MIGUEL GARCIA

Francisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia
ANÁLISE GLOBAL DE UMA GUERRA
(MOÇAMBIQUE 1964-1974)

Dissertação para a obtenção do Grau de Doutor em História
Universidade Portucalense
Orientação dos: Prof. Doutor Joaquim da Silva Cunha e
Prof. Doutor Fernando Amaro Monteiro
Porto . Outubro de 2001

II Capítulo

A conflitualidade global permanente, o despertar dos movimentos independentistas e a afirmação da soberania portuguesa em Moçambique.

4.2. A acção militar

Neste sub-capítulo iremos referir a resposta dada pelo Poder português nas acções de afirmação da soberania (na sua vertente exclusivamente armada) e em complementaridade com a resposta política. Especificaremos as diferentes alterações do dispositivo e as subsequentes adaptações resultantes das diferentes áreas e da intensidade do esforço desenvolvido pela FRELIMO. Abordaremos ainda as operações militares de afirmação/imposição da soberania desencadeadas e que envolveram um considerável volume de homens e meios. As pequenas operações de curta duração, das quais foram realizadas alguns milhares ao longo de todo a guerra, eram diárias e envolviam poucos meios, consistindo em acções de nomadização, onde se efectuavam reconhecimentos, golpes de mão, emboscadas, cerco e batida, operações de interdição de fronteira, defesa de pontos sensíveis, protecção de itinerários e limpeza de povoações. No entanto, estas acções foram no seu conjunto as decisivas ao longo dos dez anos de guerra total desenrolada no território, que consumiram a vida diária das Unidades. Todas estas operações, grandes e pequenas, bem como as alterações do dispositivo, tinham por base uma doutrina que se foi criando e aperfeiçoando e que também abordaremos ao longo deste sub-capítulo.

A actuação contra-subversiva partia da premissa de que “(...) este tipo de guerra não se ganha pela acção militar, mas perde-se pela inacção militar (...)” (1). O objectivo primário das Forças Armadas era o garante da liberdade de acção política, governativa e administrativa. Para o General Augusto dos Santos, os militares estavam no território para manter a ordem e permitir que as populações, brancas e negras, trabalhassem tranquilamente (2).

Era essencial o controlo do território com esta finalidade, mas também a de protecção de pessoas e instituições, procurando conter a subversão armada até ao seu isolamento, destruição e mesmo dissuasão de entrada na 4ª fase subversiva (Estado Revolucionário). Assim, todas as acções militares deviam ser conduzidas, conjuntamente, pelas autoridades militares e civis, pois, onde quer que o controlo administrativo tivesse sido perdido, a imposição da soberania com as Forças Armadas devia ser oportuna. Esta acção podia, no entanto, prolongar, interminavelmente, a ultimação da pretendida vitória política pelo que todas as acções militares deviam ser avaliadas e ponderadas relativamente ao seu efeito sobre os objectivos políticos e administrativos e subordinadas a ambos.

O dispositivo das Forças Armadas evoluía conforme os avanços concretos e as ameaças da FRELIMO. Iremos descrevê-los, salientando cronologicamente a evolução das zonas do território onde a subversão frelimista exercia o seu esforço e alastrava.

A entrada de Portugal na OTAN, como membro fundador, levou a que, do conceito de tropas massificadas, orientadas para actuarem em “teatro de operações peninsular”, se passasse para um modelo de emprego de forças aeronavais num teatro de operações provável, a Europa. As forças estacionadas em territórios ultramarinos ficavam concentradas nas capitais provinciais e destinavam-se, em caso de guerra, a reforçar a Metrópole.

A OTAN iria também servir de escola para uma geração de oficiais a quem transmitiu novas tecnologias e organização. Mas de extrema importância, foi o facto de esta organização proporcionar um alargar de horizontes e a criação de uma nova mentalidade. Esta nova geração iria ser o sustentáculo do Poder militar português ao longo dos treze anos que durou a guerra.

No início do ano de 1958, a organização militar de Portugal é alterada (3). Alargam-se os quadros, e as forças ultramarinas deixam de ter de reforçar a metrópole, em caso de guerra. Esta alteração permite o dispersar das unidades pelos territórios. O envio de forças expedicionárias em comissões de dois anos foi também previsto. No que diz respeito ao território de Moçambique, a Missão Militar constituída para análise da situação, considerava inadequado o conceito vigente, centralizador de meios, e que fora definido pelo Decreto-Lei 39.541, de 16 de Fevereiro de 1954. Aquela Missão especificava ainda o seu desagrado pelo Decreto-Lei 41578, de 2 de Abril de 1958 (4), pois aquele parecia reforçar mais ainda a situação, uma vez que assentava num conceito de escalão divisionário, subsistindo no entanto, ainda naquela data, a organização militar de 1954 (5). O relatório daquela Missão alertava igualmente para a circunstância de, tendo em conta o provável tipo de luta que se previa para o Ultramar, serem as regiões fronteiriças com o Tanganica e Niassalândia as que requeriam maior atenção, porquanto os meios estavam a pender manifestamente para o Sul, propondo ainda, tanto quanto possível, a divisão administrativa, civil-militar, por escalões similares, justapostos (6).

