VITORINO DE SOUSA
Vitorino de Sousa (Portugal, 1948). Comunicador, quer sob a forma verbal (palestras e seminários) quer por escrito (livros e artigos) quer visualmente através de vídeo e fotografia. A “Obra em Prosa, Decerto Saborosa” e a “Obra Poética Complética” estão arquivadas no Baú das Letras (www.baudasletras.com). De destacar a ligação para o formato poético “simbiose”, distinguido com o Prémio “Revelação” de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, em 1979, e publicado, no ano seguinte, na coleção Licorne da editora Arcádia.
Baú das Letras no Facebook: https://www.facebook.com/Ba%C3%BA-das-Letras-1909264975974542/
Apresentação
A Musa Menina, que vive em mim escondida,
gosta muito que eu seja seu ouvinte.
Mas, vendo a minha atenção perdida,
disse: “Porque ser poeta é a tua sina
vou brindar-te com o seguinte”:
Usando brancos colarinhos
eis os cínicos de olhar infiel,
impingindo-vos charlatanices,
juros, impostos e bentinhos.
Respondem ao Juiz a sorrir
e, bufando os vapores do fel,
vendem-lhe petas e merdices
que, garantem, sabem a mel.
Vejam aqui, porém, o meu poeta
que, saído de outros Cadinhos,
lhes acena com a alma ereta,
olhos limpos e levezinhos.
Dito isto, a Musa Menina, que é pródiga em carinhos,
envolveu-me no seu aroma violeta!
Descoberta
A Musa Menina, que em mim vive latente,
sabendo que eu sou um bom ouvinte,
(embora por vezes impaciente)
manifestou-se para me propor o seguinte:
Amigo, queres voar-me sem sela
agarrado somente à minha crina?
Atende então à minha voz singela,
que, feita Luz, te inspira em surdina.
Escreve e sê consciente:
Cega o teu olhar de ave de rapina
e aprende a perdoar,
aceitando que toda a gente
algum dia, errando, desatina.
Respira-me e consente!
Se tratares de ser contente,
polido, doce e ligeiro,
a tua obra seguirá em frente
já não envolta em nevoeiro.
Dito isto, a Musa Menina, vendo que o discurso fora certeiro,
afagou-me com a sua mão violeta e devolveu-me a paz ausente!
Apreço
A minha Musa Menina é sempre discreta,
quando me pede p’ra que fique atento.
Hoje, foi novamente amável e correta,
quando ouvi o seu sussurro quente e lento:
Estranhas quando uma Alta Dama
de longe fala ao teu ouvido
(num tom leve e bem medido)
quando o teu ser se esquece
da compaixão que Dela emana?
Não sabias que a Vida, que te ama,
com mil Fios de Ouro te tece?
E concluiu, vendo-me comovido:
Quem te ama sempre aparece!
Dito isto, Ela, que sempre me enobrece,
abraçou-me para acalmar o meu interno alarido!
Conforto
A minha Musa Menina, discreta,
fazendo de mim seu ouvinte,
vendo-me perdido no planeta,
confidenciou-me o seguinte:
Manhã, tarde ou noite, que importa?
Oceano, riacho ou rio, não interessa.
Na tua vida vale o que te transporta,
a Luz que no escuro te conforta
e o meu amor que sempre a ti regressa.
Dito isto, a Musa Menina, que parecia não ter pressa,
deslizou em silêncio pela sala fora e foi fechar a porta!
Sugestão
A Musa Menina, que é muito bem educada,
acordou-me ao chegar a nossa hora
e, vendo a Mulher a viver agoniada
(porque a alma do Homem foi arruinada),
deu voz à alma de certa dama que chora:
Se tens noção do quanto rejeitaste
dizendo ser descabido,
dispensável e até escusado,
não insistas nessa postura crispada.
Por ao frio muito tempo ela ter ficado,
muito pouco ou nada te atribuiu.
Ao iludir-te, dizendo que do ouro brotaste
usando a mais pura prata como vestido,
impediu-te de teres reconhecido e praticado
os dons do teu Ser que do Amor foi nascido.
Se o teu olhar humano se mostra enfeitado,
o teu Ser (que eu animo), sente-se entristecido.
Dito isto, a Musa, vendo o seu manto violeta caído
voltou a pô-lo… mas só depois de me ter beijado!
Simbioses
Este formato poético surgiu (inesperadamente) na minha poesia, em 1978. No ano seguinte, foi distinguido com o Prémio “Revelação” de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores. Os quinze poemas/simbiose premiados foram publicados pela Editora Arcádia, Lisboa (Coleção Licorne), em 1980, com prefácio de Alberto Pimenta, um dos elementos do júri do concurso, juntamente com Ana Hatherly e Gastão Cruz.
Um poema/simbiose parte sempre de um mote, que é o seu título. Partes das palavras desse mote são usadas para gerar a primeira palavra de cada uma das linhas do poema. As “sobras” ficam arrumadas à esquerda e não fazem parte da leitura.
Os poemas/simbiose aqui apresentados, fazem parte do conjunto “Ditados da Musa Menina” e estão ilustrados em vídeo em https://www.baudasletras.com/poesia/