Moral secular e moral cristã em diálogo

 

 

 

 

 

 

ANTÓNIO JUSTO


Ética e Moral em contexto de Globalismo e Interculturalismo

Moralidade é a resposta a nível de conduta a princípios, valores e regras de comportamento que orientam o ser humano para o bom viver em sociedade no sentido de alcançar a felicidade…

A ética (filosofia moral) serve-se das diferentes concepções de moralidade para buscar princípios universais que orientem o comportamento humano, no âmbito do certo e do errado e procura estabelecer padrões e princípios de comportamento do bom viver para todas as pessoas.

A moral é mais pessoal e culturalmente circunstanciada, estabelecendo o seu comportamento no âmbito do bem e do mal…

A moral secular situa-se fora das tradições religiosas embora integre delas muitos valores secularizados que em vez de assumirem uma relação com Deus buscam a fonte da sua orientação comportamental na razão, na ciência e na legislação estatal…

A moral cristã baseia os princípios éticos que orientam o comportamento humano em Deus, na tradição, na razão e no agir de Jesus Cristo. As normas morais cristãs, pelo facto de estarem sujeitas à consciência pessoal de cada um não contradizem o caracter universal da moral apesar do código formal que as envolve (no cristianismo a consciência individual é a soberana). Parte de um só Deus como elo comum de toda a humanidade e em que todo o humano tem a mesma dignidade inviolável baseada na filiação divina independentemente de crença ou descrença….

Enquanto a moral secular acentua o falar de valores, a moral cristã acentua a virtude (atitudes humanas), isto é, valores aplicados…

A ética (filosofia moral) serve-se das diferentes concepções a respeito da moralidade para buscar princípios universais que governem o comportamento humano, no âmbito do certo e do errado e procura estabelecer padrões e princípios de comportamento do bom viver para todas as pessoas…

A ética secular geralmente orienta a moralidade pelas consequências das acções praticadas tendo em vista o caracter utilitário delas. O padrão de orientação para a moral correcta verifica-se  nas consequências positivas para a maioria das pessoas….

A flexibilidade da moral cristã revela-se no respeito pela consciência individual considerada soberana e pela presença do Espírito Santo como forma de expressar a revelação de Deus a nível individual e no processo histórico…

As desvantagens visíveis na moral secular devem-se sobretudo à precaridade das suas fundamentações a nível de fontes e de autoridade e a não considerarem a pessoa integral pois deixam fora do seu âmbito questões espirituais e existenciais profundas …

A flexibilidade da moral secular pressupõe como consequência o relativismo moral que conduz à atitude de cada cabeça sua sentença e ao possível descrédito de tudo o que é institucional possibilitando um estado cultural confuso e caótico que só viria a servir a institucionalização de um poder autoritário global anónimo preocupado apenas em seguir o espírito do tempo ou em determiná-lo. Por outra parte, em termos sociais, a moral cristã, na sua tendência    para se fixar sobretudo na tradição, revela uma certa inflexibilidade perante as mudanças sociais dando a impressão de chegar atrasada na história. A sociedade, porém, precisa de instituições alternativas estáveis não só viradas para o presente e deste modo temperem o encanto do novo e do provisório de modo a garantir mais responsabilidade humana e histórica no desenvolvimento humano…

Crenças, valores e contextos individuais e culturais entremeiam-se de maneira a pessoas integrarem elementos de ambos os sistemas no comportamento do seu dia a dia e na própria compreensão da sua moralidade.

A substituição da moral pelas leis tornar-se-ia incongruente porque o direito não tem por natureza algo imanente que o fundamente…

Limitar a consciência às necessidades primárias é deixá-la à mercê dos ventos sem saber para onde nos levam e facilitar a organização de poderes hegemónicos e formatadores de consciência de caracter oportuno e anónimo…

Como as pessoas imigradas traziam consigo a sua cultura religiosa específica como forma de identificação, surgem na sociedade europeia morais religiosas diferentes, lado a lado…

Assim surgem tentativas a nível religioso e não religioso de apresentar valores consensuais de referência com validade para uma sociedade querida multicultural e diversa…

Hans Küng criou a Fundação Ética Mundial (Global Ethic Foundation) que defende valores básicos comuns em todo o mundo, baseados em pontos análogos já existentes nas diferentes religiões…

(Atendendo ao caracter meramente funcional da pessoa no islão, ele é beneficiado pelo socialismo, no discurso público) …

Um Estado de caracter globalista e secular orientado pela economia e pelo comércio está interessado em fomentar uma ética secular não baseada na crença em Deus nem na religião e substituir para isso a religião pela ciência e Deus pela razão e o humanismo por um utilitarismo mecanicista…

A razão procura fundamentar valores como dignidade humana, respeito, justiça, compaixão e empatia, baseando-se no direito abstrato de que todas as pessoas são iguais com iguais chances e direitos perante a lei (de notar que já aqui o direito/lei natural contradiz o direito positivo!)…