Em consequência, desde 1959, para fazer face à evolução da situação em África e às repercussões sobre o Ultramar, iniciou-se o estudo e criação de um novo tipo de Unidades (Unidades de Choque) e de novas tácticas (acção de quadrícula e de intervenção).

O Ministro do Exército, na sua Directiva de 22 de Abril de 1959 — dia seguinte à partida do General Humberto Delgado para o Brasil —, deu início a uma profunda reorganização do seu Ministério, que, a partir de Novembro de 1960, passou a ter jurisdição em todo o território nacional, metropolitano e ultramarino. Naquela Directiva, referia-se o Ministro às condições particulares que envolviam a segurança dos vários territórios da Nação Portuguesa, quer metropolitanos, quer sobretudo ultramarinos. Estes aconselhavam a urgente disponibilidade de unidades terrestres que, pela sua organização, apetrechamento e preparação pudessem ser empregues, sem perda de tempo, na execução das operações de tipo especial, previsíveis — como operações de segurança interna, de contra-subversão e de contra-guerrilha —, para actuar em especial na Guiné, Angola e Moçambique. Solicitou ainda à Aeronáutica o plano existente para transportes aéreos militares (7).

A Directiva de 20 de Janeiro de 1960 do General CEMGFA provocou uma alteração profunda nos objectivos estratégicos nacionais. Esta apontava para a preparação de uma futura guerra no Ultramar, face às seguintes ameaças: guerra defensiva com os países vizinhos, guerra subversiva conduzida no interior dos territórios e sublevação. Assim, transfere-se o esforço militar da Europa para África e, em Angola e Moçambique, remodela-se o dispositivo para fazer frente às ameaças que viessem dos países que se haviam tornado independentes, um vez que, anteriormente, aquele estava orientado para a África Inglesa (8). Nesta data, o estado de espírito nas Forças Armadas era preocupante, devido ao facto de estarem lançadas as bases para a formação das unidades para a fase pré-insurreccional e de rebelião armada no ultramar, de se concretizarem alterações fundamentais nos dispositivos, incluindo a Força Aérea, em especial em Angola e Moçambique, e de se verificarem profundas alterações na instrução dos quadros, sem haver da parte do sector político o apoio, a compreensão e até o sentido da necessidade desse esforço. A reorganização territorial fixou, quanto a Moçambique, a divisão em três Comandos Territoriais aos quais se sobrepunha uma quadrícula que tinha por unidade base o batalhão (9).

A manobra militar actuava punitivamente sobre os grupos armados que prejudicassem a manobra sócio-económica, expulsando-os do território da zona de esforço por meio de acções de retaliação e acções punitivas, procurando ao mesmo tempo aliciá-los para o lado da autoridade constituída. Esta manobra tinha por base um dispositivo de quadrícula, que permitia um maior controlo das populações, bem como um apoio social e sanitário mais extensivo. Além disso facilitava a pesquisa de Informações, permitindo, assim, uma mais eficaz Acção Psicológica e a intervenção oportuna das forças especiais em operações de afirmação de soberania.

Nas regiões onde a subversão fosse violenta, o dispositivo assentava em sectores aos quais eram atribuídas unidades tipo batalhão, cujo número era variável de acordo com a área do sector, grau de subversão e efectivos disponíveis. Por sua vez, os sectores, dividiam-se em áreas de acção/subsectores, onde os batalhões disseminavam as suas unidades tipo companhia, por vezes reforçada, outras diminuída dos seus efectivos orgânicos. Esta malha constituía a designada quadrícula, com a missão de defesa do terreno contra as incursões do inimigo. A chamada tropa de quadrícula deveria efectuar acções de nomadização, patrulhamentos, protecção de itinerários, acções psicológicas e acções de apoio às populações e de redução da capacidade de domínio da subversão sobre essas populações. Porém, ficava tendencialmente, imobilizada na área dos aquartelamentos, deixando na maioria das vezes a iniciativa das actuações operacionais aos elementos das forças de intervenção (10). Estas estavam sob a dependência directa do Comando-Chefe. Actuavam, entre períodos de actividade e de repouso (normalmente um mês), em função da situação do momento em cada sector (11). Este era um dispositivo essencialmente administrativo, dado existir correspondência com a implantação das autoridades administrativas.

Relativamente aos outros territórios, Moçambique beneficiou da atempada previsão dos acontecimentos. Porém, foi penalizado na prioridade de atribuição de meios. Assim, quando a subversão eclodiu nos Distritos a Norte do território, não podendo o Poder português contar com os meios militares necessários oriundos da Metrópole, foi necessário deslocar unidades atribuídas a outras regiões não afectadas, “(...) com grandes dificuldades iniciais (...)” (12), enfraquecendo, assim, o precário dispositivo existente (13).

