MIGUEL GARCIA

Francisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia
ANÁLISE GLOBAL DE UMA GUERRA
(MOÇAMBIQUE 1964-1974)

Dissertação para a obtenção do Grau de Doutor em História
Universidade Portucalense
Orientação dos: Prof. Doutor Joaquim da Silva Cunha e
Prof. Doutor Fernando Amaro Monteiro
Porto . Outubro de 2001

II Capítulo

A conflitualidade global permanente, o despertar dos movimentos independentistas e a afirmação da soberania portuguesa em Moçambique

4.4.1. Acção desenvolvida pelo Poder português.

A quarta acção da resposta possível dada pelo Poder português ao desafio colocado pela FRELIMO consistiu numa intensa manobra psicológica com a finalidade de separar as populações da guerrilha, desmoralizar o adversário e fomentar as apresentações. Podendo apenas exercer-se por si, foi utilizada como complemento ou adjuvante de qualquer das outras acções.

Consideramos que a Acção Psicológica desenvolvida pelo Poder português em Moçambique se exerceu sobre as populações (europeia e africana), sobre as Forças Armadas (para apoio das operações e elevação da moral dos combatentes) e sobre os elementos da FRELIMO.

Na fase inicial da guerra, com a criação do Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, a informação pública era orientada para as populações da Metrópole, para a Comunidade Internacional e para as Forças Armadas. Devemos ter em conta que, aquando do início dos acontecimentos em Angola, fazia parte da Constituição que o país era multicontinental e multirracial, entendendo-se que a sua população possuía igualdade de direitos.

Com a intenção de alimentar a determinação de oposição ao inimigo e levar a acção contra-subversiva a bom termo, focaram-se temas como o genocídio iniciado na noite de 15 para 16 de Março de 1961, e prolongado por alguns dias, levado a efeito pelos Bacongos sobre Bailundos e Europeus. Também era necessário ultrapassar a situação de grande impacto psicológico entre os elementos das Forças Armadas e alguns sectores da população civil, criada pela invasão, em 17 de Dezembro de 1961, de Goa, Damão e Diu (1).

A actuação sobre a população europeia metropolitana visava mais o sector da informação pública e da propaganda do que o da Acção Psicológica. Mas, neste âmbito, é de assinalar, pelo grande impacto que tinham sobre a opinião pública, as comemorações do “Dia da Raça”, onde eram entregues em cerimónia pública, medalhas aos militares e ex-militares, bem como a transladação dos corpos dos combatentes para a sua terra de origem e as transmissões televisivas de boas-festas a partir dos diferentes Teatros de Operações.

Grande impacto sobre a opinião pública nacional e internacional iria exercer a viagem efectuada pelo então Presidente do Conselho, Marcello Caetano, em Abril de 1969, às capitais das então designadas Províncias Ultramarinas. Esta visita iria dar mostras inequívocas dos interesses que Portugal mantinha naquelas paragens. Aquela viagem estaria projectada desde que assumira funções e serviria como demonstrativo da afirmação da solidariedade e de apoio às populações e às forças que as defendiam (2). Em Luanda, a 15 de Abril de 1969, afirmava: “(...) A minha presença hoje, em Luanda, traduz a realidade da unidade nacional contra a qual nada podem as distâncias, nem os obstáculos naturais (...)”(3), referindo-se à abertura de capitais, iniciativas e à aplicação de técnicas, sobretudo para valorizar a gente daquelas terras (4). Em Moçambique, especificava que a unidade nacional não prescindia das variedades regionais e da importância do governo local, referindo-se ali também à abertura a capitais e colaborações estrangeiras e afirmando o estilo de humanidade portuguesa, sem barreiras raciais, sendo todos os que nasceram sob a mesma bandeira unicamente portugueses, portugueses iguais à face da Pátria e da lei (5). Persistia assim a mística luso-cristã da integração.

O Relatório de Acção Psicológica N.º 4/69 (6) é explícito quanto ao comportamento das populações brancas residentes em Moçambique, que continuavam a revelar “(...) inconsciência, face à situação da Província (...)”. Aquelas populações, apegadas a expectativas e desconhecendo como enfrentar o fenómeno, deixavam-se conduzir pelo boato, propagavam-no, assumiam comportamentos derrotistas e diziam mal do Exército (7). Contudo, de acordo com o relatório supra-referido (N.º 4/69), reagiam favoravelmente sempre que se promovia a aproximação e estimulava um entendimento.

Em Junho de 1970, o General Kaúlza de Arriaga, referia ainda a Marcello Caetano que as populações brancas estavam pouco interessadas na guerra, situação favorecida pela forma como a informação pública era conduzida e pelas intervenções optimistas como a que ele próprio fizera a 19 de Março de 1971 na R.T.P., através da qual informou como decorriam as operações, provocando grande impacto psicológico na opinião pública (8). Kaúlza de Arriaga, apesar de referir alguns condicionamentos em tom optimista, proclamava a vitória quase certa da guerra em Moçambique, transparecendo para o povo a imagem de uma paz próxima. Mas a população de origem europeia nunca foi um objectivo consistente; a actuação psicológica sobre ela, “(...) pelo menos durante a maior parte da duração do conflito, parece ter sido insuficiente e de efeitos reduzidos (...)” (9).

