As grandes potências não foram as únicas apoiantes de todos os movimentos independentistas. Estes contavam com o apoio de organizações internacionais como a ONU e a OUA, recebendo, no seio da ONU, o apoio conjunto dos Estados Africanos Independentes e dos países e organizações ocidentais socialistas, democráticas, trabalhistas, religiosas, entre outras, que se encontravam crescentemente sensibilizados contra o chamado imperialismo e colonialismo, invocando o direito dos povos à autodeterminação (1). Este apoio da comunidade internacional produzia resultados de diversas formas. Segundo Lord Gifford: “(...) it isolates the colonialists; it acts as a spur to nations to give greater bilateral support; it reminds those nations whose support is weak where their duty lies; it produces tangible material benefit to the liberation movements (...)”(2).
Em 12 de Dezembro de 1965, pela Resolução A/2105(XX) da Assembleia Geral, no quadro de acção que visava a aplicação da Resolução A/1514(XV), foi proclamada a legitimidade da luta dos povos sob dominação colonial, e a Resolução 2107(XX) da mesma Assembleia foi específica para os povos de territórios sob Administração Portuguesa. Nesta “Resolução”, foi feito ainda um apelo para que todos os Estados, através da OUA, prestassem auxílio político, moral e material aos povos em luta nesses territórios.
A esta “Resolução” da Assembleia Geral várias outras, com a mesma orientação, se lhe seguiram. Assim, a 12 de Dezembro de 1966, a Assembleia Geral pela Resolução A/2184(XXI) condenou como crime contra a humanidade a política do governo português, por violar os direitos económicos e políticos da população, procedendo à instalação de emigrantes estrangeiros nos territórios e enviando trabalhadores africanos para a África do Sul. A condenação formal da guerra colonial, travada pelo Governo Português contra os povos dos territórios sob sua dominação surgiu apenas a 17 de Novembro de 1967, com a aprovação da Resolução A/2270(XXII), apelando a todos os Estados para que prestassem o auxílio moral e material necessário para que aqueles povos pudessem desfrutar dos seus direitos inalienáveis.
Através da Resolução A/2507(XXV), de 21 de Novembro de 1969, a Assembleia Geral solicitou ajuda moral e material acrescida para que, em cooperação com a OUA, todas as instituições especializadas e todas as organizações internacionais interessadas apoiassem aqueles mesmos povos em luta pela liberdade e independência. Em Dezembro do mesmo ano, com a Resolução A/2707 (XXV), de 14 de Dezembro, não só foi requerido ao Governo Português a aplicação das Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949 — relativas ao tratamento de prisioneiros de guerra e aos combatentes da liberdade capturados, como foram convidados os Estados, as instituições especializadas e os outros organismos da ONU, em coordenação com a OUA, a fornecerem ajuda financeira e material necessária para o prosseguimento da luta.
O reconhecimento oficial, como sendo os movimentos de libertação nacional os representantes autênticos das verdadeiras aspirações dos povos daqueles territórios, surge apenas a de 14 de Novembro de 1972, através da Resolução A/2918(XXVII).
Também o Conselho de Segurança — este com outro peso institucional, uma vez que as suas decisões são vinculativas para os Estados Membros da Organização — adoptou diversas resoluções atinentes ao problema ultramarino português (3). Assim, reafirmou, a 31 de Julho de 1963, a urgente necessidade do reconhecimento, por parte de Portugal, do direito dos povos sob sua administração à autodeterminação e independência e à negociação com os representantes autorizados dos partidos políticos, dentro e fora dos territórios, garantindo a independência de acordo com as aspirações da população, com vista à transferência de poderes para instituições políticas, livremente eleitas (4). Pela Resolução 312, datada de 4 de Fevereiro de 1972, apelou também ao Governo Português para que cessasse as actividades militares e todos os actos de repressão contra as populações de Angola, Guiné e Moçambique, reconhecendo a legitimidade das lutas de libertação, na procura da autodeterminação e independência. Aquela Resolução referia ainda, expressamente, a necessidade de Portugal não violar a soberania e a integridade territorial dos Estados africanos (5).