Em Outubro de 1964, o dispositivo do Exército assentava ainda nos três Comandos Territoriais: Norte, Centro e Sul, com sedes, respectivamente, em Nampula, Beira e Lourenço Marques. Neste ano, o Distrito do Niassa foi dividido em dois sectores de batalhão, sediados em Vila Cabral e Marrupa, sendo Cabo Delgado guarnecido por um batalhão em Mocímboa da Praia e por outro em Porto Amélia. O Comando dispunha ainda de forças de intervenção próprias. Em Tete, a responsabilidade militar do “Comando Territorial Centro” (CTC), era atribuída a um batalhão de Artilharia, o N.º 162 (14).

São as acções de 21 e 24 de Agosto de 1964, levadas a cabo pelos movimentos independentistas MANU e UDENAMO (15), em Cabo Delgado, que determinam o iniciar das actuações violentas. Contudo, é a partir de 25 de Setembro desse ano que a FRELIMO considera o início da insurreição geral armada, altura em que as suas primeiras operações foram efectuadas e que a luta alastra a todo o Norte do território (16).

A FRELIMO iniciou, assim, e quase em simultâneo, as suas operações de guerrilha no Distrito do Niassa com o ataque à secretaria do posto administrativo do Cóbue, a 24 de Setembro, e na Província de Cabo Delgado com o ataque ao posto de Chai, na noite de 24 para 25 do mesmo mês. O primeiro ataque em Tete ocorreu a 23 de Dezembro de 1964, à sede do posto administrativo de Charre. Nessa altura, a FRELIMO possuía apenas 250 homens treinados e equipados (17).

O Niassa, que ficou conhecido pelo “Estado de Minas Gerais”, foi inicialmente uma das zonas de esforço prioritárias da FRELIMO. Tal como em Cabo Delgado, o Poder português era pouco expressivo quer em número de autoridades administrativas e militares quer em população, quer mesmo em infra-estruturas de apoio à civilização europeia. Esta situação permitiu à FRELIMO movimentar-se com certa liberdade, pois beneficiava dos apoios, como vimos, da Tanzânia e do Malawi. Para Mondlane, em Novembro de 1964, a luta já se estendia para além de Cabo Delgado ao Niassa, Zambézia e Tete, conseguindo consolidar-se nas duas primeiras, sendo as unidades que actuavam nas restantes reorganizadas a fim de actuar em reforço da capacidade ofensiva naquelas Províncias, por forma a assegurar os avanços feitos e a estabelecer uma base firme de acção político-militar (18).

Foi o General Caeiro Carrasco, Comandante Militar, que, apesar de uma visão mais clássica da guerra (19), iniciou a preparação para o confronto que eclodiria em 1964. O Comando da Região Militar de Moçambique tinha em 1962 a perfeita noção de que “(...) nem todos os Comandos se encontram mentalizados para o tipo de guerra subversiva, em contraste nítido com a maioria dos oficiais subalternos, que, em virtude de terem sido instruídos somente neste aspecto da guerra moderna, se encontram satisfatoriamente adaptados (...)”(20), chegando mesmo a propor cursos de sensibilização a este tipo de luta para os oficiais superiores. Aquele Comando procurou mentalizar as tropas para as missões que lhes competiam no âmbito da guerra subversiva. Para aperfeiçoamento e actualização dos quadros, realizaram-se cursos (como no ano anterior) de guerra subversiva, cães de guerra, sapadores, educação física, transmissões e operações/informações (21).

Quando se iniciou a guerra em Cabo Delgado, o Coronel Basílio Seguro, então Governador do Distrito, desempenhou papel de destaque com o reagrupar das populações, situação que dificultou o alastramento subversivo para Sul.

Com o iniciar das hostilidades, as forças portuguesas desencadearam em Moçambique, à semelhança de Angola e da Guiné, operações de grande envergadura nos Distritos afectados do Niassa e de Cabo Delgado. Numa visão exclusivamente militar deste tipo de guerra, denotando afinal alguma impreparação inicial para enfrentar este tipo de conflito, procurava-se restabelecer a situação e acelerar a implantação da linha de contenção, que se julgava pela construção de aldeamentos, poder constituir-se. Atingidos aqueles objectivos, a contra-subversão passou a actuar em operações de contra guerrilha e em acções sócio-económicas de maior ou menor envergadura, realizando, ocasionalmente, grandes operações, como a “Águia”, a “Finalmente” e a “Nó Górdio”. A operação “Águia” foi a grande operação de partida desencadeada pelas forças portuguesas e visando a eliminação da guerrilha no planalto dos Macondes. Durou desde 2 de Julho até 6 de Setembro de 1965 (22).

