Nicolau Nasoni

 

NUNO GONÇALVES RODRIGUES
Nicolau Nasoni e a Torre dos Clérigos no Porto (Portugal)


Índice

Introdução

Capítulo I: O Barroco
Capítulo II: A Irmandade dos Clérigos
História Biográfica
Confraria dos Clérigos de São Pedro ad Vincula
Confraria dos Clérigos Pobres de Nossa Senhora da Misericórdia
Congregação de São Filipe Néri
Mesa da Irmandade dos Clérigos do Porto
Hospital da Irmandade dos Clérigos do Porto
Coro da Irmandade dos Clérigos do Porto
Igreja e Sacristia da Irmandade dos Clérigos do Porto

Capítulo III: Nicolau Nasoni
Os Primeiros Anos: Siena
A Estadia em Malta
O Arquitecto do Porto

Capítulo IV: Igreja e Torre dos Clérigos
Conceito: Património
O Porto do Século XVII, durante e após a construção da Igreja e sua Torre
Descrição da Igreja e Torre dos Clérigos
A Igreja e Torre dos Clérigos no Século XXI
Conclusão
Notas de Fim
Bibliografia
Portal / página Web


Introdução

O que se pretende é acima de tudo é aprofundar alguns dos conhecimentos sobre a cidade do Porto, Nicolau Nasoni e a Igreja dos Clérigos, popularizada como Torre dos Clérigos.

Nasoni, sendo um dos temas a abordar, tentarei evidenciar algumas das influências deste artista, sem esquecer um pouco da sua vida pessoal, nunca pretendendo ser, de todo, uma biografia.

Quanto à Igreja dos Clérigos, esta será descrita da forma mais fidedigna possível, incluindo alguns dos mais curiosos relatos feitos dos primórdios do monumento.

Sendo um trabalho / investigação histórica, começo com o contexto histórico, esxplicando o que é, por exemplo, a arquitetura barroca, quem eram à época a Irmandade dos Clérigos, entre outros assuntos de interesse.

As fotografias que ilustram este trabalho são, salvo indicação, pertença do meu arquivo pessoal.


Capítulo I – O Barroco

A Igreja e/ou Torre dos Clérigos é um monumento do estilo Barroco. Quantas vezes ouvimos ou lemos isto quando o assunto se refere a este ex libris portuense. Por esta razão este primeiro capítulo servirá para analisarmos as características deste estilo artístico no que à arquitetura diz respeito.

Não há uma definição única e em 1563, inserido nos Colóquios dos Simples, Garcia de Orta [1] refere-se ao barroco da seguinte forma: “ huns barrocos mal afeiçoados e não redondos”. Por sua vez, em 1712, Rafael Bluteau [2] definia-o como “pérola tosca, e desigual, que nem he comprida, nem redonda.” (Pereira: 1989)

Outra das suas definições, no que à arquitetura diz respeito, é que: “No séc. XVII formula-se uma linguagem arquitetónica específica, que imprime às formas herdadas do passado um novo significado. A importância do movimento, o sentido dramático da vida, a necessidade de surpreender e atrair o espetador para a obra de arte conduzem a grandes alterações estruturais na arquitectura e na própria concepção urbana dos grandes centros.

Os edifícios transformam-se em grandes cenários, dotados de numerosas varandas, amplas escadarias, abundantes tribunas e balaustradas, que constituem juntamente com

as ruas e as praças, o traço de união e o remate de todo o conjunto, proporcionando à cidade os efeitos do aparato e transformando-a, como assinala G. Dorfles,[3] numa “cidade espectáculo”. A fachada converte-se num elemento fundamental da arquitectura barroca; perde a rigidez dos períodos anteriores para adoptar o movimento à sua estrutura (frontões curvos e quebrados, colunas salomónicas, utilização da curva e contracurva). A planta longitudinal centrada e a planta central alargada foram os dois tipos de mais utilizados na construção de Igrejas. É com obras de Borromini,[4] Bernini,[5] Pietro de Cortona [6] e

Guarino Guarini [7] que a arquitectura barroca em Roma atinge o apogeu, para formular as suas condições definitivas já no séc. XVIII. Em França, J. Lemerciear, [8]  F. Mansart,[9] Ch. Le Brun [10] e J. Hardouin-Mansart [11] imprimem ao barroco um carácter classicista, formulando por sua vez o tipo fundamental da construção palaciana, cujo exemplo, paradigmático por toda a Europa é o Palácio de Versalhes.

