MARIA AZENHA
Poemas ditos no programa do Dia Mundial da Poesia na Rádio Transfforma, com Maria Estela Guedes, Henrique Dória e Fernanda de Queiroz. 21.03.2023
NITUP MORREU
NITUP morreu. Agora está calado
aos pés de sua mãe.
As pedras cresceram como rosas negras no jardim do palácio.
As meninas, com máscaras, foram levadas
para a Grande Prisão.
Com elas taparam a boca de Deus.
A BANDEIRA, O BURACO, O VENTO – UMAS VEZES VENTO,
OUTRAS VEZES DIABO
Era uma vez uma bandeira que tinha um buraco.
O buraco estava no centro da bandeira.
O vento, quando queria, enfiava a mão no buraco e ia-se embora.
A bandeira chorava de cada vez que isto acontecia.
Então o vento que se chamava umas vezes VENTO, outras DIABO, não
tinha mãos, nem olhos, nem pés para andar, e dizia que estava sempre a caminho de casa.
Um dia, a bandeira, desesperada, pegou numa tesoura e cortou-se aos
bocados.
Esta foi a sua última vontade.
O SONHO DE MARIA DEPOIS DE LER “O DIABO” DE GONÇALO M. TAVARES
Ontem, Maria sonhou com a Europa. A Europa era, no sonho, uma Gaiola.
A Gaiola tinha uma Cova lá dentro. A Cova estava cheia de bonecas-com
os-pés-tortos.
E estavam encostadas umas às outras. Por isso nunca caíam.
A boneca mais velha, chamada Úlssera, vestia uma farda.
Uma farda que, de vez em quando, a tornava com os pés-mais-tortos.
Cá fora, mas lá dentro, reuniam-se.
De cada vez que se reuniam ia caindo cabelo da Senhora-com-farda num
tacho verde.
O tacho não tinha sempre a mesma cor.
Felizmente que era assim, porque assim disfarçava a Cova das bonecas-com-os-pés tortos.
Uma boneca esperou quase vinte anos para ter os pés tortos. E para entrar
para a Cova.
A Senhora-com-farda-às-vezes, chamada Úlssera, ficou muito contente.
Foi em nome das bonecas-com-os-pés-tortos que ela se pôs a chorar e a dar
vivas à Gaiola, que no Sonho é, como vimos, a Dona-Europa.
Foi uma festa.
Não tenham medo, diziam elas. Sim, porque na Gaiola não havia só a Cova
cheia de bonecas-com- os- pés-tortos.
Mesmo ao lado estavam bonecos com-a-língua-de-fora que nunca
descansavam e riam e bebiam muito alto.
Estavam sempre a pensar no que haviam de fazer com -a- língua-de-fora.
Um deles pegou numa tesoura e cortou o cabelo aos outros que tinham
também a língua-de-fora.
E ficaram todos iguais com- a-língua-de-fora.
Passava no Sonho um comboio com malucos-iguais a sair e a entrar da
Gaiola.
E eram comandados por nómadas digitais que esticavam os dedos para todo
o lado.
De manhã, quando acordei, estavam muitos cordeiros nas ruas a correr e a
sair do trabalho.