Após a visita de inspecção do General Venâncio Deslandes a Moçambique, organizou-se a quadrícula e completou-se o esquema defensivo com aldeias fortificadas ou defendidas militarmente, envolvendo o planalto dos Macondes. A partir destas, o plano dos generais Costa Almeida e Augusto dos Santos — cujo conceito de manobra assentava na restrição da guerra às zonas fronteiriças, procurando evitar infiltrações — lançar-se-ia uma série de operações para o centro, procurando impedir a expansão da FRELIMO a Sul do rio Messalo, mantendo-a em insegurança constante e enfraquecendo-a progressivamente. As maioria das acções foram desencadeadas por forças de efectivos reduzidos, por forma a evitar a dispersão do inimigo (23).

Pela Directiva N.º 22, de Setembro de 1965, do Ministro da Defesa Nacional, era aconselhado que se estabelecesse uma “Zona de Intervenção Norte” (ZIN) com comando próprio, podendo o seu comandante entender-se directamente com os governadores dos Distritos coincidentes com a sua área de responsabilidade (24). Este Comando veio a estabelecer-se a 1 de Outubro do mesmo ano em Nampula, sendo o cargo assumido, em acumulação, pelo comandante da Região Militar (25). Este coordenava com os Governadores de Distrito as acções das forças militarizadas e outras, e, ainda a conduta a ter para com as populações. Foi também a Directiva em análise que definiu a divisão da ZIN em sectores, criando-se “Centros Conjuntos de Operações”, por forma a rentabilizar os meios e a conseguir a máxima colaboração entre as autoridades administrativas e militares (26).

A criação de um Comando-Chefe Adjunto foi justificada, devido ao facto de os resultados da ZIN não serem os ambicionados. A este Comando competia a condução das operações de contra-guerrilha. Todavia, como o seu gabinete dispunha de um efectivo reduzido, todas as operações eram conduzidas pelo comandante terrestre. Por outro lado, o Comandante Naval e o da Força Aérea realizavam operações separadas do Comandante Militar, o que constituía um erro gravíssimo. O Gabinete Militar do Comandante-Chefe passou a dedicar-se, essencialmente, às actividades civis de contra-subversão (27). O cargo de Comando-Chefe Adjunto foi extinto em 1967, quando a função de Governador-Geral passou a ser desempenhada por um civil.

No segundo semestre de 1965, a actividade da FRELIMO no Distrito do Niassa foi incrementada, melhor orientada e mais eficiente, o que teve como consequência um rápido e progressivo aumento de zona activa. Esta actividade foi facilitada pela quase ausência de população não negra, por comunicações muito deficientes e dificílimas e por meios militares limitadíssimos, factor que permitiu uma relativa liberdade de acção, iniciativa e domínio sobre as populações autóctones (28).

Nesta data, o Comando-Chefe de Moçambique definia a implantação da FRELIMO como estando na 3ª fase da guerra subversiva nos Distritos do Niassa (29) e em Cabo Delgado (30). Considerava-se já a possibilidade de extensão desta actividade ao Distrito de Moçambique e a ameaça de infiltração em Tete e na Zambézia, não se prevendo ainda a actuação, por parte de “bandos armados”, nos restantes Distritos, onde, no entanto, se exercia esforço no sentido de aliciar as populações (31). O então Brigadeiro Costa Gomes, numa visão de estratégia exclusivamente militar, para evitar o alastrar subversivo para Sul, procurou a sua repulsão para o Norte do rio Messalo (32). Podia repelir “grupos armados”, mas esquecia que a subversão como um todo não se repele da mesma forma e que esta Guerra ultrapassava os limites e competências militares...

Podemos assumir que a FRELIMO implantada no território de Moçambique era constituída por uma vertente organizativa político-administrativa e outra militar. À primeira competia a organização das regiões não afectadas pela subversão, em estado pré-insurreccional, e o governo civil daquelas que se encontravam já na 3ª fase da manobra subversiva. O controlo destas regiões competia ao Departamento de Organização do Interior, através de uma hierarquia correspondente à divisão administrativa colonial. Aos Distritos, Postos Administrativos, Regulados e concentração de povoações correspondiam a Província, o Distrito, o Loko e o Tawi (33). Todos os departamentos estavam representados nos Branchs (34) (sede administrativa, órgão civil de controlo e administração da população), que correspondiam à divisão político-administrativa já estabelecida pela Administração Portuguesa, sendo contudo, necessariamente mais consentâneos com as realidades; por outro lado o comandamento apenas era viável desde que aquela malha não abrangesse uma dimensão superior à possível de ser enquadrada pelos meios disponíveis no sector (35). Esta divisão englobava vários Bolanges (36) e Mocambines (37).

Cada Branch possuía as suas milícias populares, que desempenhavam um papel importante de ligação entre a população e as FPLM (Forças Populares de Libertação de Moçambique). Estas eram a espinha dorsal da luta armada, pois viabilizavam a actuação do primeiro. As milícias eram organizadas com base nas estruturas de linhagem, usando os chamados “segmentos”. Na posterior guerra civil procedeu-se de igual forma, sendo os membros dos segmentos da linhagem dos alvos prioritários da RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique) (38).