Com o aproximar de acções militares da cidade da Beira, a consciência da situação emergia, gerando-se o pânico, e a revolta crescente era já assumida, publicamente, contra os militares que não estavam a fazer a guerra e que se encontravam colocados nos grande centros populacionais distantes das frentes de combate.

Com o decorrer da guerra, apesar do muito esforço feito, os mecanismos de accionamento e/ou opinião que utilizavam censura improfícua, propaganda predominantemente “branca” no terreno e Acção Psicológica de tutela dividida (para populações controladas e para não controladas) (10) levaram a que a informação pública respeitante à guerra, que inicialmente, ocorreu com desfasamento, passasse a ser exercida com restrições. Com o arrastar da guerra, a tendência viria a ser acreditar noutras fontes que não as governamentais (11), pelo que, como é obvio, quer o quinta-colunismo quer a subversão extraíram os seus dividendos para accionamento psicológico.

Nos territórios continentais africanos sob administração portuguesa, o Poder considerava que a população ou estava sob controlo português ou sob controlo dos movimentos independentistas ou sob duplo controlo, daí ser necessário conquistá-la mais pelo espírito que pelo controlo físico, consolidando as adesões, anulando o efeito da propaganda adversária e fomentando a apresentação ou, no mínimo, a aceitação da futura recuperação ou até a situação de duplo controlo. O que interessava era o exercício de influência: sensibilizar, cativar; a adesão plena viria a seu tempo (12).

Na procura de meios para manter a “velha ordem colonial” em Tete, o Poder português intensificou esforços na área das Informações e no incremento da presença militar e policial em áreas críticas e adoptou uma nova forma de encarar as populações, sobretudo com impulso e divulgação, segundo João Paulo Borges Coelho, a partir de 1966 (13). A noção de que ganha a guerra quem controlar a população não significou, de forma alguma, a implementação de uma forma mais humanista de a encarar, mas, sim, o desenvolvimento da ideia de que, satisfazendo alguns requisitos e utilizando certos recursos e técnicas, seria possível conduzir a população para o campo das autoridades administrativas. Uma medida central da contra-subversão foi o avivar de rivalidades étnicas e religiosas. O Poder português actuava explorando as dissidências tribais Macuas/Macondes, Ajauas/Nianjas, Macondes combatentes/Rongas e Tongas do Sul (chefes do movimento).

No campo de acção sobre as populações, numa estratégia global de aproximação quer aos grupos etno-linguísticos e religiosos quer às autoridades tradicionais, não pode deixar de referir-se que o Governador-Geral, Baltazar Rebelo de Sousa, pronunciou a Sura de Abertura (Al-Fâthia) do Alcorão via rádio, na noite de 17 de Dezembro de 1968, cerca do termo do Jejum anual, fechando depois com a saudação ritual a Mensagem com que, pela primeira vez na História do Ultramar Português, aquele Poder se dirigia aos muçulmanos como tal e falando na linguagem dessa comunidade. Aquele governante projectava ainda como órgão interlocutor do Governo-Geral com as Comunidades Muçulmanas, a realização do Conselho de Notáveis (14), em similitude ao Congresso do Povo, na Guiné. Também o Comandante-Chefe de Moçambique se dirigia às populações por mensagens, por exemplo, aos Macondes, incitando-os ao abandono da luta e assegurando-lhes melhor vida se estes se entregassem.

As populações deixavam de ser espectadores, em nosso entender, e passavam a ser actores num teatro cujo pano de fundo era a disputa pelo seu controlo.

Apesar de em 1964 a RMM ter difundido o plano de Acção Psicológica relativo à actuação sobre as populações (15), esta visão de etnicidade estratégica só vai ser impulsionada pelo relatório de Ferraz de Freitas, “A conquista da adesão das populações”(16), onde se referem explicitamente os conceitos de comandamento, accionamento e outros, os quais visavam em última análise transferir para o controlo português as populações, assumindo e defendendo aquela ordem. Assim, consideramos 1965, e não 1966 como refere João Paulo Borges Coelho, como o ano em que o Poder português começa a encarar as populações de uma nova forma, posto que o relatório de Romeu-Ivens Ferraz de Freitas data do ano de 1965.

Face ao elevado grau de importância da resposta psicológica, numa guerra que envolvia essencialmente a conquista e adesão das populações, em nosso entender, justificava-se para o Poder português a existência de um serviço de Apsic a nível nacional, que no entanto nunca chegou a existir, encontrando-se o conjunto das actividades relacionadas com esta acção dispersas por diversos órgãos e entidades o que, parece-nos, prejudicou muito o impacto final sobre os diferentes alvos. Este facto, associado a uma tardia e insuficiente organização da estrutura militar, nesta área, não possibilitou o lançamento oportuno e eficiente de uma campanha de contra-propaganda nem o combate, com êxito, ao efeito de lassidão.