Na Alemanha, distinguem-se Fischer von Erlach, [12] L. von Hildebrandt, [13]  B. Neumann [14] e D.Zimmermann.[15] (…) Em Portugal (…) a arquitectura, embora fortemente marcada pela influência de mestres estrangeiros (germânicos e holandeses no norte, italianos no sul), reveste, contudo, caracteristicas específicas, p. ex., na produção de João Nunes Tinoco.[16]

Arquitectos estrangeiros residentes em Portugal e que aqui deixaram obra foram o alemão João Frederico Ludovice [17] e o italiano Nicolau Nasoni.” in Lexicoteca – Moderna Enciclopédia Universal, Tomo III, pp. 118, 121

Podemos ainda descrever o Barroco como: “extravagante, irregular, exagerado, estapafúrdio. (…) surge, antes de mais, como uma oposição ao maneirismo e instala-se por meio da diferença e da ruptura. Ao velho opõe o novo e essa crença e consciência numa nova mensagem visual é determinante na génese e elaboração do barroco. Contudo a consciência histórica não está ausente dos autores do novo estilo. De igual modo se mantém o peso de práticas ancestrais, sobre as quais irrompe a arte barroca, de modo por vezes penoso.” [18]

Para alguns dos mais conceituados dicionaristas, barroco deve ser sinónimo de “ (…) extravagante, irregular, exagerado, estapafúrdio.” Morais, por exemplo, define o estilo barroco como “um género de arte irregular e extravagante.” Já para uma especialista da matéria, Natália Ferreira Alves,[19] o barroco “é a arte dos contrastes onde dor e júbilo se misturam; se festeja a vida e a morte; se coloca lado a lado magnificência e horror; o barroco é a manifestação coletiva, grandiosa, a exaltação da glória, a apoteose sensorial… (…) Temos por conseguinte que a arte do barroco se distingue das demais pela animação das formas, pelo movimento, pelo gosto das cores e, também, pelo tipo de materiais que são usados na sua conceção. O barroco aparece, digamos assim, a seguir à contra-reforma. Faz abundante utilização da iconografia pintada e esculpida, como reação contra a iconoclastia da reforma protestante. Em Portugal o barroco floresceu entre os séculos XVII e XVIII e fez-se sentir na cidade do Porto de um modo muito expressivo em inúmeros edifícios tanto de caráter civil como religioso.” [20]

Quem viveu durante este tempo, não sabia que estava a viver na época barroca, uma vez que “o estilo barroco é naturalmente uma construção elaborada à posteriori, uma estrutura de pensamento forjada no século XIX, debatida longa e contraditoriamente no século XX. O discurso sobre a arte feita em Portugal nos séculos XVII e XVIII decorrerá pois sob a invocação da palavra barroco, entendida não só como unidade artística mas como sistema cultural e civilizacional.” [21]

Para mim, uma das melhores definições foi dada pela Professora durante a licenciatura numa das aulas da História da Arte em Portugal, quando disse que “o Barroco tinha horror ao vazio / vácuo.”


Capítulo II – A Irmandade dos Clérigos

  1. História

A Irmandade dos Clérigos do Porto que foi a “responsável” pelo batismo desta Igreja e Torre resultou da fusão de três confrarias de clérigos que já existiam nesta cidade e para assim evitarem extinção de uma ou das três. Eram elas a Confraria dos Clérigos de São Pedro ad Vincula, Confraria dos Clérigos Pobres de Nossa Senhora da Misericórdia e Congregação de São Filipe Néri.

“A união, em 1707, deu assim origem à Irmandade do Socorro dos Clérigos Pobres, erigida na Igreja da Santa Casa da Misericórdia, sob protecção dos padroeiros das confrarias anteriores. A criação da Irmandade dos Clérigos do Porto foi oficializada por Breve Pontifício de Clemente XI, de 6 de Outubro de 1710. Neste Breve, foi igualmente concedida à Irmandade a exclusividade de existência numa légua de circunferência da cidade, de forma a garantir o estabelecimento e progresso da mesma.” [22]

Tinham como missão principal a ajuda aos clérigos pobres da cidade do Porto, independentemente de pertencerem ou não à Irmandade. O foco recaía principalmente pelos doentes e moribundos, e tanto podia ser feita no domicílio, como também no “(…) Hospital da Irmandade, fundado com esse objectivo específico e reforçado em 1786, pela criação de um fundo próprio. A par deste carácter assistencial, a Irmandade dos Clérigos demonstrou desde o início uma grande preocupação com o culto, engrandecida a partir de 1762, com a criação do Coro, instituído por legado do Irmão António Rodrigues Souto.” [23]

Esta Irmandade estabeleceu-se, nos seus primórdios, na Igreja da Santa Casa da Misericórdia,[24] mas esta depressa se tornou pequena para tamanha tarefa, o que os levou a pensar mandar erigir uma igreja só deles, o que se tornou possível em 1731 com a doação de um terreno para construção da nova igreja. As obras que começaram a 23 de Abril de 1732 dariam lugar à Igreja e Torre dos Clérigos, projectadas por Nicolau Nasoni.