No plano Internacional, as Nações Unidas, com atitudes, tais como o reconhecimento da legitimidade da luta armada, a admissão de representantes dos três principais movimentos independentistas da África então portuguesa (MPLA, PAIGC e FRELIMO), com o estatuto de observadores, na Assembleia Geral, em Setembro de 1972, e a legalização da ajuda material, proporcionaram um auxílio significativo à causa dos movimentos, pois, segundo a própria FRELIMO, o conhecimento da luta de libertação nas colónias portuguesas “(...) has become more widespread with the establishment of closer ties — both politically and materially — in Europe, Asia and Africa. A victory was finally achieved over the Portuguese colonialists when we were given observer status in the Fourth Committee of the UN General Assembly. In the OUA, where before our problems were discussed in our absence, we now participate fully in those discussions although we do not have the right to vote (...) ”(6).
A Carta da OUA, assinada em 25 de Maio de 1963, em Addis-Abeba, segue o princípio lógico e doutrinal da Carta da ONU e também o seu conceito de estratégia, hoje maximalista. Esta Carta revela uma especial preocupação, face ao conceito de Paz, mas também aos de Defesa e de Segurança, denunciando uma consciência de vulnerabilidades específicas.
A problemática moderna ampliou muito o conceito de Defesa, pois o conceito de Guerra foi também alargado. Podemos dizer que se inverteu a máxima clausewitziana, e que a política passou a ser a continuação da guerra por outros meios. Nesta ordem de ideias, modificaram-se, necessariamente, os conceitos de Defesa e Segurança. Nos nossos dias, Defesa significa Segurança alargada a todos os domínios. Assim, a guerra trava-se na política, na economia, na diplomacia, nos transportes e comunicações, na educação e na cultura, na saúde, no ambiente, na ciência e na técnica. A Carta da OUA, nomeadamente desde o Preâmbulo ao Art.º 3º, denota esta preocupação.
A Carta não refere, explicitamente, o problema da intangibilidade das fronteiras herdadas do passado colonial. Este problema apenas é levantado no Cairo, em 1964, onde, na Conferência de Chefes de Estado e de Governo da OUA, a 21 de Julho, é adoptada uma resolução relativa ao respeito da integridade territorial, mantendo as fronteiras já definidas (7).
De acordo com o Preâmbulo da Carta da OUA, os povos têm o direito inalienável de determinar o seu próprio destino, sendo considerados objectivos essenciais para a satisfação das suas necessidades a liberdade, a igualdade e a justiça, acordando os signatários em eliminar o colonialismo de África, sob todas as suas formas e declarando dedicar-se, sem reservas à causa da emancipação dos territórios ainda não independentes.
Decorrendo da noção que as potências participantes têm sobre as vulnerabilidades nacionais provocadas pelas suas fronteiras traçadas artificialmente, encontra-se expressa no Preâmbulo da Carta uma vincada preocupação: “(...) reforçar a compreensão entre os nossos povos e a cooperação entre os nossos Estados, a fim de corresponder às aspirações das nossas populações (...)”(8). Note-se que não é por acaso que ali se faz a distinção entre Povos, Estados e Populações. A este propósito, questionamo-nos se por povos se entenderá nações, porque nem sempre, na maioria dos casos de África, existe uma justaposição entre povo/nação, muito embora os governos e os regimes saídos dos movimentos independentistas pugnem pelas suas identidades nacionais. No Preâmbulo avulta ainda a preocupação de unidade que transcenda “(...) divergências étnicas e nacionais (...)”.
Pensamos ser possível chegar a uma conclusão, a propósito de divergências étnicas e nacionais: a guerra revolucionária lançou a priori o anátema sobre aquilo que afinal manipularia com perícia, ou seja, os mecanismos de comunicação sócio-religiosos e as linhagens clânicas, que fogem ao controlo do Estado, porque anteriores à formulação das fronteiras e porque subsistentes.
Esses mecanismos que foram manipulados e ao mesmo tempo anatematizados, em relação ao futuro, dada a preocupação preambular da Carta da OUA, onde também se especifica a salvaguarda e a consolidação da independência e da soberania duramente conquistadas, bem como da integridade territorial. Assim, de acordo com o Art.º 2º, “(...) os Estados Membros coordenarão e harmonizarão as suas políticas gerais (...)”, onde se inclui a Defesa e Segurança.