Quando a guerra eclodiu, faltavam ainda as estruturas de Acção Psicológica, pois, anteriormente, era habitual atribuir essas responsabilidades à 2ª Repartição dos Quartéis-Generais (Repartição de Informações). Só em 1963 viria a ser criada uma sub-secção de Acção Psicológica, integrada na Secção de Contra Informação da referida repartição do Estado-Maior do Exército. Reconhecendo o trabalho meritório e essencial da Sub-Secção de Acção Psicológica da 2ª Repartição do EME, mesmo que de forma não coordenada e orientada por órgãos de escalão superior e admitindo erros que teriam sido compensados pelos resultados já obtidos, o Ministro do Exército, por despacho de 4 de Julho de 1965, individualiza a Sub-Secção em Secção de Acção Psicológica (17). A filosofia subjacente à separação da Intelligence da Acção Psicológica resultou do controlo pela FRELIMO de população que não podia ser confundida com o “In”. Nesta data, em Moçambique, a Apsic conduzida pela RMM foi orientada sobretudo para neutralizar a propaganda da FRELIMO. A rentabilidade desta acção foi afectada pela falta de orientação e coordenação, a nível da Província, de todos os órgãos com possibilidades de participarem naquela actividade, não só pela já tradicional falta de verbas e pessoal especializado, mas ainda pela falta de coordenação, de continuidade e de generalização das acções desenvolvidas (18).

Assim, nesta ordem de ideias, e de acordo com Almiro Canelhas (19):

– havia casos em que só a estrutura militar se preocupava com a Apsic sobre a população, e o administrador alheava-se do assunto;

– outras vezes sucedia o inverso: só o administrador tinha acção junto das populações, enquanto o militar (Capitão, em geral) apenas tratava da parte operacional e não colaborava na Apsic;

– também acontecia que nenhuma dessas autoridades estavam mentalizadas e dispostas para o trabalho de adesão de populações;

– finalmente, sucedia também que as autoridades actuavam separadamente ou mesmo em conflito, e as consequências eram desastrosas.

O facto de não existir uma coordenação nos diversos níveis não impediu que, com os meios disponíveis, tivessem sido publicados regulamentos específicos e outras instruções ministradas nos cursos de formação de especialistas, estágios e palestras. Em todos os Teatros se promoveu a criação de jornais da Unidade e jornais de parede. Foram criados os centros informativos, promoveram-se palestras, apresentaram-se fotografias, filmes e publicações diversas, dísticos e cartazes. A nível do Estado-Maior do Exército, salientamos o Boletim de Informação e os folhetos da colecção “Soldado! Coisas importantes que deves saber” e da RMM, a publicação semanal do boletim “Do Comandante ao Combatente”.

Face a um contexto internacional tão adverso e à diversidade de instrumentos e métodos utilizados pelos movimentos independentistas para desenvolverem a sua Acção Psicológica, as dificuldades em vencer eram enormes para Portugal. No caso de Moçambique, embora fossem registados progressos, assinale-se que, face à extensão do território e à intensificação das actuações militares, muito haveria que aperfeiçoar. Ainda no último trimestre de 1969 se sentia a falta de unidade de doutrina e uma ausência de directivas comuns civis-militares que definissem, com precisão, as responsabilidades de Acção Psicológica sobre as populações (20).

Em finais de 1970, encontrava-se já em funcionamento o Gabinete Provincial de Apsic, que dispunha, praticamente, só de pessoal militar. Apesar da incipiente organização, a sua utilidade fora posta à prova em diversos trabalhos, nomeadamente na exploração psicológica da apresentação do Régulo Manuel Catur e do dirigente da FRELIMO, Miguel Murupa, “(...) conseguindo-se uma perfeita coordenação civil-militar, a todos os níveis, que nunca teria sido possível sem a existência daquele órgão (...)” (21). Esta coordenação, no entanto, não era sistemática. Nos Distritos do território, exceptuando o de Moçambique, o pessoal quer militar quer civil não se dedicava em exclusivo à Acção Psicológica sobre as populações (22), daí que os resultados esperados de um Gabinete, que só reunia esporadicamente, não podessem ser proveitosos, inviabilizando qualquer resposta às actividades subversivas.

Em Tete e no Niassa, o Gabinete foi prontamente organizado. Em Nampula, funcionava apenas com militares e, nos restantes Distritos, ainda não estavam constituídos, verificando-se assinalável diferença no impulso da Apsic. Porém, em consequência da organização do Gabinete, conseguiu-se iniciar a distribuição às autoridades administrativas de documentação de Apsic pré-planeada para as populações presentes (23).

Só em 1970 é criada uma Comissão Interministerial com o objectivo de, a nível nacional, planear e coordenar a Apsic e a actividade dos diversos ministérios interessados. Esta Comissão só três anos depois promulga a Directiva n.º 1/73, subintitulada “Guerra Psicológica em Angola e Moçambique, 1973”(24). Nunca se passou de actividades dispersas de alguns órgãos e entidades tanto civis como militares, porém com impacto nítido no campo da Acção Psicológica. Na base daquela criação prevalecia certamente a noção pelo Poder, de que a guerra era global. E tardaria...