A ética cristã é de caracter relacional pessoal (centrada no antropológico) de conotação metafísica e a ética secular é de caracter funcional individual abstrato (centrada no sociológico) de conotação materialista (sendo o valor da pessoa concebido em função do colectivo) …

Nesta perspectiva apologética, tanto a espiritualidade cristã como o idealismo secular fundamentar-se-iam igualmente no medo: no medo do castigo no além ou no medo de castigo no aquém. Os princípios éticos não podem ser reduzidos nem à religião nem à ideologia política, podendo-se, contudo, expressar em diferentes morais e costumes!…

Na moral cristã o soberano é o indivíduo e na moral secular o soberano é o colectivo…

A ideia da moral secular de que atitudes éticas constituem elas mesmas a própria recompensa não tem em conta a natureza humana e carece de sentido que vá além das necessidades individuais e sociais (e como tais limitadas a um tipo de sistema ou regime político-social controlador). O ser humano passa a ser o fim de e em si mesmo, o que contradiz o desenvolvimento aberto da natureza, pois em toda ela se constata que há um sentido e este se processa de baixo para cima…

Os arquitetos de uma nova sociedade tentam criar uma supraestrutura comum, mas confrontam-se com uma sociedade multicultural com fronteiras culturais e religiosas e com diferentes medidas do que é certo e do que é errado (veja-se cristianismo, islão e materialismo) …

A pessoa é mais que a sua convicção ou mundivisão e por isso não pode ser avaliada pela sua simples convicção nem pela sua função social…

A ideia da globalização e da moral secular não pode passar por cima dos diferentes biótopos culturais nas suas diferentes maneiras de ser, estar, pensar, sentir e agir (a liberdade que pretende para a pessoa deve possibilitá-la aos biótopos culturais)!…

O fomento da autonomia e da livre vontade, que a moral secular (contraditoriamente) quer ver como propriedade sua, esquece que a pessoa mesmo “autónoma” se define também pelo outro (um tu) e se encontra integrada num meio social e cultural…

Pouco a pouco o Estado foi assumindo ao longo da História o caracter humanitário do cristianismo…

Dignidade humana, autonomia e comunidade são factores complementares que não se podem colocar uns contra os outros, tal como não se deve afirmar o Estado à custa da religião nem a religião à custa do Estado; a realidade social em que nos encontramos obriga uns e outros a atuarem numa atitude de subsidiariedade e de complementaridade sem se combaterem para assi se iniciar uma cultura de paz…

O razoável mais natural é afirmar a diversidade dos biótopos culturais que na sua realização contribuem para um melhor espelho da felicidade da sociedade e do globo (na natureza e sua paisagem temos um sobreiral ao lado de um pinhal e de um eucaliptal sem que um espaço tenha de negar o outro nem de excluir outros!) …

Querer fazer derivar o respeito e o reconhecimento da dignidade humana da justiça social seria cair num círculo vicioso dado a justiça partir da dignidade e do respeito…

A substituição da divindade pela ciência, como pretende a moral secular, também não é consistente dado a própria ciência estar sujeita a mudanças e à confirmação de hipóteses. A moral profana pressupõe o Estado e este revela-se de caracter frágil no decorrer do tempo. Os laços de solidariedade e de justiça social são insuficientes para vincular uma consciência, deixando-a presa ao direito positivo variável, e como tal manca no que respeita à motivação e ao compromisso com a justiça e a solidariedade…

A autoridade moral não pode ser preceituada e pretender baseá-la em estatísticas seria algo aleatório…

Observa-se que uma sociedade ao tornar-se multicultural, para se justificar e autoafirmar inclui nela a luta contra a tradição da maioria e contra a tradição servindo-se para isso de um liberalismo maléfico que conduz ao individualismo deserdado….uma vez perdida a herança cultural perde-se também a sociedade/povo que, na consequência, passaria a ter uma expressão meramente individualizada, caótica e autoritária…

No experimento de um mundo a tornar-se multipolar, tanto as morais religiosas como as morais seculares terão de empreender uma relação de convívio harmonioso na consciência de que são membros ou especificidades dinâmicas de um só corpo…

Nesse sentido seria de se integrar a nível individual e social o Princípio Jesuíno: a Deus o que é de Deus e ao Estado o que é do Estado salvaguardando a soberania da consciência de cada pessoa sem que esta pretenda exercer a soberania sobre o outro. Pressupõe-se, para isso, o reconhecimento recíproco na base do diálogo e do compromisso, na certeza, porém de que a resposta dada pelo cristianismo como modelo abrangente para toda a humanidade tem um caracter de matriz a não perder…

É por isso que a civilização ocidental, sem renunciar ao que foi alcançado, deve reconhecer o pai e a mãe da sua cultura: o judaico-cristão como mãe e o greco-romano como pai.


António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=9220