Tinham um regulamento interno e eram constituídos por órgãos de gestão, “acessoriados” no que diz respeito aos assuntos administrativos, financeiros, assistenciais e jurídicos. (…) Nos Estatutos de 1782, surge como figura pertencente à orgânica da confraria o Fiscal – por vezes também designado de Procurador Fiscal –, que tinha como principais funções zelar pelo cumprimento dos legados e testamentarias; cuidar da cobrança de dívidas e vigiar a legitimidade e o progresso dos pleitos.

Os negócios da casa deveriam ser igualmente promovidos pelo Procurador Agente. Este Irmão estava encarregado de esclarecer a Mesa e o Procurador Fiscal do estado dos negócios forenses e elaborar um mapa quinzenal com o estado dos negócios e uma descrição pormenorizada sobre os mesmos. O Procurador Agente deveria ainda consultar o Advogado da casa em todas as questões jurídicas relacionadas com os negócios da Irmandade. Já os Procuradores – que deveriam ser Irmãos eclesiásticos, de carácter cuidadoso e activo mas com alguma liberdade em termos de tempos livres – cumpriram essencialmente um cargo de fiscalização, sobretudo em relação à assistência e à imagem pública da Irmandade. Por último, os Zeladores funcionavam como um elo de ligação entre a Irmandade e os Irmãos.” [25]

“A estrutura inicial da Irmandade – alicerçada nos Estatutos de 1782 – para além da Mesa, a existência do Definitório e da Junta Geral. O Definitório era constituído pela Mesa em funções, assim como pelas duas imediatamente anteriores e a participação nas sessões deste órgão consultivo era alargada ao Procurador-Geral e, quando necessário, a homens letrados associados à Irmandade. Tratava-se, sobretudo, de um nível superior para discussão e deliberação de assuntos considerados de maior importância, que não podiam ser resolvidos através da Mesa administrativa. Algumas deliberações estavam, à partida, reservadas ao Definitório, tal como revogar decisões de Mesas anteriores ou a aceitação e regulamento de heranças, testamentarias ou legados perpétuos com encargos. A Junta Geral, posteriormente designada de Junta Consultiva, era inicialmente constituída pelo Definitório e por todos os Irmãos. A partir de 1871, passa a ser composta de dez Irmãos Ex-Deputados e deveria reunir para deliberar em conjunto com a Mesa sobre casos de difícil resolução, embora a função mais importante deste órgão se relacionasse com a elaboração e alteração dos regulamentos internos.

Esta estrutura simplificou-se até adquirir o formato representado pelas secções que constituem o fundo do arquivo, reflectidas nos Estatutos da Irmandade elaborados em 1940. Para além da Mesa, Coro e Hospital, em 1940 existia ainda uma Assembleia Geral, formada pela reunião dos Irmãos efectivos e presidida pelo Presidente da Mesa. Este órgão de gestão tinha as competências base de reunir para a eleição da Mesa na primeira semana de Dezembro e quando convocada para deliberar sobre assuntos importantes para o funcionamento e gestão da Irmandade. Devido ao facto de não ter chegado até nós produção documental resultante das competências da Assembleia Geral, esta não tem representação na estrutura orgânica apresentada neste instrumento de pesquisa de informação.” [26]

 

  1. Confraria dos Clérigos de São Pedro ad Vincula

Vimos anteriormente que a Irmandade dos Clérigos surgiu da fusão entre três confrarias, uma das quais é a Ad Vincula Sancti Petri.

Foi fundada em 1654 por sacerdotes, com o intuito de “ (…) milhor tratarem do que convinha a sua salvação, e bem de suas almas (…)». Estabelecida inicialmente na Igreja do Colégio de Nossa Senhora da Graça dos Meninos Órfãos, transferiu-se, em 1701, para a Igreja da Santa Casa da Misericórdia do Porto.” [27]

A 1 de Agosto de 1654 realizou-se a primeira assembleia onde elegeram quem ocuparia os cargos de Juiz, Mordomos, Escrivão, Procurador e Conciliários. Também tinham ao seu serviço Zeladores, que tinham como função principal servirem de ponte entre a instituição e os Irmãos, através da entrega de recados.