Porém, apesar da falta de estruturas e de um plano concertado para actuar àquele nível, algumas medidas foram tomadas com vista a atingir quer a população de origem europeia quer a população autóctone. Destaca-se o labor legislativo quer do Governo Central quer do Provincial. Aqui, inscreve-se a Lei Orgânica do Ultramar Português, Lei N.º 5/72, que vem procurar dotar todas as Províncias de governos, competindo a Moçambique e Angola estruturas que corresponderiam às de um Governo e de uma Câmara Legislativa, como competia aos Estados federais. A nível provincial (território de Moçambique), a publicação da Directiva Geral de Apsic Civil-Militar n.º 1/71 (25), difundida em simultâneo pelo Governo-Geral e pelo Comando-Chefe, e da Directiva Particular, para a defesa psicológica de Tete (26), constituíram o complemento doutrinário das Normas de Execução Permanente (NEP) de Acção Psicológica do Comando-Chefe e das fichas de instrução. Todavia, apesar dos progressos verificados, não se pode afirmar que a Acção Psicológica tenha atingido o nível desejado pelo Comando-Chefe. Havia ainda casos de falta de mentalização, que, por vezes, impediam a aplicação judiciosa da doutrina estabelecida (27).

Tendo por base as orientações definidas nas directivas da Comissão Interministerial, o Secretariado-Geral de Defesa Nacional, por directiva conjunta com o Ministério do Ultramar, orientou as acções a desenvolver no Ultramar. É exemplo dessa actuação a Directiva Ministerial n.º 1/73, de 15 de Fevereiro de 1973, já referida.

Esta directiva estabelecia para os Estados de Angola e Moçambique as missões de informação pública, propaganda, contra-propaganda, informação psicológica e missão de formação técnica. Especificava ainda as suas preocupações e salientava a definição das responsabilidades do Governo-Geral/Comando-Chefe para a Apsic sobre:

– populações presentes e inimigo clandestino;

– populações fugidas e inimigo declarado;

– populações de outra parcela do território nacional;

– populações em países limítrofes;

– populações de países estrangeiros;

– as Forças Portuguesas e elementos de organizações subversivas no estrangeiro.

A partir da difusão desta directiva, era depois elaborada nos territórios uma directiva local, que abrangia as autoridades civis e militares. Daqui, a nível militar, eram emanadas directivas em todos os escalões, que se desdobrariam em planos de acção trimestrais. Porém, apesar do esforço, meio ano depois ainda se especificava, em Directivas do Comando-Chefe, a necessidade de se desenvolver uma Apsic em colaboração com as autoridades administrativas com vista essencialmente a uma maior consciencialização e determinação das Forças Armadas, quer em benefício da actividade operacional quer em proveito dos programas governamentais de reordenamento, progresso sócio-económico e segurança das populações presentes. Era ainda referida, expressamente, a necessidade desta coordenação civil/militar, por forma a desmoralizar os elementos da subversão e da população por eles controlada e a que se efectuasse a sua apresentação, neutralização da propaganda e exploração de apresentados, capturados e libertados do controlo da FRELIMO, através da difusão sonora aérea, promovendo a cisão FRELIMO/população (28).

Sobre as suas tropas o Poder português exerceu também importante esforço, procurando manter e fortalecer a moral dos combatentes. A Apsic sobre estas desenvolveu-se através da realização de sessões de esclarecimento, jornais de parede e de unidade, cartazes, programas de rádio e símbolos heráldicos, entre outros. Para além de procurar manter a moral e a eficiência, a Apsic foi orientada de molde a obter a comparticipação consciente na manobra sócio-económica e na dignificação e promoção do nativo.

Houve acções que contribuíam para o êxito da Apsic sobre as Forças Armadas, como foi o caso das visitas de artistas, figuras públicas e altas entidades, destacando-se a actuação do Movimento Nacional Feminino e da Cruz Vermelha Portuguesa, que funcionavam como factor de elevação da moral dos combatentes, através de acções como a promoção do Natal do Soldado e das madrinhas de guerra, a visita aos feridos e a oferta de lembranças, entre outras. Marcello Caetano é, contudo, um severo crítico de toda a actuação do Exército sobre as suas próprias forças. Segundo ele, este pouco ou nada fazia para mentalizar os seus homens e motivá-los, de modo a emprestar-lhes combatividade; “(...) em geral, e sobretudo nos últimos tempos, o Exército ia cumprindo sem entusiasmo e sem zelo (...)”(29). Era o desgaste provocado por uma guerra prolongada e sem solução à vista.

Quanto ao designado In, a actuação portuguesa procurou isolar as populações da subversão, desmoralizá-lo, transmitindo-lhe uma sensação de insegurança e mesmo de impotência e procurando, em última análise, a sua rendição e posterior colaboração.

