sob o
risco de serem condenados à morte. Da ilha também não poderiam sair sem
passaporte do governo, mas essa norma valia para todos os habitantes.
O governador mostrou-se simpático com os degredados.
Disse-lhes que poderiam circular livremente pela ilha, desde que não
avançassem além do Tanque dos Mainatos, lugar privativo dos negros
gentios e vedado a brancos que lá não fossem em grupos armados . A
recomendação valia também para quem sonhasse explorar os sertões, nas
Terras Firmes, onde viviam os macuas, os macondes, os mavias e os mujaos,
tidos como ferozes e de bárbaros costumes.
Entusiasmados com a boa recepção, os condenados a
viver em outras localidades da África Oriental, como Salvador, passaram
a sonhar com a possibilidade de requerer a ilha de Moçambique por
menagem, permanecendo na vila. Do Palácio de São Paulo, os degredados
foram levados à Casa da Câmara e Cadeia, onde ficariam hospedados “com
toda a liberdade e estimação em salas da Câmara” .
Logo receberiam a visita das principais pessoas da
terra, não só reinóis como banianes, que eram os comerciantes
muçulmanos, súditos da Coroa, procedentes de Diu e Damão. Foram
procurados até por monhés, os macuas muçulmanos, sempre vestidos de
branco, maganjas e suakikis, negros exóticos oriundos de outras regiões,
todos já acostumados ao grosso comércio.
Só o antigo ministro Tomás Antônio Gonzaga não ficou
na Casa da Câmara: a convite do desembargador José da Costa Dias e
Barros, hospedara-se na Casa do Ouvidor, uma imponente construção
próxima ao palácio do governo.
Falsos testemunhos
Bastante doente, o ouvidor-geral Barros, impaciente com a demora do
substituto, decidiu largar a vara e, com a aprovação do governador,
embarcou na galera Nossa Senhora da Conceição e Princesa de Portugal,
que, a 26 de agosto, deixou a ilha de Moçambique com destino a Goa, na
Índia Portuguesa, de volta ao Reino. Quatro dias depois, a bordo de
outra nau, chegava o novo ouvidor, Francisco Antônio Tavares de Siqueira,
que logo haveria de nomear Gonzaga promotor de defuntos e ausentes e
advogado dos auditórios públicos.
Para tirar o processo de residência do ouvidor que
deixara a vara, Siqueira, como era de praxe, teve de ouvir várias
testemunhas. Recorreu a Gonzaga que, à falta de pessoas dispostas a
testemunhar em favor de Barros, convenceu seus amigos degredados a
colaborar. E lá foi Salvador, com os companheiros de exílio, depor na
sindicância em favor de Barros.
Foi uma sindicância de cartas marcadas. Afinal, os
degredados mal tinham conhecido o antigo ouvidor, até mesmo em razão do
pouco tempo que conviveram na terra . Talvez os inconfidentes tenham
imaginado que, colaborando com as autoridades, poderiam continuar na
ilha de Moçambique, em vez de serem mandados para os locais de seu
degredo.
Não foi só dessa vez que o antigo ministro Gonzaga,
agora nas boas graças do novo ouvidor, tratou de utilizar a boa vontade
dos companheiros de degredo. Talvez o próprio Gonzaga pensasse que,
assim, poderia ajudá-los a continuar na capital. Tanto que, meses mais
tarde, voltou a recorrer a igual expediente.
Foi num caso que envolvia Manuel do Nascimento Nunes,
advogado que viera degredado do Reino por crime que cometera no
Alentejo. Incumbido de dar seqüência a um processo contra Nunes que
rolava na Justiça de Moçambique havia seis anos, Gonzaga recorreu aos
seus amigos. E, outra vez, lá foi Salvador, ao lado dos outros cinco
inconfidentes, depor contra Nunes, a quem também mal conhecia .
Ajudante de cirurgião-mor
Apoiado pelas boas relações do antigo ouvidor de Vila Rica, Salvador
aproveitou para tentar refazer a vida na ilha de Moçambique. Como o
governador Melo e Castro não colocava obstáculos a que todos os
degredados permanecessem na ilha, Salvador tratou de arrumar emprego em
que pudesse exercitar a arte de cirurgião. E, em setembro, acabou por
sentar praça como ajudante de cirurgião-mor do regimento de infantaria .