“ Os registos e inventários produzidos pela administração apresentam a elaboração de Estatutos como uma das prioridades dos Irmãos. No entanto, não localizamos, até ao momento, normas que permitam traçar a estrutura orgânico-funcional desta instituição.
Na primeira metade do século XVIII, os membros das três Confrarias de clérigos concluíram que seria benéfica a união numa só instituição: a Irmandade dos Clérigos do Porto. A elaboração de novos estatutos ditou o fim da separação até então vigente.

Com a união das Irmandades, em 1707, a documentação produzida no âmbito do funcionamento desta confraria foi introduzida no arquivo da Irmandade dos Clérigos do Porto. O corpus documental identificado para este produtor é reduzido, mas reflecte a gestão e o funcionamento da confraria. Assim, contempla registos de decisões administrativas; assentos de eleições; termos de admissão de Irmãos; assentos de composição com os ausentes; róis de Irmãos; termos de óbito e sepultura dos membros; «cadernos» dos Zeladores e registos de receitas e despesas.” [28]

 

  1. Confraria dos Clérigos Pobres de Nossa Senhora da Misericórdia

Outra das Confrarias que fizeram parte da união e a mais antiga das três. Foi fundada na primeira metade do século XVII e estabeleceu-se em 1630 na Igreja da Santa Casa da Misericórdia do Porto e passou em 1704 para a Igreja de Nossa Senhora da Vitória. Regressou em 1706 à Igreja da Misericórdia.

Com esta instituição, pretendiam os irmãos garantir as “ (…) missas e sufragios por suas almas coando Deus fosse servido de os levar (…) e ainda a assistência aos clérigos pobres. (…) Em 1638 já dispunham de estatutos mas “(…) no entanto, e apesar das constantes referências aos mesmos, não localizamos, até ao momento, a referida norma, que permitiria delinear a estrutura orgânico-funcional desta instituição. Em alternativa, analisámos a documentação produzida pela confraria e identificámos, no que respeita a órgãos de governação, a Mesa e, a cargos e ofícios administrativos, o Juiz, os Mordomos e o Escrivão. (…) Com a união das Irmandades, em 1707, a documentação produzida no âmbito do funcionamento desta confraria foi introduzida no arquivo da Irmandade dos Clérigos do Porto. O volume documental identificado para este produtor resume-se a registos de admissão de Irmãos e a termos de falecimento. [29]

 

  1. Congregação de São Filipe Néri

Esta Congregação uniu-se às anteriores para formarem a Irmandade dos Clérigos. Foi instituída por religiosos com o intuito de servir Deus e São Filipe Néri, auxiliar as almas do Purgatório e na salvação das almas e enterro dos corpos dos Irmãos.

Em Janeiro de 1666 estabelece-se na Igreja de Nossa Senhora da Graça dos Meninos Órfãos do Porto, transferindo-se em Julho de 1670 para a Igreja de Santo António da Porta de Carros. Em Junho de 1688 vão para o templo da Santa Casa da Misericórdia do Porto.

“Em 1666, o funcionamento da Confraria já era regido por deliberações estatutárias. No entanto, não localizamos, até ao momento, esta regra, que permitiria traçar a estrutura orgânico-funcional desta instituição. Em alternativa, reconstituímos o quadro directivo da Irmandade com base nos assentos das eleições. No topo administrativo, encontrava-se a Mesa, constituída por um Presidente e quadro deputados. O Terceiro Deputado desempenhava as tarefas adstritas ao Escrivão. O Zelador-Mor, o Tesoureiro e os Enfermeiros (em número de dois) auxiliavam a Mesa nas tarefas de gestão e assistência. (…) Da actividade desta Confraria, restou um volume documental reduzido, mas que contempla assentos das Mesas; registos de decisões administrativas; assentos de eleições; termos de aceitação/ admissão de Irmãos; assentos de composição com os ausentes; róis de Irmãos vivos e falecidos; termos de óbito dos membros; inventários da fábrica; termos de entrega dos bens da Congregação e registos de receitas e despesas. [30]