A Acção Psicológica orientada para o apoio das operações militares visava o objectivo triplo das forças inimigas combatentes, os respectivos quadros políticos e as populações sob a sua influência. Quando os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas antes, durante e depois das operações. Nestas actuações, eram utilizados os diversos instrumentos e meios de propaganda e contrapropaganda, na maioria dos casos, as emissões de rádio, altifalantes, panfletos e, após captura, o contacto directo e pessoal, dependendo a utilização e o doseamento de diversos factores, como sejam a disponibilidade daqueles, da fase de operação em causa e da correspondente finalidade, e exerciam-se acções militares punitivas, que visavam desgastar o “In” pela atrição. A Acção Psicológica exercida em apoio das operações militares podia ser pré-planeada ou de oportunidade; aproveitando estas condições vantajosas em exploração do sucesso ou como esclarecedora, do tipo “operação verdade”.

A RMM desenvolvia Acção Psicológica pré-planeada, dispensando particular atenção às competições desportivas, cerimónias religiosas, assistência sanitária, banjas, cerimónias de hastear e arrear da bandeira (30) e distribuição de panfletos e cartazes, fotogravuras e dísticos, explorando temas como; “Portugal, nação pluricontinental e multirracial”, “Muitas raças, todos portugueses”, “Todos contra a subversão para termos a paz”, “A independência não tem cor”, “Povo português é povo africano”(31). As “banjas” serviam para esclarecer, auscultar anseios e mentalizar as populações para a integração na Nação Portuguesa. Sobre as forças portuguesas procurava-se efectuar contrapropaganda.

As declarações dos “apresentados” eram exploradas no apoio às operações, não só armadas como também psicológicas, dado que, além do dispositivo, conseguiam-se analisar as motivações das populações sob controlo subversivo e ir ao encontro delas. A exploração das apresentações dos dirigentes dissidentes, como o de Verónica Namiva, ex-chefe da LIFEMO, Alexandre Magno, ex-chairman da FRELIMO para a Zambézia, Timóteo Zuca, ex-chefe guerrilheiro, Lázaro Nkavandame e Miguel Murupa, através de entrevistas na RTP, conferências de imprensa, escrita de artigos e palestras, eram feitas com planeamento ou na exploração do sucesso de operações (32).

No apoio a operações, destacamos o que foi concebido para a operação “Nó Górdio”, onde, além de acções punitivas e de imposição de soberania, esteve envolvida em conjugação uma manobra psicológica, que se desenvolveu ao longo de toda a operação. Esta acção teve por base um estudo prévio das populações Maconde, nomeadamente dos antecedentes históricos e das motivações que conduziram à subversão. Com base neste estudo, definiram-se os objectivos psicológicos a atingir, elaboraram-se temas para os alcançar e escolheram-se os processos para os pôr em prática. Em seguida, elaborou-se um plano de acção, adaptado às diversas fases da operação militar. Inicialmente, esta operação teve uma fase de desmoralização e descrédito da FRELIMO; posteriormente, uma fase de ameaça e terror (aquando dos ataques), seguida de uma propaganda de rendição (33).

Para fazer face à fuga das populações durante a operação, o Comando-Chefe procurou influenciar a adesão, ou no mínimo, a apresentação de população, difundindo temas como: “A guerra continua”, “Serão sempre perseguidos pelas Nossas Tropas”, “Para fugirem à guerra e alcançarem a paz, deverão dirigir-se para Chai e Antadora onde serão bem recebidas”, “Caso não ouçam estes conselhos, voltarão a ficar sujeitas às acções das Nossas Tropas dentro de alguns dias”(34).

Durante a operação, exploraram-se todos os acontecimentos com interesse para os objectivos a atingir, dando notícias dos êxitos alcançados pelas Forças Armadas Portuguesas e reproduzindo mensagens gravadas por elementos apresentados ou capturados. Fizeram-se cerca de 129 horas de voo com transmissão ininterrupta de mensagens à zona onde decorriam as acções, distribuíram-se 1 milhão de panfletos. Nesta acção, em exploração de apresentados ou de notícias relevantes, produziram-se cerca de 100 mil panfletos, distribuídos num prazo máximo de 36 horas. As fases da operação com maior relevo foram fotografadas e filmadas(35).

Este tipo de actuação tem uma difícil avaliação de resultados, pois as atitudes dos indivíduos visados são influenciadas por uma multiplicidade de factores. Apesar de tudo, o Poder português avaliava os resultados, entre outros processos, pelas declarações de apresentados ou capturados, pela análise da contrapropaganda da FRELIMO e pelo número de apresentações efectuadas.

Nas Forças Armadas Portuguesas, nomeadamente a nível do Comando-Chefe, acreditava-se que a Acção Psicológica portuguesa era ouvida, compreendida e aceite e que a população já se convencera de que a FRELIMO não podia ganhar a guerra, não se apresentando, porque fugira da zona, dos tiros e da fome que pudessem vir a passar nos aldeamentos ou porque receava represálias (morte de familiares). Concluía aquele Comando que a acção realizada, francamente vantajosa, fora apenas o iniciar de um trabalho que se deveria prolongar (36).