Passou a trabalhar sob a ordens do físico-mor João
Domingos Tosco, nome aportuguesado de Giovanni Domenico Thosco, médico
piemontês formado em Turim e admitido ao real serviço português. Mas foi
por pouco tempo porque Tosco, inebriado pelos lucros fáceis do comércio,
largaria seus instrumentos e compraria um navio para buscar carregação
de ouro e marfim. Não teve sorte porque morreria, em 1794, num
naufrágio, próximo ao estabelecimento francês de Pont Chery, no Índico.
Antes de partir, porém, Tosco assinou, em 20 de março
de 1793, um elogioso atestado da capacidade de Salvador . No atestado,
garantiu que Salvador tinha “servido no Hospital Real como nas casas
particulares dos habitantes desta capatinia com muitas capacidade”. E
assegurou que Salvador o substituíra, muitas vezes, nas visitas aos
doentes.
“Sempre achei nele suficiente inteligência e acerto
nos diagnósticos e curativos das enfermidades médicas”, acrescentou. No
lugar de Tosco, ficaria outro médico piemontês, Charles Joseph Guezzi,
ou Carlos José Guezzi, que logo também haveria de largar os instrumentos
cirúrgicos para se transformar em grande traficante negreiro e, mais
tarde, “agente confidencial” do príncipe regente dom João em Buenos
Aires .
Degredo em Inhambane
A vida que para Salvador parecia agora seguir um curso normal logo seria
abalada com a chegada do novo governador e capitão-general, dom Diogo de
Sousa Coutinho, que substituiria Antônio Manuel de Melo e Castro em
março de 1793.
Dom Diogo, ao contrário de Melo e Castro, era pouco
afável. Talvez porque não só sofria de escorbuto e lepra e ficara sem os
dentes como também tivera a má sorte de perder logo nos primeiros dias a
mulher Ana Cândida , vítima de uma das muitas doenças que os monomocaios
traziam para a ilha, segundo a crença dos moradores.
Dom Diogo entendeu que os degredados que haviam sido condenados para
outras localidades da África Oriental não poderiam mais permanecer na
ilha-capital. Embora se tivesse tornado amigo de Gonzaga, a Salvador,
agora, de nada valeria a amizade: para dom Diogo, o antigo ouvidor de
Vila Rica não passava de um “advogado bastantemente venal e sumamente
embrulhador e intrigante” . De nada adiantaria falar com os grandes
comerciantes de escravos, as pessoas mais influentes da ilha, porque
ninguém tiraria da cabeça de dom Diogo aquela idéia.
Assim, em 29 de novembro de 1793, Salvador foi
mandado servir no destacamento do porto de Inhambane, ao Sul da
capitania. Livrara-se de Catalá, como a condenação mandava, mas, à
época, pouco diferença podia haver entre aquela localidade e Inhambane.
Iria em companhia do coronel José Aires Gomes, outro
inconfidente, antigo fazendeiro da Borda do Campo e ex-fiador do
contrato dos dízimos arrematado pelo rendeiro João Rodrigues de Macedo
em Minas pelo período de 1777 a 1783. Por ordem de dom Diogo, o
governador de Inhambane garantiria a Salvador mantimentos por dois meses
.
A vida em Inhambane
A vila era, àquela altura, uma incipiente povoação com pouco mais de 50
casais. Eram poucos os brancos e os pardos -- a maioria era de escuros
naturais do país . Havia também muitos escuros procedentes de Goa, os
chamados canarins. Quase todos tinham macuas, aos quais chamavam
genericamente de cafres, como escravos. A vida girava em torno do
presídio, nome que, no século XVIII, queria designar apenas o
destacamento, que incluía uma pequena cadeia.
Salvador, rapidamente, teve de se adaptar aos
costumes locais. Praticou a medicina, mas também se dedicou ao comércio.
Estava entre iguais. Eram aqueles homens quase todos degredados. E
pessoas de escassas letras. Por isso, logo Salvador ganhou um cargo de
vereador no Senado da Câmara. Foi em 1794, poucos meses depois de sua
chegada. Continuou a exercer o cargo em 1795, confirmado que fora pelo
ouvidor-geral da capitania, Tavares de Siqueira, em 31 de outubro de
1794 .