Vimos que apesar da união das confrarias, a recém criada Irmandade dos Clérigos

tinha como patronos os das extintas confrarias. Um deles era S. Filipe de Néri, que nasceu em 1515, filho de um notário, e que cedo ficou órfão. “ Diziam que em criança por ser tão bondoso o alcunharam de “Pippo bono”,ou seja, “Filipe o bom”. Cresceu a gostar de poesia e música e do contato com a natureza. Aos 18 anos foi viver com um tio, comerciante em San Germano, perto de Cassino. Mas não era a vida de comerciante que o atraía mas sim a abadia daquela localidade. Aos 21 anos, frequentava em Roma cursos de “Sapienza” (Universidade) e já fazia pregações, o que o tornou popular na cidade que o considerava “o apóstolo de Roma. (…) [31]

Andava pelos lugares mais pobres daquela cidade, oferecendo ajuda aos necessitados, como quem estava doente num hospital ou privado de liberdade numa prisão. “(…) a todos levando conforto material e “a mais amável caridade cristã…” Recolhia à  sua volta, “turbas de rapazes asselvajados” fazendo-os cantar. Criou o “Oratório dom divino amor”, para que nele se rezasse e se cantasse. Este “Oratório” foi o embrião da sociedade dos Padres Oratorianos fundada por Filipe de Néri para sacerdotes seculares, sem qualquer voto. É o santo protetor dos clérigos pobres.” [32]

 

  1. Mesa da Irmandade dos Clérigos do Porto

Muito citada anteriormente, a Mesa da Irmandade dos Clérigos do Porto tinha como função a administração e gestão desta Irmandade. O que implicava a criação de regulamentos gerais e internos, a admissão e expulsão de Irmãos, a nomeação e despedimento de empregados, a aplicação de multas e penalidades, a “ (…) distribuição dos cargos pelos Deputados, segundo as habilitações específicas de cada um; assim como pela administração de bens, nomeadamente dos legados, e organização económica e contabilística da Irmandade. Os membros da Mesa eram eleitos de entre todos os Irmãos suis juris do sexo masculino – com excepção dos devedores à Irmandade e seus fiadores, dos membros de uma Mesa anterior dissolvida pela autoridade superior e membros que fossem parentes até ao segundo grau – para desempenho dos seguintes cargos: Presidente; Vice-Presidente; Secretário; Ex-Secretário; Tesoureiro; e deputados.” [33]

O cargo de Presidente, sempre que este pertencesse à Irmandade e tivesse disponibilidade para tal, era ocupado pelo Bispo do Porto. “ Quando tal não se verificava, o cargo deveria ser ocupado por um eclesiástico presbítero de reconhecida virtude, probidade e ciência e que tivesse sido admitido na Irmandade pelo menos cinco anos antes da eleição. A função principal do Presidente era (…) a inspecção sobre toda a Irmandade e seus funcionários, no governo administrativo e económico. (…) Devia obrigar todos os Irmãos ao cumprimento dos Estatutos; zelar pelo cuidado no culto divino; presidir os acompanhamentos, enterros e actos processionais; (…) nomear uma comissão para assistir aos enterros dos Irmãos fora da Igreja dos Clérigos; (…) subsidiar por conta da Irmandade os Irmãos e clérigos pobres; assinar todos os documentos e livros que necessitassem da sua assinatura; presidir a todas as Mesas, Definitórios, Juntas e Assembleias (…) A partir dos Estatutos de 1871, o cargo de Presidente passou a ser coadjuvado nas suas funções pelo Vice-Presidente, que o deveria substituir nos seus impedimentos. O Secretário deveria ser desempenhado por um Irmão sacerdote, residente no Porto ou subúrbios, com serviços prestados como Deputado da Mesa e com um mínimo de quatro anos de serviço à Irmandade antes da eleição. Este cargo é verdadeiramente central no que diz respeito à produção documental da Irmandade, pois o Secretário estava encarregado de toda a escrituração, da qual se destacam: os termos de entradas e juramentos dos Irmãos admitidos; listas de Irmãos para diversos fins; redacção e preparação das tabelas, pautas e listas utilizadas na Sacristia; registar num rol todas as heranças, legados e testamentos em incumprimento (…) O Secretário deveria ainda tratar do expediente da Mesa, actualizar os inventários da Igreja, Sacristia, Enfermaria e Capela de Nossa Senhora da Lapa; escrever as cédulas através das quais o Tesoureiro procedia aos pagamentos e manter um registo actualizado de todos os acontecimentos que lhe parecessem dignos de nota e relevantes para a posterioridade, num livro de Memórias Históricas da Irmandade. (…) competências de administração e guarda do cofre e de responsabilidade sobre as esmolas de entrada, anuais, multas e dívidas – tornou imprescindível a existência de cargos auxiliares do Secretário, através das figuras do Ex-Secretário e do Cartorário. O Ex-Secretário – posteriormente designado de Vice-Secretário – tinha as funções de fornecer informações relativas a assuntos pendentes da Mesa anterior; garantir o retorno de documentação em falta; auxiliar e substituir o Secretário; e garantir a organização e segurança da Casa da Secretaria. O Cartorário era um funcionário remunerado, que deveria auxiliar o Secretário em todas as suas funções a troco de uma gratificação. O Tesoureiro deveria ser desempenhado por um Irmão secular da Irmandade, com bens próprios consideráveis e ser uma pessoa de comprovada probidade. Este funcionário tinha as seguintes competências: realizar os pagamentos de acordo com as cédulas escritas pelo Secretário e assinadas pelo Presidente; recolher cuidadosamente todo o dinheiro que estivesse fora e cobrar todas as dívidas; receber os produtos resultantes das arrematações; aplicar as cobranças das dívidas, foros e pensões devidas à Irmandade; pagar as despesas ordenadas pelo Presidente e Secretário e prestar contas à Mesa quando este órgão administrativo o solicitasse.

