A resposta portuguesa à subversão, «resposta possível», foi global, abrangendo as vertentes militar, político-diplomática, social e psicológica. Em Moçambique, para além das acções de pacificação e submissão, como era tradicional fazer-se contra as sublevações étnicas, a resposta no período de 1964-1974 traduziu-se sobretudo naquilo que designamos por acção sócio –económica e psicológica, procurando o Poder português desequilibrar as populações em favor do seu controlo. Contudo, para ser rendível, uma acção desta natureza pressupunha informações precisas e os diversos órgãos em sintonia no seu esforço de pesquisa, para saber como, onde e quando se deveria actuar.
A «presciência» ou «previsão» de Sun Tzu (1), a «previsão» referida em “O Príncipe” de Maquiavel (2) e o «conjunto de conhecimentos do inimigo» que Clausewitz (3) refere são demonstrativos da necessidade de dispor de um eficiente Serviço de Informações, cuja existência tem de preceder a respectiva necessidade. Esta é uma actividade decisiva em todas as guerras, e, numa guerra de natureza subversiva como a desenrolada nos territórios africanos pela obtenção da independência, tornavam-se ainda mais importantes. Sem elas, as Forças Armadas não saberiam onde se encontrava o inimigo, muito menos quem este era, dada a sua diluição no seio da população. Além do mais, eram não só fundamentais para as actuações armadas como valiosíssimas para o planeamento e condução de Apsic rendíveis. Para John Cann, a pesquisa de informações constituiu a pedra fundamental da actuação portuguesa, tendo a eficácia da sua rede contribuído decisivamente para sustentar o esforço durante 13 anos (4) .
A FRELIMO carecia também de um sistema montado para, no mínimo, saber das movimentações e intenções das Forças Armadas, por forma a actuarem antecipadamente. Assim, para ambas as partes, as Informações eram o garante da surpresa.
Sun Tzu mencionava que “(...) isto não é uma doutrina baseada no pressuposto que o inimigo virá, mas sim contando com a prontidão para o encontrar; não supor que ele não atacará, mas antes tornar-se a si próprio invencível (…)" (5). Assim, para ser capaz de tão complexa tarefa, deve o Estado dispor de um eficiente Serviço de Informações, por forma a prestar apoio isento e esclarecido aos órgãos de soberania.
Os territórios ultramarinos só começaram a ser controlados do ponto de vista da intelligence com alguma eficiência em 1936 (6), altura em que a 4ª Repartição (Negócios Políticos) da Direcção-Geral de Administração Política e Civil do Ministério das Colónias, nos termos do § 2 do Artigo 8º da Constituição, passou a estudar a política colonial e os regimes de liberdade de imprensa, de reunião e de associação, pois até aí os elementos que possuía para apreciar como se governava e exercerem recolha de informações eram apenas informais.
A Legião Portuguesa, estruturada através do Decreto-Lei N.º 29233, de 8 de Dezembro de 1938, cuja esfera de acção, por Lei, deveria abranger todo o território nacional, incluindo o ultramarino, organizou um Serviço de Informações que nunca operou no Ultramar. Em 1950, foi organizado e estabelecido o SGDN (7) (Secretariado-Geral da Defesa Nacional), comportando uma 2ª repartição com a incumbência, entre outras, de estabelecer e accionar os Serviços de Informação Estratégicos. Em 1954, reorganizou-se a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado) (8) e, pelo Decreto-Lei N.º 40541, de 2 de Fevereiro de 1956, foi colocada sob a alçada do Ministro do Ultramar toda a actividade daquela corporação nos territórios ultramarinos. Entretanto, em Agosto de 1956, foi publicada a "Lei da Organização da Nação para a Guerra” (9), que criou o Conselho Superior Militar. Na base XXI, atribuía ao governo a competência para orientar tudo o que respeitasse à segurança interna e às actividades de carácter informativo que interessassem à defesa nacional, designadamente no que se referia à prevenção de actos de subversão, à repressão da espionagem e dos actos de entendimento com o inimigo, à manutenção da ordem pública, aos refugiados e à guarda dos elementos e serviços vitais da economia nacional.