Em teoria, a libertação de África constitui uma prioridade da Carta, mas, na prática, os chefes de Estado, “(...) conscientes das reacções que podiam suscitar as suas políticas, tiveram a tentação de transformar a OUA numa espécie de Santa Aliança (...)" (9). Enquadra-se neste contexto, o N.º 5 do Art.º 3º da Carta, que diz: “(...) condenação sem reserva do assassinato político, bem como das actividades subversivas (...)” (Em nenhuma outra Carta se diz isto), “(...) exercidas por um Estado vizinho ou quaisquer outros Estados (...)”. A Carta revela a consciência existente por parte dos Estados Africanos de que o processo de combate em que eles próprios são parte interveniente carece de know-how e de especificidades que podem, no amanhã, voltar-se contra quem as acciona. Não esqueçamos que a guerra subversiva é uma operação técnica que envolve X componentes, Y linhas de actuação, mas que pode visar uma globalidade, a globalidade revolucionária.
A Carta traduz o receio do uso de santuários e de cadeias informais de comunicação, já referidos, uma vez que esses são vulneráveis a eventuais manipulações. Ao apoiarem movimentos independentistas/rebeldes, os Estados Membros da OUA têm consciência de que accionam, directa ou indirectamente, ingredientes melindrosos. Daí, a preocupação de uma Defesa/Segurança tão alargada que os conduziu a, por escrito, contemplarem o fenómeno subversivo, reconhecendo, assim, também a especificidade e a densidade dos terrenos humanos sobre que assentam. As preocupações reflectem, ainda, para os Poderes estatais, o desiderato de um dinamismo que antecipe as situações.
Se nos reportarmos ao que foi referido no início deste capítulo, percebemos o porquê do apelo ditatorial, numa urgência de tentar encontrar e mesmo promover quatro acções oportunas, na resposta a uma guerra de cariz subversivo, quando declarada: a resposta de imposição de soberania através de acções militares, acções socio-económicas, político-administrativas e psicológicas. Por terem de obedecer a uma coordenação muito estreita e recorrer forçosamente ao binómio Informações/Acção Psicológica, como referimos anteriormente, só um Poder totalitário pode dar estas respostas e, mesmo assim, com dificuldade o consegue fazer. As disposições cautelares da Carta da OUA procuram a profilaxia da corrosão dos próprios poderes formais.
O N.º 6 do Art.º 3º refere a “(...) dedicação sem reserva à causa da emancipação total dos territórios africanos ainda não independentes (...)”, sendo, nesse espírito, que, em Rabat, no decorrer da Nona Conferência da OUA, de 12 a 15 de Junho de 1972, foi decidido que os participantes aumentariam em 50% o fundo especial de apoio ao Comité de Libertação (10). No que diz respeito a Portugal, foram adoptadas resoluções no sentido de solicitar a todos os países africanos que cortassem relações, rejeitassem a reforma constitucional portuguesa, através da qual era prometido conceder maior autonomia aos territórios africanos; condenassem a construção da barragem de Cahora-Bassa e Cunene, e apelando a todos os países que retirassem, rapidamente, a sua comparticipação na realização desses projectos (11).
O Rei Hassan II de Marrocos, na qualidade de presidente em exercício da OUA, a 16 de Junho de 1972, dia seguinte ao encerramento da Nona Conferência da Organização, pediu aos países africanos limítrofes dos territórios a libertar que permitissem servir de bases para as operações dos movimentos de libertação, suportando os inconvenientes dessa situação — direito de perseguição e de represálias — e defendendo ainda a criação de um dispositivo de dissuasão que evitasse represálias da parte de quaisquer países exteriores a África (12). Defendeu também a ideia de que, se um movimento de libertação quisesse ser verdadeiramente formado e organizado, tinha de constituir um governo no exílio, com os seus ministros e primeiro ministro, pedindo o reconhecimento não somente dos países africanos mas também dos países amigos. Este reconhecimento, em nosso entender, teria de ser apenas tácito, pois nem à FRELIMO nem ao COREMO tinha sido reconhecido o estatuto de beligerante, condição necessária para se adquirir os direitos e os deveres de um Estado (13). Além do mais, o eventual novo Estado de Moçambique só foi admitido na ONU a 18 de Agosto de 1975 (14), e esta apenas admite Estados.