A morte de Aires Gomes
Logo, Salvador perderia a companhia do coronel Aires Gomes. De
constituição debilitada e idade já avançada para a época, Aires Gomes
não resistiria ao clima inóspito de Inhambane. E morreria em 1796.
Tinha, então, 62 anos. A princípio, havia sido condenado a “degredo para
toda a vida” em Ambaca, Angola, na África Ocidental, mas, depois, a
Alçada modificara a pena para oito anos em Inhambane.
Extremamente rico, Aires Gomes tivera confiscada
pelas autoridades régias metade de seus bens, mas ainda assim era
proprietário de terras tão extensas que causariam inveja a qualquer
monarca europeu. Em Minas, deixara mulher, dona Maria Inácio de
Oliveira, e os filhos João Ribeiro, João Aires e José Aires Gomes, além
das filhas Ana Pérpétua e Maria Antônia .
Os poucos anos de convivência diária com Aires Gomes
serviriam, no entanto, para Salvador selar uma grande amizade com o
antigo fazendeiro. Ao casar com dona Amanda Guiães, Salvador, quando
ganhou um filho, fez questão de lhe batizar com o nome de Aires em
homenagem ao amigo .
Presidente do Senado da Câmara
Como cirurgião do destacamento, Salvador não recebia soldo em dinheiro,
mas em fato, que era o nome que designava os panos que os soldados
recebiam como pagamento. Para fazer dinheiro metálico ou obter as
valorizadas patacas espanholas, tinham de negociar esses panos com os
cafres ou régulos do sertão. O regimento do destacamento era tão pobre
que os soldados quase sempre andavam descalços e sem farda. Como era uma
tropa insignificante, não havia sequer a tradicional divisão entre
artilharia e infantaria.
Salvador voltaria a desempenhar a função de vereador
de 1801 a 1802. “Não há impedimento e é merecedor”, elogiou-o o ouvidor
da época, José Félix Potier Lamas, ao confirmá-lo para o cargo de 1802.
Em 1803, tornou-se presidente do Senado da Câmara e, no ano seguinte,
serviu como almotacé durante o primeiro trimestre, como obrigava a lei a
quem exercera o mais alto posto da Câmara . Almotacé era o nome que se
dava para o inspetor encarregado da aplicação dos pesos e medidas e da
taxação dos gêneros alimentícios.
Cuidando da pobreza
No porto de Inhambane, como cirurgião do destacamento, Salvador não só
tratou da tropa como dos enfermos da cadeia e dos moradores. “Até chegou
a manobrar remédios por sua própria mão para suprir a falta de
farmacêutico”, garantiu o governador Joaquim José Felipe Caminha, ao
escrever um atestado que leva a data de 12 de julho de 1805 .
A falta de remédios sempre preocupou as autoridades
da vila, já que ficavam na dependência do envio de medicamentos por
parte do governo da ilha de Moçambique, que os recebia do Reino ou, mais
frequentemente, os comprava na Ilha de França, capital das possessões
francesas no Índico .
De acordo com o testemunho de Caminha, Salvador
tratava da tropa “com excessivo cuidado e igualmente a todos os
moradores”, não faltando quando foi chamado por qualquer enfermo. “Ele à
pobreza curava com muita humanidade e até os remédios lhe dava
gratuitamente de sua própria botica”, disse. “Salvador sempre se
comportou com muita gravidade e civilidade, não encontrando no tempo de
meu governo queixa dele alguma tanto em falta de seu cargo como no trato
civil”, acrescentou Caminha.
Também o alcaide-mor da ilha de Moçambique, Antônio
Alberto Pereira, que havia sido governador e capitão-mor da vila de
Inhambane durante três anos, atestou que Salvador “sempre se conduziu
com zelo e prontidão no curativo da tropa e dos habitantes, fazendo
propriamente os medicamentos, sem ser essa a sua obrigação”.
Segundo Pereira, o antigo inconfidente tratava das enfermidades das
pessoas “com exemplar caridade, isto muitas vezes em prejuízo pessoal”.
Até mesmo doente, Salvador fazia questão de atender a quem o procurava,
afirmou Pereira.