Pelo exposto, verifica-se que, quando do despoletar dos acontecimentos em Angola, existia já uma estrutura no campo das Informações, conquanto aquém das necessidades. A actuação da Administração Portuguesa não se enquadrou no espírito de Maquiavel, para quem "(…) não se deve deixar eclodir uma grave rebelião para fugir a uma guerra, pois isso equivale apenas a adiá-la, com desvantagens (…)" (10); com efeito, a 2ª repartição do Quartel-General da Região Militar de Angola em 1960 era já conhecedora — através da captura de um plano do MPLA — das eventuais acções violentas a desencadear no dia 30 de Março de 1961 (11). Por isso, não podemos dizer que o Poder português tivesse sido surpreendido com aquela situação; apenas não respondeu, preventivamente, com uma actuação capaz, por forma a evitar os massacres.
É um facto que as datas dos incidentes em Angola e da reprovação da moção da Libéria no Conselho de Segurança das Nações Unidas são coincidentes, que Portugal enfrentava movimentos independentistas com apoio/fomento internacional, com suporte ideológico, com estruturas de apoio no exterior e com uma intensa utilização dos meios de comunicação social. Contudo, mesmo não tendo sido apanhados de surpresa, e num contexto internacional tão desfavorável, a acção sócio-económica poderia ter sido antecipada, e a rebelião reprimida antes de se revelar; assim, para fugir à guerra, Portugal terá adiado o problema, ficando em desvantagem; é pois falsa a premissa de que a guerra subversiva só tem solução política.
Os diversos organismos que trabalhavam as Informações estavam distribuídos pelos serviços específicos dos vários ministérios, mas, o seu esforço era descoordenado e em sobreposição, induzindo muitas vezes o Governo Central em erro relativamente a várias situações.
No âmbito das Informações estratégicas, além da PIDE, Portugal tinha como estruturas consentidas a 2ª Repartição da Secretaria Geral da Defesa Nacional, a Direcção Geral dos Negócios Políticos do Ministério do Negócios Estrangeiros e o Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar.
Naquele período, tal como hoje, aqueles a quem compete a tomada de decisões dentro dos órgãos de soberania de que eram os últimos responsáveis necessitavam de um organismo que centralizasse e coordenasse as informações dos vários serviços existentes e que elaborasse análises oportunas e prospectivas sobre problemas ou atitudes, que envolvessem decisões àqueles níveis. Desta forma, evitar-se-ia a dispersão.
Assim, apesar de colaborarem mais ou menos estreitamente e a PIDE exercer a centralização (embora esta missão nunca lhe tivesse sido atribuída), não existia uma entidade, a nível governamental, que exercesse a actividade de centralização e coordenação, de modo a tratar as informações de interesse para a Administração, defesa e política do país, mesmo quando do final das campanhas. Ainda hoje, os diversos serviços trabalham em competição e sobreposição, pelo que se torna necessário criar um serviço com essa missão específica.
Quando o General Venâncio Deslandes foi nomeado para o cargo de Governador Geral e Comandante-Chefe das Forças Armadas em Angola, decidiu-se criar um verdadeiro SCCI(s) (Serviço de Coordenação e Centralização de Informações) (12), sendo os SCCIM (Moçambique) criados pelo Decreto n.º 43761, de 29 de Junho de 1961. Desta forma, no Ultramar, resolvia-se em parte aquela carência, sendo a coordenação a nível inferior feita através dos contactos directos entre as entidades interessadas ou pelas comissões de contra-subversão. A nível provincial, estes serviços constituíram um elemento fundamental na conduta da política nacional e das operações militares (13). Tinham como missão centralizar, coordenar, estudar, interpretar e difundir informações que interessassem à política, à administração e à defesa das respectivas Províncias. Estes serviços procediam à análise das informações de carácter estratégico e produziam estudos específicos. Efectuavam pesquisa, na medida do indispensável, exploratória (se urgente ou a requerer especial qualificação) do que sabiam pelas outras vias, e aberta (raríssimas vezes coberta). A sua informação não se destinava ao aproveitamento operacional táctico. Todavia eram, em simultâneo, órgãos do Governo-Geral e do Comando-Chefe (com subordinação hierárquica e administrativa ao primeiro).