A organização militar era constituída pelas FPLM, que eram controladas pelo Estado-Maior, composto por um órgão político, logístico e operacional. A organização militar da FRELIMO abrangia dois outros níveis importantes: as bases (provinciais, sub-provinciais, gerais, de segurança, operacionais, de logística e de instrução) e os acampamentos. Em Cabo Delgado, a base Moçambique era a base Provincial. No Niassa, a coordenação era feita pela base Gungunhana.

As FPLM foram reorganizadas em 1966, por decisão do Comité Central. Até aí, existiam os batalhões, destacamentos, companhias e unidades. As áreas de combate dividiam-se em regiões militares, encabeçadas por um comando regional. A partir daqui passou a dispor de um alto comando com Quartel-General fixo, e o exército foi dividido em 12 secções (39). Em Novembro desse ano, Samora Machel substitui Magaia no comando das tropas. Três meses antes morrera, na Zâmbia, Jaime Sigauke, chefe do Departamento de Organização Interna (40).

Condições como a iniciativa de local de ataque, combate no próprio terreno e a recuperação mais rápida de derrotas sofridas favoreceram as actuações da FRELIMO, que, clamando grandes sucessos, conseguiu organizar as designadas áreaslibertadas a partir de 1966. Para aquela “Frente”, as forças portuguesas, isoladas em postos militares, tentavam de quando em quando realizar incursões contra o povo nessas áreas; aí eram fatalmente emboscados e aniquilados (41).

No Niassa, a FRELIMO criou essas primeiras áreas, onde ensaiou a administração, organizando “(...) a vida das populações do ponto de vista político e económico (...)”(42), e progredindo para Sul, em direcção ao Zambeze. Em Cabo Delgado, atingiu a estrada Montepuez-Porto Amélia. Até 1968, a FRELIMO considera ter libertado 1/5 do território (43).

O desenvolvimento e consolidação de áreas libertadas terão sido acelerados pelos bombardeamentos levados a cabo pelas tropas portuguesas, no que constituíam acções militares típicas de uma guerra. Esta situação terá sido agravada pela retirada dos cantineiros e pela alteração forçada, durante décadas, de culturas diferentes das tradicionais. Assim, numa procura de garantir a segurança, a FRELIMO, transferiu populações para a mata e, controlando os seus movimentos, dificultou eventuais infiltrações inimigas (44). A segurança estava a cargo dos grupos de elementos femininos (45) de Cabo Delgado e do Niassa. Estes elementos, que também participavam em combates, desempenhavam ainda relevante papel na educação e mobilização, pois cada região libertada era, necessariamente, uma fonte de recrutamento de novos elementos. A utilização das mulheres, por causa das estruturas matriarcais ou respectivas reminescências, foi fulcral.

Em Agosto de 1966, Salazar era informado da situação pelo Chefe do Gabinete do Ministro da Defesa Nacional, Brigadeiro Rafael Alves, nos seguintes termos:

“(...) Constatei elevado moral, espírito de missão cumprimento dever manter Moçambique soberania portuguesa. Terrorismo abrange Distrito de Cabo Delgado área Macondes a Norte de Messalo e leste da linha Negomano-Nairoto, população está sob controlo das nossas forças, no sentido que pode ser percorrido todas direcções embora com medidas de segurança. Planalto está bastante limpo. Populações forçadas a acompanhar terroristas e esconderem-se áreas refúgio situadas vertentes planalto, especialmente nas costas Sul e SE. Estas áreas refúgio vão sendo cada vez mais reduzidas quando bem orientada, o que mantém nítido o perfeito ascendente sobre terroristas (...)”(46).

No final de 1966,a situação militar podia definir-se para o Poder português como contida em Cabo Delgado e reduzida no Niassa, caracterizando-se por uma progressiva diminuição da área afectada e do número e tipo de acções desencadeadas. Em Tete, verificava-se um ligeiro agravamento, nomeadamente a Norte do Zambeze. Esta melhoria da situação tendia para se esbater, face à concentração de meios além - fronteiras (47).

No início de 1967, perante o desenvolvimento das acções da FRELIMO (48), o Poder português decide exercer o esforço contra-subversivo no Niassa, tendo em vista melhorar e incrementar a coordenação civil/militar e a promoção sócio-económica (49). O Comando da ZIN é assim extinto, aumentando o Posto de Comando Avançado do Quartel-General da Região Militar o respectivo volume e importância. O dispositivo militar da ZIN é dividido em cinco novos sectores, contando com um efectivo de 17 unidades tipo Batalhão (50). No CTC surgem quatro subsectores de batalhão, dos quais dois estacionados no istmo de Tete, um Batalhão com sede no Fingoé e outro em Tete.

Durante o segundo semestre de 1967, actuou em Tete, sobretudo na Macanga, uma diversidade de grupos que iam para além da FRELIMO. Estas actuações foram desencadeadas pelo COREMO, pela PAPOMO e, inclusivamente, por um contingente de dissidentes do Malawi (51).