Sobre o comportamento pessoal de Salvador, Pereira
disse que sempre o achara “livre de nota, cheio de gravidade, sem vício
algum que denegrisse a sua honra”. Pereira garantiu que tudo aquilo era
tão verdade que, se preciso, o juraria aos Santos Evangelhos. É o que
consta de um atestado que escreveu a 2 de outubro de 1806 .
O retorno à ilha
Salvador viveria em Inhambane 11 anos e alguns meses. Ao final de 1804,
autorizado pelo governador e capitão-general Isidro de Almeida e Sá,
retornou à ilha de Moçambique. Era o dia 5 de novembro, quando
desembarcou de um brigue. Chegava para exercer o ofício de ajudante de
cirurgião-mor , como fizera mais de uma década antes. Para o seu lugar
em Inhambane, foi despachado Antônio Manuel Luís.
Retornara à ilha, provavelmente, por influência de
Tomás Antônio Gonzaga, que, por esse tempo, gozava de boas relações com
o governador Isidro Sá. Mas chegava só e com a saúde arruinada . Por
andar doente, pedira ao governador e capitão-mor da vila de Inhambane,
José Joaquim Felipe Caminha, demissão do cargo de cirurgião do
destacamento local.
Sua saúde fora abalada pelo clima seco de Inhambane.
Em 1804, por exemplo, uma grande seca destruíra plantas e flores,
afetando, principalmente, as plantações de cebolas de Inhambane .
Salvador deixaria em Inhambane “ao desamparo sua casa, mulher e um
filho” .
Um santo
O antigo inconfidente recuperaria em parte a boa disposição e, a 8 de
agosto de 1806, seria nomeado interinamente cirurgião-mor do Estado, no
lugar de Francisco Pires de Carvalho, que iria cuidar de sua própria
saúde na Ilha de França.
Desde março, quando Carvalho caíra de cama, Salvador
já o vinha substituindo nas visitas aos doentes da enfermaria e cirurgia
do Hospital Real da Ilha de Moçambique . Ao nomeá-lo, o novo governador
e capitão-general Francisco de Paula Albuquerque do Amaral Cardoso,
substituto de Isidro Sá, dele diria que tinha “dado provas de ser hábil,
inteligente e de bons costumes” .
Em 12 de junho de 1807, Salvador seria, por fim,
nomeado cirurgião-mor do regimento de infantaria da ilha de Moçambique .
Tinha, à época, 45 anos de idade e “dois anos, cinco meses e 27 dias de
serviço sem nota neste regimento”. Durante esse tempo, na ilha de
Moçambique, voltaria a desempenhar seu trabalho com uma dedicação
franciscana. Era considerado santo pela população humilde da ilha -- os
escravos, pretos forros, que residiam no bairro da Miçanga em tembas
cobertas por colmos.
Tanto que, a essa época, Sebastião José Rodrigues,
ex-cirurgião-mor do regimento de infantaria, cavaleiro da Ordem de São
Tiago e um dos cinco maiores traficantes de escravos da capitania,
também faria elogios à atuação de Salvador como ajudante de
cirurgião-mor: “Ele se incumbia de todo curativo no Hospital Real e
sempre mostrou desempenho sem cometer erro algum”, assegurou. Também o
físico-mor José de Melo certificou que Salvador, durante alguns meses,
servira no lugar de cirurgião-mor da capitania, satisfazendo bem “os
deveres deste emprego”.
Por esse tempo, Salvador assinou um atestado para o
soldado Francisco Nunes, da quinta companhia do regimento de infantaria
da guarnição da praça de Moçambique. Segundo o cirurgião-mor, o soldado
tinha “duas chagas numa perna, as quais por sua antiguidade e lavra que
tem no osso, se fazem incuráveis” .
Salvador nunca recuperaria por completo a boa forma
física. Aos 48 anos de idade, num relatório do regimento de infantaria,
aparece como pessoa de “boa conduta e pouca saúde” Mesmo assim, na
ilha-capítal, pôde melhorar de vida e mandou chamar para junto de si a
mulher e o filho. Ao final de 1807, já aparecia como próspero morador.
Além do trabalho como cirurgião-mor do regimento ,
ainda encontrava tempo para ajudar os amigos. Foi o que fez em abril de
1809, quando atuou como procurador de José de Sousa Taveira, tenente e
comandante do corpo de artilharia do porto de Inhambane, que
reivindicava ao governo interino da capitania o posto de capitão de sua
unidade .