Junto dos SCCI funcionava a então designada Comissão de Informações, cuja constituição era designada pelos Governadores-Gerais, com a finalidade de, em reuniões periódicas, coordenarem toda aquela actividade (14). Finalidade que não cumpriam.
Tendo em vista a adaptação às novas situações criadas, o alargamento a outras áreas e “(...) ao reforço e à melhoria da coordenação e publicação de normas regulamentares e doutrinárias sobre a matéria (...)” (15), as estruturas dos Serviços de Informações sofreram várias alterações. Assim, quando do 25 de Abril de 1974, a situação, quanto a tais órgãos, era a seguinte (16):
– No Secretariado-Geral da Defesa Nacional, a 2ª Divisão centralizava e coordenava a actividade dos SIM (Serviços de Informações Militares);
– No Ministério do Ultramar, o Gabinete dos Negócios Políticos (17) centralizava e coordenava as informações recebidas dos SCCI (Serviços de Centralização e Coordenação de Informações) das Províncias Ultramarinas e procurava desempenhar idêntico papel quanto às produções de Jorge Jardim na matéria;
– No Ministério do Interior, estavam integradas as Forças Militarizadas e a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) (18), depois DGS (Direcção Geral de Segurança) (19). Esta última trabalhou sempre em competição com os Serviços de Centralização e Coordenação das Províncias Ultramarinas. Desta Direcção-Geral “(...) avultavam a qualificada informação estratégica e a detalhada informação táctica, que fornecia às Forças Armadas (...)” (20).
– No Ministério dos Negócios Estrangeiros, a Direcção Geral dos Negócios Políticos centralizava e coordenava as informações recebidas por via diplomática e consular.
A actividade de Informações envolve um complexo processo de definição e orientação do esforço de pesquisa, avaliação, análise, integração e interpretação das Informações, as quais devem ser oportunas, precisas e adequadas. Na guerra revolucionária, o esforço de pesquisa deve ser orientado não só para o inimigo e para o meio, mas também para a população, o ambiente e o objectivo último na luta. A pesquisa, em Informações, constitui um meio privilegiado para a obtenção de dados relativos ao conhecimento da tessitura humana e da sua postura no confronto. Logo é actividade essencial na prevenção.
Na guerra que se travou em de África (1961-1974), cada serviço tinha os seus métodos e agentes próprios. O grande óbice residia na coordenação, centralização de notícias e informações das diversas proveniências. Apesar da criação dos SCCIM, que permitia uma melhor articulação e “recorte”, face à morosidade de circulação das informações e à dificuldade de as fazer chegar em tempo útil, perdia-se a oportunidade. Os SCCIM nunca conseguiram fazer-se aceitar perante os canais militares e/ou a PIDE (depois DGS) como orientador do esforço de pesquisa ou mesmo impor-se aos canais da administração civil (21).
A nível das Informações militares em Moçambique, desde 1964 que estavam estabelecidas as bases e inscrita no terreno a estrutura do Serviço de Informações, de modo a garantir um rendimento apreciável em tempo de paz, mas com necessidade de adaptação nas áreas onde se iniciou a 3ª fase da subversão. O Relatório anual de Comando da RMM, datado de 1964, considerava como factores que contrariavam um bom rendimento:
– As áreas de pesquisa serem muito extensas;
– As populações estarem dispersas e as vias de comunicação serem reduzidas, nomeadamente no Norte e Centro;
– A existência de diversas dificuldades na transmissão oportuna de factos com interesse;
– O insuficiente rendimento da exploração local e processamento das notícias colhidas, que dificultavam o conhecimento geral e pormenorizado da situação da FRELIMO nos escalões mais elevados;
– O insuficiente número de oficiais habilitados na RMM, que não possibilitava a realização de trabalhos de planeamento e previsão;
– A elaboração de documentação de difusão interna oportuna.
No que diz respeito à colaboração com outros serviços, salienta-se que a PIDE e a PSP colaboraram sempre com os SIM (22).