O Comandante Militar, General Moura dos Santos, foi substituído pelo General Paiva Brandão, que procurou alimentar, logisticamente, em apoio de retaguarda, os Agrupamentos de Porto Amélia e do Niassa, através do corredor de Nacala. Assim, a sua manobra passava por garantir a liberdade de circulação do caminho de ferro até Catur, mantendo afastada a subversão armada para Norte daquela linha (52).

Este General era apologista das operações de grande envergadura, pelo que entendeu realizar em Cabo Delgado a operação “Finalmente”, dirigida pelo Comandante do Sector, o Brigadeiro Augusto de Jesus Remígio. Esta era “(...) uma operação que pretendia expulsar a FRELIMO do Lúrio ao Messalo, consistindo numa passagem a pente fino, expulsando elementos nacionalistas, e depois colocar um tampão que garantisse que não havia novas infiltrações (...)”(53). No Messalo, criaram-se 18 postos de 100 homens, guarnecidos e distanciados de 35 quilómetros. O Brigadeiro Francisco Costa Gomes opôs-se à sua realização: “(...) primeiro, porque não era apologista deste tipo de operações naquela guerra que nos era imposta, e cinco batalhões era quase toda a nossa tropa no Norte. Depois, era impossível reabastecer os postos ao longo do Messalo, pois não havia meios de comunicação. Nos intervalos, eles passavam quando e como queriam e atacavam os postos. Assim, houve necessidade de se começar a retirar os postos que já não aguentavam os ataques com um certo volume, alguns com 400 homens (...)”(54).

A partir de finais de 1967, as fontes militares portuguesas registam uma melhoria na actuação da FRELIMO que, até aí, flagelava, colocava minas e efectuava retiradas rápidas. A melhoria da situação deveu-se a uma infiltração de elementos reinstruídos, que se revelaram mais aguerridos e melhor comandados (55). Naquele ano, o esforço da FRELIMO transferira-se do Niassa para Cabo Delgado, na intenção de avançar para Sul do rio Messalo, contando para isso com o apoio centrado no triângulo estratégico formado por Serra Mapé-Macomia-Chai. Naquele Distrito, foram realizadas 696 acções (86% dirigidas contra as Forças Armadas, 10% contra a população) das 1304 levadas a cabo durante o ano em todo o território. Desde o desencadear dos acontecimentos, em Setembro de 1964, a percentagem de acções contra as forças militares aumentaram constantemente (22% em 1964, 52% em 1965, 61% em 1966). Esta situação era interpretada pelo comando português como reveladora do “(...) progressivo aumento do estado de aliciamento e do grau de apoio conferido pelas populações nas áreas de subversão violenta (...)”(55).

Em Tete, face à fragilidade de implantação da FRELIMO e às atitudes das autoridades do Malawi, em 1966/67, a subversão recuou nos concelhos de Moatize e Mutarara, sendo a frente encerrada. Contribuíram para esta situação não só o aperfeiçoamento da actividade de Informações e da presença militar e policial, mas sobretudo a atitude sobre as populações (56). Contudo, no ano de 1968, “(...) o fortalecimento do movimento de libertação (...) associado à configuração particular do território, ao abandono a que estava votado, à ligação entre as suas populações e as populações dos territórios vizinhos que ascendiam à independência (...)”(57), eram indícios claros para a Administração Portuguesa da proximidade do início da luta armada no Distrito de Tete, pelo que seria necessário adoptar medidas para o prever. Nesta ordem de ideias, o dispositivo inicial, composto por dois batalhões e duas companhias, leva a que, em Março de 1968, o contingente do denominado sector F passasse a ser constituído por três batalhões e mais algumas companhias. Aqueles estavam distribuídos pelos subsectores FFG, FFR e FFT, com sede, respectivamente em Fingoé, Furancungo e Tete.

Em Março de 1968, admitia-se que a FRELIMO possuísse 12.500 homens de identidade conhecida, entre combatentes (FPLM e milícias), militantes e suspeitos (58), 15 a 20 unidades do tipo Batalhão ou destacamento de guerrilheiros, tendo aproximadamente 1.800.000 pessoas em “áreas libertadas”, organizadas em cooperativas, que terão contribuído para o plano de desenvolvimento das aldeias, onde se estabeleceram, por exemplo, escolas e clínicas (59).