Proprietário de escravos
Numa relação que especifica a escravatura nas mãos dos moradores da ilha
de Moçambique, Salvador aparece como proprietário de sete escravos. Era
um dos que menos possuíam escravos. O advogado Tomás Antônio Gonzaga,
agora procurador da Coroa, dispunha de 30 homens .
Os grandes traficantes negreiros aparecem como
proprietários de uma, duas e até centenas de escravos. A escravaria de
Salvador aparece como localizada no distrito do Mossuril, o que
significa que o cirurgião-mor era proprietário de uma pequena machamba
nas Terras Firmes. Os escravos deviam trabalhar nas plantações ou no
serviço doméstico no luane .
A morte do governador
Nos últimos dias de 1807, o governador e capitão-general Francisco de
Paula, depois de afrontar os interesses de alguns comerciantes
negreiros, isolou-se no Palácio de São Paulo. E acabou por adoecer.
Procurou, então, recuperar a saúde no palácio de verão dos governadores
de capitães-generais, que ficava no Mossuril, nas Terras Firmes.
Foi ao cirurgião-mor do regimento Salvador Carvalho
do Amaral Gurgel que Francisco de Paula recorreu. Provavelmente, porque
andava em divergências com o físico-mor José de Melo e não tivesse em
boa conta o cirurgião-mor do Estado, Francisco José Pires de Carvalho.
Salvador empenhou-se como sempre. A todo momento,
garantia que “a moléstia não era de perigo” . Chamado a tratar do
governador, o físico-mor José de Melo repetiu que o ilustre paciente não
inspirava cuidados. Mas o governador acabou por morrer às 10 horas da
manhã do dia 18 de dezembro .
De imediato, correu pela ilha o boato de que o
governador havia sido morto “cavilosamente”. Até porque eram freqüentes
as notícias sobre a morte de autoridades por envenenamento. Alertado por
esses murmúrios, o recém-empossado ouvidor Agostinho Bernardo Delgado
Pinto determinou que o físico-mor José de Melo e o cirurgião Salvador
fizessem o exame do cadáver. Ambos atestaram que o governador falecera
“ao sétimo dia de uma moléstia que fora natural”, depois de uma febre
renitente e perniciosa, “aparecendo uma decidida podridão e todos os
sinais de uma morte verdadeira” .
A desconfiança, porém, só haveria de persistir em
relação ao físico-mor José de Melo, que fora a última pessoa a estar com
o governador. Até porque Melo, anteriormente, havia-se atritado com o
governador por causa de interesses comerciais. Além disso, era amigo do
tenente-coronel Constantino Antônio Alves da Silva, comandante do forte
de São Lourenço, inimigo acérrimo do governador.
Para o bispo de Olba, que haveria de assumir o poder
como integrante de uma junta governativa, ficara a impressão de que Melo
matara Francisco de Paula ou “não lhe dera os remédios competentes e a
tempo para que não morresse” . De Salvador, ninguém levantou qualquer
dúvida. Estava acima de qualquer suspeita.
O reconhecimento da Corte
Ao final de 1809, Salvador requereu ao príncipe regente dom João o
emprego de cirurgião-mor vitalício da capitania de Moçambique, em
substituição a Francisco Pires de Carvalho, lembrando que tinha “a
prática do país, o que não terá outro que vier da Corte” .
Pediu também a mercê do hábito da Ordem de Cristo . À
solicitação, o antigo inconfidente anexou vários atestados de seu bom
comportamento tanto no porto de Inhambane como na ilha de Moçambique. Ao
todo, dizia ter 14 anos e quatro meses de África.
O novo governador e capitão-general Antônio Manuel de
Melo e Castro de Mendonça, que substituíra o governo interino, apoiaria
a primeira pretensão, atestando a boa conduta do suplicante. Quando ao
hábito da Ordem de Cristo, opinou que Salvador só poderia requerê-lo
“quando passasse a capitão e tivesse vinte anos de serviço sem nota” .