Na Rádio Tanzânia, Samora Machel referia: “(...) a acção terrorista portuguesa é cinicamente combinada com uma Acção Psicológica de sedução (...) só tem como objectivo enfraquecer a moral dos combatentes e criar a confusão nos quadros (...)”(37), especificando a Rádio Moscovo noutra emissão: “(...) Nos últimos tempos as operações portuguesas têm actuado intensamente num outro campo – a arma psicológica. Com frequência surgem dos céus aviões dos colonialistas, que deixam atrás de si uma longa nuvem de panfletos (...) apresenta-se como a parte que, por assim dizer, é obrigada a empregar as armas em resposta às acções dos terroristas. Estes são subterfúgios verdadeiramente miseráveis (...)”(38). Estas passagens são reveladoras das preocupações quanto aos efeitos morais que a actuação portuguesa podia provocar (39).

As populações — fortemente pressionadas pelas acções militares e psicológicas, quer de propaganda quer de contrapropaganda, de ambas as partes em confronto, vivendo em clima de insegurança permanente e passando grandes privações, entraram num estado de desiquilíbrio psicológico, susceptível de conduzir ao dissociar do binómio população-guerrilha, nomeadamente quando este processo se encontrava em fase inicial (40). Aquelas que se encontravam refugiadas nas matas acusavam cansaço da guerra, saturação da vida no mato e descrença nas promessas da FRELIMO, sendo no entanto as suas apresentações em número considerado de pouco expressivo. Esta situação era atribuída pelo Poder português, em princípio, à melhoria das condições que a FRELIMO estava a proporcionar nos campos de refugiados, à estreita vigilância por parte dos guerrilheiros e ao medo de eventuais represálias a que as populações estavam sujeitas quando as fugas eram detectadas. Além do mais, aqueles refugiados/deslocados serviriam de recrutamento e aproveitamento de auxílio internacional (41).

Criava-se um clima de instabilidade psicológica, quanto à apresentação ou não às autoridades administrativas, dado o volume de propaganda das partes. Depois, o agrupar de muitos elementos de etnias distintas ia contra o seu sentido de liberdade, acontecendo, por vezes, a fuga dos aldeamentos, apenas pela não conformação com o modo de vida ou de habitação. Alguns acontecimentos, como já referido em 4.3, como a cobrança antecipada do imposto, as dificuldades alimentares e as epidemias, contribuíram para aumentar aquela instabilidade psicológica, agravada, muitas vezes, pelo slogan utilizado pela FRELIMO “Muita gente junta morre mais”, o que contribuía para a visão negativa dos aldeamentos (42). A procura de locais, onde não existissem nem “brancos nem terroristas”, já em Novembro de 1967 estava dificultada, pois quer as FAP quer a FRELIMO se deslocavam a toda a parte, criando, assim, um fluxo de apresentações e de fuga, por vezes relacionado com a junção do agregado familiar, que poderia estar refugiado além – fronteira ou aldeado (43).

Em Cabo Delgado , apesar das restrições aos movimentos dos cerca de 100 mil indivíduos controlados pela FRELIMO, continuavam a registar-se apresentações em número que era interpretado como uma tendência com significado. Estas e, eventualmente, a captura podiam traduzir alguma desmoralização. Contudo, verificava-se em simultâneo, como vimos. fugas de aldeamentos, em grande parte atribuídas à falta de condições dos mesmos, tendo no entanto a FRELIMO dificuldades de progressão para Sul, face à resistência oferecida pelos Macuas-Metos (44). No Niassa, continuavam a verificar-se apresentações em número significativo, mas de populações vindas do Malawi e da Tanzânia. Naquele Distrito, as populações, aldeadas ou não, ou colaboravam com as autoridades ou pelo menos não colaboravam com a FRELIMO. Em Tete, a generalidade da população encontrava-se numa constante instabilidade psicológica, alternando-se as apresentações com fugas, surgindo resistência à construção de aldeamentos e ao seu apoio, algumas populações mostravam comprometimento, outras colaboravam com as autoridades (45). As apresentações podiam ser devidas às melhorias em alguns dos aldeamentos, factor que, aliado à Apsic desenvolvida, constituía motivo de atracção para a população, atingindo-se, no 1º trimestre de 1971, as 2000 apresentações. Segundo fontes militares portuguesas, as populações aldeadas deste Distrito davam provas (forma de reagir aos ataques), desde que garantida protecção eficaz, de preferirem o controlo do Poder português ao da FRELIMO (46), especificando essa mesma fonte, a espontaneidade com que um avultado número de elementos da população se oferecia para constituir Grupos Especiais (GE) e o entusiasmo contagiante pela autodefesa (47).