As intervenções armadas da FRELIMO naquele Distrito recomeçam em 8 e 11 de Março de 1968, atingindo grande profundidade, o que levantou problemas de reabastecimento e de ligação com a retaguarda. O dispositivo militar era considerado forte, possuindo diversas bases na área Chofombo-Foz do Rio Capoche-Furancungo. Nos restantes Distritos, e mesmo nos já referidos, a situação mantinha-se aparentemente calma e considerada sob controlo do Poder português. Porém, registava-se uma actividade clandestina generalizada (60), típica da fase de aliciamento das populações. A contra-ofensiva militar portuguesa em Tete, com capacidade para inverter a progressão, foi desencadeada apenas em Setembro do mesmo ano (61), com sucessos pontuais, pois a FRELIMO, que passara a controlar a população, conseguiu repor a situação anterior, diversificando, contudo, as suas linhas de reabastecimento, evitando a tradicional infiltrante do rio Capoche e retomando os ataques em Janeiro de 1969. Em Tete, o COREMO continuava a actuar por infiltração de elementos.

À contra-subversão competia impedir o alastrar das actividades subversivas, designadamente efectuar uma actividade de vigilância e controlo nas áreas ainda não sublevadas, eliminando a existente, evitar o isolamento de qualquer parcela do território e garantir a segurança dos centros ou regiões importantes das actividades básicas e dos elementos fundamentais da infra - estrutura económica, cooperando a RMM na acção psico-social e no apoio às populações. Além disso a contra-subversão levava ainda a cabo acções de interdição de fronteira (62), estando previstos o emprego das Forças de Intervenção em qualquer ponto do território e em qualquer momento (63).

Em Cabo Delgado , para ser cumprida essa missão e tendo em conta a necessidade de criar condições para o desenvolvimento de acções ulteriores de manobra para o rio Rovuma, o Brigadeiro Costa Gomes pretendia actuar militarmente para reduzir a área subversiva em fase violenta, de Sul para Norte, em três etapas distintas, mas complementares. A primeira consistia na “limpeza e libertação” de toda a Serra Mapé. Seguidamente, procurar-se-ia “limpar” Chai-Macomia-Quiterajo, levando a contenção até ao Rio Messalo e continuando, numa terceira fase, o esforço para Este, por forma a que a linha de contenção permanecesse na estrada definida por Mueda-Diaca-Mocímboa da Praia ou, no mínimo, a de Mueda-Macopela-Nambude, garantindo para Norte todo o vale do Messalo (64).

Também no Niassa, a manobra seria faseada, sendo intenção daquele Comandante interino libertar completamente as regiões de Metangula-Maniamba, Norte de Bandece, Norte de Chicomo, Norte de Nova Viseu e Cassero-Metarica, levando a frente de contenção da subversão até à linha Foz do Lunho — .1232 (3505,5.1236)-Rios Luculerce-Lucuisse e Luatize. Concretizada esta tarefa, o “esforço de limpeza” prosseguiria para Mepotxe-Miandica e Norte de Unango, região a Sul do Lugenda, para Este do Rio Luatize, deslocando a frente para Tumbi-Chissindo-rio Malibangua-Matila-rios Luatize e Lugenda. Por fim, a intenção era a de “limpar” completamente as regiões de Cobué, Macaloge e Norte dos rios Luatize e Lugenda, deslocando a frente para a linha geral definida por Chigoma-Rio Utonga-Monte Jau-rio Metapire-Monte Namanhanga-rios D’Jengue e Miuro (65), actuando persistentemente com uma acção de quadrícula, nas áreas da retaguarda, por forma a “aniquilar” qualquer foco subversivo que ainda se revelasse e exercendo, em simultâneo, acções de interdição de fronteira com o Malawi (66). Atente-se na terminologia militar empregue e na sua contextualização.

Em Abril de 1968, a FRELIMO tinha já nos territórios controlados pelos sectores A e E portugueses um dispositivo político-administrativo de enquadramento da população que o Quartel-General português considerava já implantado no Niassa Ocidental e em formação no Niassa Oriental, onde era visível uma organização económica com base na cooperativa. O seu dispositivo militar era considerado denso e apoiado em bases operacionais subordinadas a três comandos regionais (67), nas zonas de Mepotxe e Cassero, infiltrando reforços e reabastecimentos por cinco principais linhas de infiltração, ao longo dos rios Ludimille-Lucheringo-Luambala-Luculumezi-Lugenda, sobre as quais também dispunha de bases de apoio, revelando ainda actividade a Norte e Oeste da linha definida pelos rios Luambala-Lugenda-Candulo-Cahamba e exercendo, ainda que esporadicamente, acções na região de Revia-América (68).

Em Cabo Delgado , na mesma data, o dispositivo político-administrativo e militar estava praticamente concentrado ao longo de uma faixa de aproximadamente 150 quilómetros de largura, que se estendia da região de Negomano-Pundanhar (a Norte) até à linha definida por Macomia-Quiterajo (a Sul), constituído por bases de efectivos de unidade tipo companhia ou companhia reforçada e organizado em três sectores distintos, sendo especialmente denso no planalto de Mueda e no esporão a Norte da Serra Mapé. Desenvolvia ainda actividade a Este e Norte da linha definida pelos rios Matiu-Mambole-Messalo e, além desta área, nas bolsas de Chai, Macomia e Quiterajo, a partir da qual se esforçava para alastrar a toda a Circunscrição de Quissanga, onde se procurava fixar (69).