Mas recomendou que lhe fosse cedida uma das casas do
fisco para morar e passasse a receber tanto quanto o cirurgião-mor da
capitania, “já que ganha pouco”. O príncipe regente determinou que fosse
Salvador quem ficasse com o emprego de cirurgião-mor quando o cargo
vagasse . E atenderia prontamente à recomendação para lhe dar uma das
casas do fisco para sua morada . Da Corte, Salvador nunca receberia
resposta para a pretensão de ganhar o hábito da Ordem de Cristo.
A morte do amigo Gonzaga
Entre o final de janeiro e o começo de fevereiro de 1810 , Salvador
perdeu o seu grande amigo Tomás Antônio Gonzaga, procurador da Real
Fazenda e juiz interino da alfândega . Doente desde o começo de dezembro
de 1809, Gonzaga faltaria muitos dias ao serviço.
É possível imaginar que, diariamente, Salvador
passasse pela casa do amigo, à Rua do Largo da Saúde, no bairro alto da
Marangonha, na ponta Sul da ilha, para assisti-lo e medicá-lo. Gonzaga
sofria de ressecamento dos intestinos e, entre os remédios que requereu,
no dia 15 de dezembro de 1809, à botica do Hospital Real, estavam duas
onças de flor de sabugueiro e duas onças de unguento amarelo . Como
cirurgião-mor, era Salvador quem liberava os medicamentos para “a casa
do doutor Gonzaga”.
Como era costume à época, talvez receitasse ao velho
amigo infusão de sabugueiro com casca de laranja. Ou algum clister
laxativo. Era também hábil na aplicação de sanguessugas. Deve ter tido
todo empenho para ver Gonzaga recuperado. Mas o esforço seria em vão.
Foi o único inconfidente à beira do leito de morte do poeta.
Os últimos dias
Depois da morte do amigo Gonzaga, em 1810, Salvador requereu licença
para retornar ao Brasil, mas o pedido seria negado pelo governador
Mendonça sob a alegação de que sua saída seria uma grande perda para a
capitania . Teria mesmo de se conformar e viver os seus últimos dias no
exílio africano.
O inconfidente Salvador Carvalho do Amaral Gurgel
morreu na ilha de Moçambique a 10 de outubro de 1812, com 50 anos de
idade . Isso significa que seus restos mortais não se encontram no Museu
da Inconfidência, em Ouro Preto, ao contrário do que diz a história
oficial.
Em novembro de 1936, a pedido do presidente
brasileiro Getúlio Vargas, o governo português mandou recolher na África
os restos mortais de todos os inconfidentes. No dia 24 de dezembro de
1936, chegava ao Rio de Janeiro o navio nacional Bagé com os ossos dos
inconfidentes de 1789, sob a guarda do escritor Augusto de Lima Júnior.
Segundo Lima Júnior, Salvador teria morrido em 1805 e
seu corpo fora sepultado na igreja paroquial de Nossa Senhora da
Conceição de Inhambane . Seus restos mortais, em 1936, teriam sido
exumados naquela igreja e transportados para o Museu da Inconfidência.
Mas parece que as autoridades brasileiras foram
ludibriadas. Ou se deixaram enganar. O escritor Joaquim de Montezuma de
Carvalho, morador na antiga Lourenço Marques, hoje Maputo, disse, com
ironia, que “até terra de umas sepulturas de Inhambane chegou a ser
levada para o Brasil” .
De fato, em 1971, em correspondência a Montezuma de
Carvalho, Alexandre Lobato, diretor do Arquivo Histórico de Moçambique,
confirmou que, em 1936, diante da dificuldade para localizar os túmulos
dos inconfidentes, as autoridades coloniais não fizeram o trabalho com o
rigor necessário. Foi, por exemplo, o que ocorreu com os restos mortais
do poeta Gonzaga: em vez dos ossos do poeta, vieram para o Brasil os de
seus neto, Tomás Antônio Gonzaga de Magalhães, falecido em 1855 .
O último inconfidente na África Oriental
Quinze dias antes da morte de Salvador, o príncipe regente dom João, com
a Corte instalada no Rio de Janeiro desde 1808, assinou decreto em que o
nomeava físico-mor da capitania da Moçambique, Rios de Sena e Sofala ,
em substituição a José de Melo que, com “problemas de saúde e a família
na miséria em Portugal”, queria voltar .