A pesquisa táctica era efectuada a nível da companhia de caçadores, que não possuia no entanto qualquer estrutura de Informações a nível orgânico, nem sensibilidade trabalhada para tal. Só a partir do Comando de Zona, a nível militar, apareciam verdadeiras estruturas de Informações. Os Batalhões laboravam com base na pesquisa efectuada pelas unidades operacionais, que realizavam diversos tipos de operações de informação. Normalmente utilizavam os métodos HUMINT (Human Intelligence), IMINT (Imagery Intelligence), COMINT (Communications Intelligence), exploração de elementos informadores, documentação e equipamento apreendidos, interrogatórios de prisioneiros ou capturados, depoimentos de apresentados, reconhecimentos aéreos e do terreno e escuta de rádio, entre outras, sendo a melhor fonte o contacto com o adversário e o pessoal capturado, que era explorado logo a nível de escalão de Companhia (23). Nas Normas de Execução Permanentes da RMM, era referido explicitamente: “(...) mais do que em qualquer outro tipo de guerra, o carácter das operações militares, em Moçambique, exige a colaboração total de todos os combatentes que, em serviço, ou fora dele, devem prestar o máximo da sua atenção e dedicação a tudo o que os rodeia, de modo a constituírem órgãos de pesquisa activos e permanentes do SIM/RMM (...)”(24). Existiam ainda equipas especiais de Informações, que se constituíam em unidades de caça, destacando-se a do Tenente miliciano Orlando Cristina, o qual desempenhou depois papel de relevo junto a Jorge Jardim e, enfim, na Resistência Nacional Moçambicana.
Era imperioso que a utilização táctica das Informações fosse feita em tempo oportuno e logo fornecidas de imediato ao comandante. A restante informação era fornecida e difundida através de diversos tipos de relatórios. As fugas de informação resultavam em actuações militares falhadas, encontrando as forças apenas o local abandonado (25).
O emprego de agentes infiltrados secretos e de informadores, já referido por Sun Tzu (26), é imprescindível em qualquer conflito. Conduzem um conjunto de actividades necessárias para o conhecimento do adversário, como alterar informações, corromper ou subverter oficiais ou mesmo "(…) exacerbar a discórdia interna e fomentar o Quinta Colunismo (…)" (27). Estes agentes, que no fenómeno subversivo são designados por agentes subversivos, podem ser empregues em simultâneo, mas não podem "(…) ser suspeitos (...) não se podem desmascarar facilmente (…)" (28).
No confronto Poder português/FRELIMO, as partes utilizaram profusamente esta figura. A PIDE infiltrava elementos na organização subversiva, subornando/chantageando ou forçando quadros daquela frente. Por outro lado, a FRELIMO, para além de utilizar mulheres na recolha de informações (29), colocava os seus agentes em locais chave da Administração e do Comando-Chefe (30).
Nas Normas Gerais para a Actividade da Informação na Província de Moçambique, postas em execução pela portaria N.º 18773, de 17 de Julho de 1965, do Governo-Geral de Moçambique, estabeleciam-se os princípios da relação entre os serviços de informação civil e os militares e definiam-se as responsabilidades relativas no esquema geral de planificação das Informações na Província. Nestas, especificava-se que o Governador-Geral e o Comandante-Chefe eram os responsáveis pela política de informação a seguir nas Províncias, dentro de cada sector de competência. Ao primeiro competia fixar as normas para as actividades da informação, ouvido o Conselho de Defesa, bem como determinar as medidas necessárias para aumentar a eficiência no território das actividades de informação. Ao Comandante-Chefe competia coordenar as acções do SIM. O Conselho de Defesa, entre outras atribuições, apreciava as normas gerais sobre Informações.
A integração das notícias e informações pesquisadas era feita pelos Serviços de Informações Militares (SIM), pela PIDE (depois DGS) e pelos SCCIM. A PIDE era utilizada em assuntos específicos com interesse militar e estava organizada provincialmente, distritalmente e com brigadas a nível local. Este serviço, que trabalhava muito bem a nível de pesquisa operacional, já não era tão bom na análise. Além do mais, tinha estreitas ligações com o Poder político, em Lisboa, não aceitando, assim, a coordenação local (31). Aos SCCIM, entre outras atribuições, competia orientar, coordenar e accionar todos os órgãos do Serviço de Informação Civil (SIC), bem como coordenar os SIC e as autoridades civis com o SIM ou o SIC com a PIDE (32). A nível da administração civil, actuava a própria malha administrativa.