Os Deputados da Mesa, geralmente em número de seis (três vogais e três suplentes), deviam ser constituídos por Irmãos eclesiásticos e seculares, de posses e terem sido admitidos com um mínimo de três anos antes da eleição, uma vez que a antiguidade na Irmandade era a base de precedência entre os Deputados. De entre este grupo, no período inicial de funcionamento da Irmandade, destacava-se o Primeiro Deputado, que tinha a competência de substituir o Presidente nos seus impedimentos. Os mesários deveriam assistir a todas as sessões da Mesa, Definitório, Junta e Assembleia, assim como participar em todos os actos de culto público da Irmandade (…) desempenhava ainda funções específicas ao integrar comissões encarregadas pelo Presidente ou Mesa e no desempenho de cargos na Irmandade, nomeadamente no caso do Hospital.

Devido às competências da Mesa esta secção engloba um conjunto muito diversificado de documentação relativa à origem e história da Irmandade dos Clérigos, aos membros que a constituem e à gestão e funcionamento da mesma. Entre a documentação incluída nesta secção (…) actas e termos dos órgãos de gestão; livros de registo da entrada, expulsão e óbito dos Irmãos; registos de aplicação de penalidades e multas; pautas de serviço religioso e de assistência aos clérigos pobres e doentes; registos de correspondência e de requerimentos dirigidos à Mesa. A documentação representa também uma forte vertente de constituição e administração do património, através de livros de contabilidade geral; guias e mandados de pagamento; documentação relativa a casas arrendadas e a legados; registo de despesas e decisões relativas à construção, obras e manutenção do edifício da Irmandade e ainda documentação relacionada com os diversos pleitos e processos contenciosos. Foi incluída nesta secção alguma documentação produzida em virtude das competências de órgãos de gestão que foram extintos ao longo da história da Irmandade, (…) por exemplo, dos Termos e Actas do Definitório, órgão consultivo que já não surge em vigor nos Estatutos da Irmandade de 1940. “ [34]

 

  1. Hospital da Irmandade dos Clérigos do Porto

O Hospital da Irmandade dos Clérigos do Porto ou como era referido na documentação dessa época, a Enfermaria, foi criado com o objectivo de socorrer os clérigos pobres e doentes da cidade fossem ou não da Irmandade.

Para além dessa enfermaria, o Hospital incluía igualmente um altar, uma casa da sacristia, uma cozinha e um quarto para o Enfermeiro-Mor. Estava sob superintendência do Presidente ou, por delegação deste, do Secretário da Irmandade e a sua gerência e fiscalização estava incumbida a um deputado da Mesa, que tinha a obrigação de o visitar diariamente durante os meses em que exercia a função de mordomo do Hospital.

A nível interno este Hospital tinha como responsável o Enfermeiro-Mor e “(…) contava igualmente com enfermeiros menores, cirurgiões e médicos, assim como um conjunto de criados e ajudantes, dos quais se destaca o Moço da Enfermaria. O tratamento fornecido no Hospital da Irmandade incluía duas vertentes: a admissão no Hospital e a assistência aos clérigos doentes nas suas próprias casas. A assistência domiciliária era preferível no caso de doenças contagiosas e o socorro por conta da Irmandade, para além dos cuidados igualmente prestados aos doentes admitidos na enfermaria – com apoio do médico, cirurgião e boticário -, incluía ainda uma esmola. Tanto no caso de admissão como de apoio domiciliário, os clérigos contavam ainda com assistência espiritual – nomeadamente no momento da morte – e com o direito ao enterro, em caso de falecimento.