Mas, quando a nau que levava a carta de sua nomeação chegou à ilha de
Moçambique, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel já era apenas uma
lembrança entre os humildes que se serviam de sua arte e de seus
medicamentos. Foi o último dos inconfidentes de 1789 a morrer na África
Ocidental.
Bibliografia
Fontes
Manuscritas:
Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa)
a) Conselho Ultramarino, códice 1349.
b) Seção de Minas Gerais, caixa 135.
c) Seção de Moçambique, caixas 72, 75, 120, 121, 122, 139, 134, 140, 141
e 213.
d) Seção do Rio de Janeiro, Avulsos, caixa 142.
Arquivo Histórico de Moçambique
Códice 11-4483.
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
Códice 5, vols. 1 e 4.
Arquivo Público Mineiro (Belo Horizonte)
a) Seção Colonial, códice 241.
b) Secretaria do Governo, caixa 17.
Biblioteca Nacional de Lisboa
Coleção Pombalina, miscelânea 643.
Biblioteca Pública Municipal do Porto
Códice 588.
Impressas:
ARAÚJO, José de Sousa Azevedo Pizarro (et al.).
Tricentenário de Parati -- notícias históricas. Rio de Janeiro:
Publicações do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1960.
Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, 2ª ed., anotações de
Herculano Gomes e Tarquínio J.B.de Oliveira, Brasília e Belo Horizonte:
Câmara dos Deputados e Governo do Estado de Minas Gerais, 10 vols.
1976/78, 1981/83.
BONIFÁCIO, José. “A fazenda Borda do Campo: o inconfidente José Aires
Gomes”. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, ano 11,
1906-1907.
CARVALHO, Joaquim de Montezuma de. “Gonzaga na ilha de Moçambique”,
Suplemento Literário Minas Gerais, Belo Horizonte, nº 256, 24/7/1791.
________________. “Novos dados sobre Gonzaga na ilha de Moçambique”.
Suplemento Literário Minas Gerais, Belo Horizonte, nº 259, 14/8/1971.
CUNHA, padre Santana Sebastião da. Antiguidades históricas da ilha de
Moçambique e do litoral fronteiro, desde os tempos da ocupação. Lisboa:
1939.
ENNES, Antônio. “De Lisboa a Moçambique“. Serões, Lisboa, vol.1, nº 3,
vol.1, nº 4, vol.2, nº 7 e vol.2, nº 9, 1901-1902.
GONÇALVES, Adelto. Gonzaga, um poeta do Iluminismo. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999.
GONZAGA, Tomás Antônio. Cartas chilenas, organização de Joaci Pereira
Furtado.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
____________________. Obras completas. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1942.
LAPA, M. Rodrigues (prefácio e organização). Obras completas de Tomás
Antônio Gonzaga, Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro-Ministério
da Educação e Cultura, 1957.
LOBATO, Alexandre. A ilha de Moçambique. Lourenço Marques: Imprensa
Nacional, 1945.
LIMA, Oliveira. Dom João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006.
LIMA JÚNIOR, Augusto de. História da Inconfidência de Minas Gerais. Belo
Horizonte: Editora Itatiaia, 1968.
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa. Rio de Janeiro: Editora Paz e
Terra, 1978.
__________________. “Conjuração mineira: novos aspectos”. Estudos
Avançados, São Paulo, vol. 3, nº 6, mai-ago. 1989.
MENDES, Francisco da Costa. Catálogo cronológico e histórico dos
capitães-generais e governadores da província de Moçambique desde 1752,
época de sua separação do governo de Goa, até 1849. Lourenço Marques:
Imprensa Nacional, 1892.
OLIVEIRA, Tarquínio J.B.de. Cartas chilenas -- fontes textuais. São
Paulo: Editora Referência, 1972.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,
vol. 8, tomo 8, 1881.
SANTOS, João dos. Etiópia Oriental, Lisboa: Biblioteca de Clássicos
Portugueses, vol. 1, 1891.
SANTOS, Lúcio José dos. A Inconfidência Mineira -- papel de Tiradentes
na Inconfidência Mineira. São Paulo: Escola Profissional do Liceu
Coração de Jesus, 1927.
SILVA, J. Norberto de Sousa. História da Conjuração Mineira. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1948.
WOODHEAD, Cawthra. Natal a Moçambique. Porto: Tipografia da Empresa
Literária, 1895. |