No Distrito de Vila Pery, as populações revelavam neste período (1971), alguma inquietação. Em Gaza, verificava-se alguma contaminação (índice 2), assim como em Lourenço Marques. Mas salientamos as acções de propaganda desenvolvidas na Universidade daquela cidade, onde a campanha era escutada e alastrava entre alguns professores e alunos, sendo difundidos documentos iguais aos que circulavam na Metrópole e mesmo afixados cartazes nas instalações (48).

Na área dos Macondes era evidente uma progressiva deterioração da situação. A subversão continuava a progredir em Tete, e registavam-se sinais de agitação entre as massas negras em Lourenço Marques, Gaza e Inhambane (49). A preocupação psicológica do Comando-Chefe era sobretudo, dirigida para as regiões em que a subversão se encontrava na fase de agitação, a fase como vimos em II.1 deste estudo, de maior intensidade de actuação por propaganda, coacção e instabilidade. Aquele Comando acreditava também que a atitude de adesão das populações ao controlo da FRELIMO era mais causada pelo medo do que resultante de uma adesão espontânea, sendo assim, passível de recuperação. Esta opinião era sustentada pelo elevado número de autoridades tradicionais vítimas de morte.

Da Acção Psicológica desenvolvida pelas autoridades civis, destaca-se a actividade do GIFOP (Gabinete de Informação e Formação da Opinião Pública), criado por despacho do Governador-Geral e Comandante-Chefe, Costa Almeida, a 25 de Janeiro de 1967 (50). Este Gabinete era presidido pelo Secretário-Geral, Dr. Álvaro Gouveia e Melo, e integrava o director dos SCCIM, Tenente – Coronel Costa Freire, o subdirector da PIDE e um delegado do gabinete do Comando-Chefe. Visava estudar e determinar os métodos e sistemas de propaganda e contra-propaganda, com vista ao accionamento de informação e formação da opinião pública no sector contra-subversivo. O órgão distrital COCAP (Comissão de Coordenação de Acção Psicológica), dirigido pelo Governador-Geral, e que integrava Forças Armadas, SCCIM, PIDE e serviços públicos, foi apenas criado em meados de 1968. Foram desenvolvidas diversas actividades de informação e de contra-propaganda, com a finalidade de atingir os vários grupos humanos quer em território de Moçambique quer no dos países limítrofes, quer ainda na opinião pública internacional. Em paralelo, a Rádio Voz de Moçambique transmitia programas em línguas nativas. Porém, dadas as limitações dos emissores de que resultava uma deficiente cobertura do território e para além dele, a nova estrutura terá conduzido a resultados pouco proveitosos para a Administração. Destacamos ainda o papel da R.T.P., com o envio de equipas de reportagem para obter gravações de mensagens dos soldados.

Face à constatação de uma carência de meios financeiros e de pessoal tecnicamente habilitado para a condução da Acção Psicológica, o GIFOP promoveu a realização de estágios de Apsic nas sedes dos Distritos, destinados as autoridades administrativas. Estes foram ministrados por elementos dos SCCIM e por um oficial oriundo do Comando-Chefe (51).

Por Directiva do GIFOP de 27 de Março de 1967, dava-se início a uma operação psicológica em cuja execução conjunta foram pela primeira vez orientadas e interessadas, em simultâneo, as autoridades administrativas, as Forças Armadas e Militarizadas, a imprensa, a rádio e elementos da população devidamente seleccionados e preparados (52). O GIFOP desencadeou a Operação Psicológica Alfa, visando a rendição ou abandono da luta por parte dos elementos da FRELIMO e incitando as populações fugidas a apresentarem-se às autoridades. Todavia, face à inexistência de prévia coordenação com as autoridades administrativas, não foi possível explorar convenientemente os resultados obtidos (53).

As falhas das estruturas de informação reflectiam-se negativamente na Apsic, quer em Moçambique quer na Guiné. Apesar de as massas islamizadas se encontrarem controladas pelo Poder português, carecia este último de deter o completo conhecimento da sua tessitura, nomeadamente a articulação e respectivo comandamento externo, não fossem estas, por qualquer motivo ou conveniência, inverter a sua posição perante a Administração Portuguesa.

Para o êxito do recurso por parte de um estado não confessional a mobilizações de massas que incluíam avultadas comunidades muçulmanas, é importante deter aquele conhecimento para, assim, o Poder ser capaz de transposição, quando em situação negocial com os polarizadores da respectiva força sócio-religiosa. Mas a eficiente concepção e o oportuno lançamento de operações de Acção Psicológica não são menos importantes. Assim, o Poder português não se podia permitir a erros nem, sobretudo, hiatos no faseamento daquelas operações (54), pois, como não muçulmano, poderia ver-se em situação de “réu” perante essas comunidades. Naquele território procurou-se conhecer, nomeadamente a partir de 1965, a teia muçulmana sunita e torná-la interlocutora das autoridades administrativas.

Entre 1968 e 1972, exceptuando casos pontuais, as autoridades muçulmanas do território integraram o esforço da resposta da Administração Portuguesa à subversão. O plano de Acção Psicológica dos SCCIM para accionamento da massa muçulmana passava por quatro fases: detecção, captação,comprometimento e accionamento (55).