A 25 de Maio de 1963, em Addis-Abeba, não foi só criada a OUA. Ali também se tomaram importantes resoluções das quais destacamos a referente à descolonização (15). Nesta resolução, reafirmava-se o dever de todos os Estados africanos de apoiar os povos da África que lutassem pela sua liberdade e independência. Decidiu-se ainda criar um fundo especial para proporcionar auxílio financeiro e material aos movimentos de libertação africana e adoptaram-se medidas no sentido de que os territórios já independentes acolhessem os nacionalistas dos movimentos de libertação, assegurando a sua formação e favorecendo o trânsito de material. No ponto 11 desta resolução, foi decidida a criação de um Comité de Coordenação, denominado Comité dos Nove, que tinha por objectivo último coordenar a libertação de todos os territórios africanos sob dominação colonial, bem como organizar o auxílio às lutas travadas pelos países membros, as organizações e os indivíduos e encorajar os movimentos independentistas a criar frentes unidas (16). No fundo, visava, fundamentalmente, a procura de apoio diplomático, material e mesmo moral para os Povos empenhados em alcançar a independência, canalizando e coordenando esse apoio.
Os delegados dos movimentos independentistas, presentes aquando da constituição do Comité, informaram aquele órgão da capacidade de recrutamento de 500 mil homens «combatentes da liberdade», desde que se constituísse um «fundo de libertação» no valor de um milhão e meio de libras (17). Este projecto, face às contrariedades, nunca chegou a ser concretizado.
A OUA, ao criar este Comité, à semelhança da Comissão de Descolonização da ONU, passa também a conferir estatuto internacional aos movimentos independentistas.
De uma via pacífica para a resolução dos problemas das lutas de libertação, nos primeiros tempos, a Organização enveredou pelo apoio material aos movimentos independentistas e às vítimas do colonialismo e do racismo (18). Porém, a atitude de apoio a fornecer aos partidos independentistas mudou no último quadrimestre de 1967. Se, até aí, a Organização visava o apoio aos partidos considerados suficientemente fortes, numa tentativa de evitar proliferações, passou a apoiar todos os partidos com capacidade de influenciar a situação da área em que se propunham actuar. Contudo, procurava coordenar essas actividades segundo objectivos estratégicos programados, distribuindo missões e campos de actuação, variando o auxílio em função dos resultados (19). Mas, já em Março desse ano, face à falta de resultados, quer em Tete quer na Zambézia, a OUA recusou um pedido de aumento de apoio financeiro à FRELIMO (20). Esta situação foi alterada em Junho de 1971, pois decidiu-se aumentar o auxílio a movimentos independentistas e criar, nos “países hospedeiros”, Comités mistos de defesa, compostos por oficiais do Quadro Permanente dos países membros da OUA, por forma a haver uma maior coordenação e uma ajuda mais eficaz (21).
Em 19 de Maio de 1973, o Conselho de Ministros da Organização aprovou a “nova estratégia para a libertação de África”, preparada em Janeiro desse ano, em Accra, pelo Comité de Libertação (22).
O documento elaborado em Accra, baseado na Declaração de Mogadíscio, de 1971, que referia ser a luta armada o único meio para libertar a África Austral, acrescenta que essa mesma luta armada devia ser considerada como um “todo indivisível” e que convinha coordenar as actividades dos diversos “movimentos de libertação”, retomando uma ideia já antiga — a criação de frentes unidas e a repartição do seu auxílio aos movimentos de libertação — competindo à FRELIMO 25% do total dos fundos disponíveis (23). A repartição do auxílio pelos movimentos de libertação seria: 25%, PAIGC; 30%, comando unificado MPLA/FNLA; 10%, SWAPO; 5%, ANC e PAC; 5%, outros movimentos (24).
O então já designado Comité dos 17 (25) sugeria ainda que a OUA prestasse assistência por um período indeterminado, aos “movimentos de libertação” reconhecidos por aquela organização, cessando a assistência, quando um movimento se revelasse mais potente do que outros que actuassem no mesmo território (26). Neste caso, apenas aquele seria reconhecido pela OUA, não recebendo os outros qualquer auxílio da organização. A assistência deveria findar também, quando não tivesse sido criada qualquer “frente unida” e nenhum movimento que actuasse nesse território provasse a supremacia sobre os outros.
Em 1974, em face dos êxitos obtidos, os apoios aumentaram a ritmo crescente, conjugando a ONU e a OUA esforços, no campo político e diplomático para o reconhecimento internacional da FRELIMO, o que podia conduzir a uma declaração de independência, como na Guiné, esboçando a OUA uma estratégia militar que podia terminar numa intervenção directa no conflito (27).
Na acção subversiva, metódica e eficiente, ultrapassando os conceitos de frente e retaguarda, o apoio de organizações como as Nações Unidas e a Organização de Unidade Africana legitimou a luta, internacionalizando-a politicamente. Porém, foi sobretudo o apoio bilateral que permitiu manter a acção dos movimentos.
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