Estes eram os canais de informação formais. Porém, informalmente, Jorge Jardim tratava de Informações através dos seus próprios serviços, os Serviços Especiais de Informação e Intervenção, sediados na Beira e chefiados pelo Major Arnaud Pombeiro,
0s Serviços de Informações eram e são um órgão indispensável para a elaboração em tempo oportuno de relatórios, estudos prospectivos e análise sobre os mais diversos assuntos. Numa guerra de cariz subversivo/revolucionário, cuja organização é clandestina, onde é empregue uma diversidade de meios, e com a “(...) justaposição, em superfície, dessa organização com as forças da ordem e com a população (...)”(33) a torná-la mais complexa, a orientação do esforço de pesquisa e a obtenção das almejadas notícias sobre o adversário são claramente dificultadas.
Nesta ordem de ideias, a primeira fase do ciclo de produção de informações, ou seja, a orientação do esforço de pesquisa, exigia, para o caso português, no período em análise ou outro, que as estruturas estivessem sensibilizadas e instruídas para tal esforço; "(…) ora a eficiência haveria de começar (...) por quem concebendo os planos de pesquisa e/ou orientando o respectivo esforço, compreendesse a globalidade do conflito e apercebesse com sensibilidade as suas especificidades no teatro (…)" (34). Numa fase posterior, carecem os executores de uma preparação mínima, quanto ao terreno humano. Clausewitz acrescenta, a respeito da necessidade de se conhecer antecipadamente o inimigo através das informações, que "(…) a guerra não deve ser para o soldado, e é um ponto extremamente importante a primeira vez que entra em contacto com a realidade, que à primeira vista tanta surpresa e embaraço lhe causa. Bastava que a tivesse visto anteriormente uma única vez que fosse e já se sentiria semi-familiarizado com ela (…)”(35). Em Portugal, a difusão de informações era feita a todos os escalões por diversos tipos de relatório, sendo que os Supintrep (Relatório Suplementar de Informação), pelos conhecimentos essenciais que proporcionavam, cobriam um vasto leque de assuntos com interesse para as operações e para as acções em proveito da população (36), contribuindo, em muito, para a captação das que estavam sob influência preferencial dos movimentos independentistas (37).
Apesar de toda a estrutura de Informações montada e a funcionar, surgiam algumas falhas. Uma falha no sistema e respectiva rede de Informações, com consequências graves para o desenrolar da guerra, ocorreu em 1969 em Tete, quando a manobra da FRELIMO mudou de ataques maciços a Cahora Bassa para a politização da população. Esta alteração táctica permitiu-lhe um rápido alastrar, apanhando os portugueses desprevenidos (38). As falhas na estrutura deviam-se, quanto ao caso de Moçambique, a uma interacção de factores negativos, como o enfraquecimento sectorial da tónica estratégica, acentuada dualidade civil/militar, inadequada (senão ausente) coordenação do esforço de pesquisa e uma disfunção na análise global. A nível do esforço de pesquisa, eram necessários quadros informados sobre as estruturas clânicas e tribais das sociedades negras, para assim poderem accionar mecanismos de comunicação paralelos, ou convergentes, como as linhas de influência islâmica (39). Ainda em 1974 se referia a necessidade de se estabelecer um Serviço de Informações adequado, que detectasse convenientemente, em toda a Zona de Acção, a actividade da FRELIMO. Este serviço serviria de base a toda a actividade (40).
Vimos que a designada por “resposta possível” passa pela estreita coordenação de acções militares, sociais, político-administrativas e psicológicas, pelo que, no planeamento de operações deste tipo, além de efectuar os estudos da missão, do terreno, do inimigo, dos meios e do tempo disponível, impõe-se realizar um estudo das populações sob o ponto de vista étnico, linguístico e religioso (41).
Com base nestes estudos, deve também avaliar-se a projecção de alguns grupos étnico-linguísticos para além –fronteiras, devendo, em cada país, definir-se muito bem as etnias interiores e as transfronteiriças causadoras de problemas diversos, que necessitam de ser avaliados, equacionados e resolvidos.