Uma vez analisado o contexto cultural e as estruturas – «fase de detecção», iniciada em 1965 – , seria necessário passar à fase da captação. Esta fase (desde 1967/1968 até 1972), passava por:

1º mostrar que o Poder conhecia e respeitava o Islão como religião revelada;

2º mostrar que o Poder se queria comunicar e sabia como e junto de quem fazê-lo momento a momento;

3º mostrar que o Poder queria reconhecer ao Islão moçambicano a sua importância sócio-religiosa, cultural e política, criando estruturas de consulta permanente ou estimulando a ampliada revelação da/s que, porventura espontânea/s, existisse/m já;

4º no seu desenvolvimento, explorar as ideias-força associadas entre si, de preservação da cultura muçulmana/difusão da Língua Portuguesa, divulgando a Administração textos islâmicos fundamentais em Português, com o aval dos quadros muçulmanos, identificando-os assim com a Administração Portuguesa.

A fase de comprometimento visava dois níveis de objectivos:

1º conotar com a Administração e, activamente, contra a subversão todos os principais dignitários islâmicos do território, entrando em processo irreversível e arrastando as populações;

2º radicar nos demais a compreensão de que, se acaso emergindo do secundarismo e passando a primeiro nível, os esperava forçosamente a opção de 1º.

Aqui, no auge da captação, o comprometimento = identificação deveria ser simultâneo para os elementos captados e para a massa, que, atenta, observava. Este era um momento de grande melindre. Era importante eliminar riscos de uma assumida consciência de força e de uma auto-estima por parte dos condutores das comunidades islâmicas moçambicanas, que tergiversassem para um dos dois riscos calculados: a adesão à subversão ou a retracção perante os acontecimentos. Na primeira eventualidade, os efeitos seriam incalculáveis, na segunda hipótese, a mais provável, evoluiriam para as sintomatologias afins da «nacionalidade de recurso» (56).

A 4ª e última fase deste plano dos SCCIM, o accionamento, envolveria activamente as populações islamizadas na luta contra-subversiva, como verificaremos na III parte deste estudo.

Este projecto arrojado procurava promover um “Conselho de Notáveis” (órgão a funcionar junto do Governador-Geral), pela via do qual se desencadeasse aquele envolvimento. Era necessária muita cautela e evitar factores de controvérsia nesta área tão sensível, nomeadamente quando este conjunto de pessoas, que se sabia controlarem mecanismos de comunicação sócio-política vitais para a segurança, davam sinais de se aperceber estarem já sob controlo enquanto órgão potencial; era preciso não suscitar, sob pretexto algum, razão para que se invocassem a liberdade de consciência, o princípio do não-constrangimento ou o seu acrisolado sentido de escrúpulo religioso (57).

No mesmo espírito que presidiu ao Concílio Vaticano II e numa escala global, Paulo VI, dirigira em Novembro de 1972, uma mensagem de amizade aos Muçulmanos de todo o mundo. A nível territorial, a aproximação surgira já a 6 de Setembro de 1966, com a “Carta Fraterna do Bispo de Vila Cabral, D. Eurico Dias Nogueira, ao Muçulmanos da sua Diocese”. O mesmo Prelado repetiria a actuação com a construção de uma mesquita geminada com uma capela e numa sessão da Comunidade Islâmica de Lisboa em Junho de 1970 (58).

Uma outra atitude importante na captação, por parte do Poder português, embora este menos cerceado do que a Igreja no plano de uma especulação estética e emotiva sobre temáticas de interesse comum, foram as mensagens dos Governadores-Gerais em 1968, 1969, 1970 e 1972, que colheram a maior satisfação nas Comunidades islamizadas (59).

A Apsic era também encarada ao nível da aliança ALCORA. A ameaça psicológica aos países membros era detalhadamente analisada, disso sendo demonstrativo o documento sem data, classificado de Muito Secreto intitulado “Ameaça Psicológica Alcora” (60). Esta ameaça resultava da existência de “componentes”(61) (assim é designado no documento original) adversos aos princípios, objectivos e fins que orientavam a política Alcora. No documento em análise, estes “componentes” eram caracterizados, e, bem assim cada um dos respectivos elementos constituintes. Após esta cuidadosa análise, eram definidos os “alvos” visados e estabelecidas prioridades. Estas, a nível interno, especificavam a necessidade de manter a situação psicológica das Forças Armadas e das populações e se possível, melhorá-la, procurando ainda desacreditar a campanha psicológica adversa aos territórios. A nível externo, definia-se uma actuação coordenada sobre a opinião pública mundial. Assim, pretendia-se desenvolver uma “operação verdade” na “componente” Europa Ocidental, no intuito de através do esclarecimento de informação e de contrapropaganda, incentivar o esforço de conquista dos mais receptivos, visando sobretudo as elites desses países e, em especial, os alunos das escolas de jornalismo, diplomática e militares. No “componente” africano, projectava-se actuar sobre os países “moderados”.

 
 

 




 



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