O período de maior vigor em termos de funcionamento do Hospital da Irmandade, segundo a documentação produzida pelo mesmo, parece ter-se situado entre meados do século XVIII e a década de 20 do século XIX. Em sessão da Mesa de 12 de Fevereiro de 1841 foi deliberado que se tornasse a estabelecer o Hospital para curativo dos Irmãos pobres e doentes e, de facto, nos Estatutos da Irmandade de 1871 ainda há referência à existência do mesmo, apesar de não se conhecer documentação deste período. A partir do século XX, a menção ao Hospital parece desaparecer da documentação e dos documentos regulamentares da Irmandade.

Esta secção engloba toda a documentação que se relaciona com a gestão administrativa e financeira do Hospital e com os irmãos doentes que se recolheram no mesmo, nomeadamente: registo de entradas e óbitos; receitas prescritas pelos médicos; recibos dos enfermeiros, dos médicos e dos cirurgiões; despesa da enfermaria e uma série documental relativa ao fundo do Hospital. Engloba ainda um inventário, que contempla a descrição do altar da enfermaria, sacristia, casa da enfermaria, roupa de cama, serviço de mesa e cozinha, assim como alfaias diversas.” [35]

 

  1. Coro da Irmandade dos Clérigos do Porto

“(…) Foi instituído por legado do Irmão António Rodrigues Souto e aprovado por Real Decreto de 19 de Abril de 1762. (…) Era constituído pelo Capelão-Mor; Mestre-de-cerimónias; Apontador do Coro; Capelão Cantor; Tesoureiro da Igreja e da Sacristia; Organista; Foleiro; Sineiro e Meninos do Coro. De entre estes funcionários, destacam-se aqueles cujas competências se traduziram em produção documental, ou seja, o Apontador e o Tesoureiro da Igreja e da Sacristia. Segundo os Estatutos do Coro, o Apontador deveria acumular o cargo de Capelão-Mor, autoridade máxima deste sector de culto, embora em diversos momentos estes cargos tenham sido desempenhados separadamente. O Apontador tinha a competência de controlar as faltas dos capelães; apontar os descontos que estes deveriam efectuar e as multas impostas – que o Capelão-Mor aplicava directamente -; assim como elaborar a pauta de serviço de turno dos capelães; organizar a folha dos vencimentos e proceder ao pagamento dos mesmos. O Tesoureiro da Igreja e da Sacristia, que desempenhava igualmente funções na Igreja da Irmandade, estava encarregado de zelar e velar por tudo o que pertencia e dizia respeito ao culto divino e de receber da mão do Secretário da Irmandade o pagamento do serviço religioso, que deveria fazer distribuir pelos capelães.

A história do Coro da Irmandade dos Clérigos foi pautada por momentos irregulares e ameaças de extinção. De forma a procurar evitar este fim, o Coro foi reformado por concessão da Nunciatura Apostólica de 11 de Junho de 1903 e autorização do Governo de 24 de Agosto do mesmo ano. Apesar deste esforço, os Estatutos da Irmandade aprovados em Assembleia Geral de 1940 deliberaram a extinção do Coro, por motivos de ausência de Irmãos clérigos residentes no Porto e por falta de verba disponível para a sua manutenção. A partir desta data, ficaram responsáveis pelo culto um Capelão, um Sacristão e pessoal menor da Igreja.

Esta secção engloba praticamente toda a documentação que se relaciona com o funcionamento do Coro da Irmandade dos Clérigos do Porto. Entre esta documentação destacam-se o controlo de assiduidade dos capelães, através dos livros de apontadoria do Coro e multas aplicadas, assim como os mapas de distribuição de serviço religioso de ofícios, esquadras e círculos. Alguma documentação relacionada com o Coro, tais como os Regulamentos que definem a sua orgânica e funcionamento, encontram-se na secção da Mesa da Irmandade, uma vez que era competência deste sector orgânico a elaboração de textos regulamentares para administração da confraria.” [36]

 

  1. Igreja e Sacristia da Irmandade dos Clérigos do Porto

Podemos dizer que é o “coração” da Irmandade e até à criação do Coro dos Clérigos em 1762, era a Igreja e Sacristia que congregava a realização de todos os actos de culto da Irmandade.