Do ponto de vista religioso, deve-se ter a noção de que se considerava que as religiões tradicionais africanas privilegiavam o tribalismo, que o islamismo esbatia esse mesmo tribalismo e gerava tendências polarizadoras, que o cristianismo protestante provocava tendências divisionistas, que as igrejas afro-cristãs e as seitas religiosas geravam tendências desagregacionistas ao passo que o cristianismo católico era unificador (42).
Para garantir a sobrevivência e a subsistência das populações rurais devem ainda ser feitos estudos sobre a calendarização das chuvas e das fases das culturas tradicionais alimentares, as pastagens, as condições de armazenamento de sementes e forragens e a necessidade de recurso às apanhas silvestres.
Os primeiros estudos sérios serão dos SCCIM, destacando-se de 1965 a 1968 a vasta pesquisa concebida e controlada por Fernando Amaro Monteiro, tendente entre outros objectivos a identificar e caracterizar, na óptica do conflito, quer no domínio interno como no da possível projecção externa, as lideranças das populações muçulmanas de toda a Província (43); seguiu-se-lhe pelo mesmo elemento dos SCCIM, entre 1968 e 1972, uma série de pesquisas de campo, em aberto, por todo o território, que apuraram os resultados finais do trabalho começado em 1965. São de realçar antes, em 1965 o pormenorizadíssimo estudo sobre “A conquista da adesão das populações” de Romeu Ivens Ferraz de Freitas (44), com uma carta étnica detalhada, e em 1966, “Prospecção das forças tradicionais – Manica e Sofala”, de José Alberto Branquinho (45).
Também a 2ª Repartição do QG/RMM produz em 1967 os relatórios “Populações de Moçambique” e “Panorama Religioso de Moçambique”, onde, para além da caracterização sociológica de cada grupo etno-linguístico e das suas fronteiras, se explicita a malha de controlo sobre as autoridades tradicionais e a população em geral, e as suas relações com o exterior (46). Este trabalho de Informações revertia em favor de uma actuação prática e efectiva sobre as populações.
Reforçando as dificuldades que se opunham às actividades dos vários Serviços de Informações, pela limitada capacidade de meios, técnica e estrutura territorial, o Comando-Chefe registava em 1965 uma maior rentabilidade do esforço da FRELIMO, mercê do melhor conhecimento do meio, das populações e dos seus dialectos. Além disso, estes começavam a evidenciar uma adequada técnica de guerrilha no contacto com as populações autóctones. Manifestavam-se agressivos e violentos, empregando a força quando necessário para aniquilar qualquer actividade “gentílica” (designação referida no relatório em análise) que lhe fosse desfavorável. Reduziam assim o número de elementos de que os Serviços de Informação ou a administração se poderiam servir para pesquisa de notícias (47).
A FRELIMO desenvolveu esforços de aliciamento tendente à conquista da adesão das populações em todo o território, tendo o SIM detectado em todos os Distritos focos de subversão incipientes ou mais desenvolvidos. Aquela Frente evidenciou, em quase todos os casos, uma perfeita e bem realizada Acção Psicológica dirigida às populações, explorando, entre outras, as condições ambientais, as falhas ou incorrecções das autoridades, menos cuidado ou atenção na resolução dos problemas dos autóctones.
O Poder, desafiado pela FRELIMO no controlo das populações, procurou assim seguir a máxima de Sun Tzu:"(…) se ignorante de ambos, do inimigo e de ti próprio, estarás de certeza em perigo em todas as batalhas (…)" (48). No Ultramar português, apesar do conhecimento dos movimentos independentistas e da sua doutrina, a reacção portuguesa foi lenta. No entanto, procurou sempre, nesta disputa pela população, preservar a que tinha sob seu controlo, dissociar o binómio população/inimigo e captar população sob duplo controlo, através de uma intensa manobra psicológica (49). Estamos em crer, se fizermos o aferimento entre os conceitos expostos e os pensamentos de Sun Tzu e Clausewitz, que seria necessário o Poder português, ou qualquer outro, reservar para si o controlo unificado do binómio Informações/Acção Psicológica.
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