“A principal figura deste sector era o Tesoureiro da Igreja e da Sacristia, que deveria ser um Irmão presbítero, com as seguintes características: dar um bom exemplo, ser de consciência, recolhimento e reconhecido asseio. O Tesoureiro da Igreja era nomeado pela Mesa e estava encarregado de zelar e velar por tudo o que pertencia e dizia respeito ao culto divino. Com a formação do Coro em 1762, esta figura passou a desempenhar funções em ambos os sectores, tal como se declara no Capítulo 9.º, § 1.º, fls. 14 a 15 dos Estatutos do Coro de 1782: «Posto que o Thezoureiro da Sachristia não pertença absolutamente as obrigaçoens do Coro, se não ao todo da Igreja, com tudo tem alguas dependencias que se embaração com elle (…)». Para além da sua actuação no funcionamento do Coro e da Igreja, o Tesoureiro da Sacristia poderia ainda ser aprovado para confessar e acumular vários cargos, nomeadamente o de cartorário da Irmandade (Capítulo 12.º, Artigo n.º 91, fl. 18 do Regulamento do Coro do séc. XX) e, após 1762, o de Capelão do Coro. Do ponto de vista da produção documental, o Tesoureiro da Igreja e da Sacristia era responsável pelo livro dos assentos das pessoas sepultadas na Igreja; no final de cada ano deveria realizar um rol descritivo dos bens que lhe foram entregues no início do desempenho das funções e daqueles que restavam; e estava ainda encarregado de receber da mão do Secretário o pagamento do serviço religioso, que deveria fazer distribuir pelos capelães. [37]

Das suas funções destacam-se a de ter de fazer a exposição do Santíssimo Sacramento, ver as licenças dos sacerdotes que quisessem exercer ordens na Igreja da Irmandade, mandar abrir as portas da Igreja e tocar os sinos, acender as velas necessárias para os diversos actos do culto, preparar na Sacristia tudo o que fosse necessário para os diversos actos de culto e fazer conservar em boa ordem, arrumados e limpos, todos os paramentos e alfaias da Irmandade.

O Tesoureiro da Igreja só poderia ausentar-se quando fosse substituído por um sacerdote. Isto fazia com que o Tesoureiro quase nunca se ausentasse, o que o tornava numa figura importante da vida da Irmandade. “ (…) Estava encarregado de manter todos os empregados inferiores no cumprimento exacto de todas as suas obrigações. Podia ainda, com a concordância da Mesa, nomear e despedir os Meninos do Coro, que ficavam sob a sua dependência e, por tal, deveriam igualmente prestar assistência aos actos do culto da Sacristia. De forma a cumprir as suas funções, o Tesoureiro da Igreja e da Sacristia dispunha de um ajudante – que deveria estar sujeito a um regulamento especial -, nomeado pela Mesa sob proposta do Tesoureiro. Contava igualmente com o apoio de pessoal menor e trabalhadores remunerados, tal como o sineiro; o porteiro; os coveiros que abriam sepulturas; os armadores; assim como a da lavadeira e brunideira, no que dizia respeito à manutenção da limpeza e asseio dos bens da Sacristia. Deste pessoal auxiliar destaca-se a figura do porteiro, que embora devesse obedecer em primeiro lugar à Mesa e ao Secretário, cumpria igualmente ordens do Tesoureiro da

Igreja e da Sacristia. Neste sector tinha tarefas de apoio à limpeza, de colocar água nas pias e de manter afastadas pessoas estranhas à vida quotidiana da Irmandade, sobretudo da parte da noite. Esta secção engloba documentação que se relaciona com o funcionamento da Igreja e Sacristia da Irmandade dos Clérigos do Porto, tanto do ponto de vista dos ritos religiosos aí celebrados, como da administração financeira da Igreja. Entre esta documentação destacam-se os livros de registo das missas celebradas por alma dos Irmãos; as certidões de missas; assentos de termos de sepultura de fiéis e Irmãos; assim como a documentação de registo das despesas com a Igreja e Sacristia da Irmandade. Esta secção é constituída igualmente por documentação relativa aos diversos altares e devoções religiosas praticadas na Igreja da Irmandade dos Clérigos do Porto, como é o caso da Senhora da Lapa, Senhora das Dores, Santo André e aos padroeiros da Irmandade.” [38]

Refira-se que as alíneas a-h deste segundo capítulo foram pesquisados e adicionados a este trabalho graças à colaboração estipulada entre a Irmandade dos Clérigos e o Centro de Estudos de História Religiosa Universidade Católica Portuguesa (CEHR-UCP), que assim possibilita o acesso ao Arquivo Digital da Irmandade dos Clérigos, onde podemos encontrar a mais variada documentação, ler os fólios e imprimir se necessário, sem que isso acarrete algum custo para o utilizador.[39]


Capítulo III – Nicolau Nasoni