Entre 20 e 25 de Julho de 1968, realizou-se no Distrito do Niassa o II Congresso da FRELIMO. O Comando da Região Militar adoptou medidas para que este Congresso não se realizasse, referindo-se na directiva N.º 9/68 as acções a desenvolver contra a efectuação do mesmo. Este documento, além de indicar a zona mais provável da realização do Congresso, definia por missão, em estreita coordenação com as autoridades administrativas, em todos os escalões, a detecção de infiltração de elementos “In”, e a localização dos pontos onde o Congresso tivesse lugar, transmitindo instruções expressas no sentido da “captura ou aniquilamento” dos respectivos participantes (70).

Em 1969, a FRELIMO contava em Cabo Delgado com um dispositivo que podemos caracterizar como assente em quatro núcleos de grande importância: o complexo da base Limpopo, considerado o principal órgão logístico do Distrito, dispondo de cerca de 150 homens; o núcleo central à volta de Mueda, onde situavam as bases Nampula, Gungunhana, Negomano e Moçambique, com um efectivo estimado em cerca de 600 homens; o núcleo de Mocímboa da Praia, com um efectivo de cerca de 650 homens, distribuídos pelas bases Niassa, Montepuez, Lourenço Marques, Tete e Inhambane; e o núcleo da Vanguarda, que materializava o esforço para Sul, contando com um efectivo que rondava os 700 homens, distribuídos pelas bases Macanga, Lúrio, Gaza, Marrupa, Pemba, Maputo e sub-província Moçambique. Dispunha ainda de um complexo dispositivo político-administrativo, sendo de considerar um efectivo na ordem dos 2 mil Ussiliks (milícias populares), com capacidade de reforçar a acção militar (71).

No Niassa, o efectivo médio das bases era inferior ao de uma companhia. Na zona da Serra Jéci-rio Nossi, onde o seu dispositivo não era forte e concentrado, mas disperso entre as populações, possuía as bases Unango e Maniamaba (72). Em Tete, o dispositivo dos cerca de 400 homens, disperso por diversas bases, era deficientemente conhecido pelos Serviços de Informações portugueses; sabia-se apenas que ocupava uma extensa área definida pelo triângulo Chofombo-Cabora Bassa-Furancungo, sendo caracterizado pela sua fluidez e mobilidade (73). Na Zambézia, prosseguiam as acções de propaganda e aliciamento das populações (74). Em Abril de 1969, em reunião do Comité Central da FRELIMO, decidiu-se criar nessas regiões escolas de formação de quadros, pois a escassez e a dificuldade de treino no exterior era já constatada (75). Neste mesmo ano de 1969, o COREMO, que actuava apenas em três locais do Distrito de Tete (Zumbo, Vila Gamito e Mutarara) (76), tinha um efectivo estimado entre 1.500 a 2.000 homens (77).

Para fazer face às violações de fronteira de que a Zâmbia se queixava, o Poder português estabeleceu entre os rios Luatize e Muangadzi uma faixa neutralizada para forças terrestres e uma zona imediatamente a Sul, para a Força Aérea, para além das quais eram proibidas as operações sem autorização do Comando-Chefe (78).

Face à experiência adquirida, decorridos que eram oito anos de operações militares em África, e à evolução subversiva, verificou-se a necessidade de alteração das estruturas de Comando portuguesas, por forma a adaptar o emprego dos meios militares e implementar uma mais estreita colaboração entre os Comandos Militares e as autoridades administrativas no mesmo esforço (79). Assim, pelo Decreto-Lei n.º 49107 de 7 de Julho de 1969, reorganizaram-se os Comandos-Chefes que, até aí, só dispunham de um gabinete e se limitavam a coordenar os três ramos das Forças Armadas, obtendo cooperação destes para a realização de operações conjuntas. Com este Decreto-Lei, os Comandantes-Chefes passaram a ser os responsáveis pelas operações militares, criando-se um Quartel-General que contava com uma repartição de Operações e Informações centralizadas. Kaúlza de Arriaga pediu para acumular as funções de Comandante-Chefe e da Região Militar.

Este Decreto estruturava as Forças Armadas nas “Províncias Ultramarinas” onde as circunstâncias obrigassem à realização de operações militares tendentes a garantir a soberania nacional sobre os territórios e a manter a ordem e a tranquilidade públicas, quando gravemente ameaçadas (80). As Forças ficaram organizadas em guarnição normal e de reforço. A primeira seria de carácter permanente e organizada, tanto quanto fosse possível, à base do recrutamento local, excepto os quadros e especialistas (81). A segunda interviria, quando os meios da primeira se mostrassem insuficientes para garantir a segurança na área de responsabilidade do Comando-Chefe (82). Em Moçambique, na sequência deste Decreto-Lei, foi criado em Novembro de 1969, o Comando Operacional das Forças de Intervenção (COFI), responsável pelas operações de grande envergadura. Em 1970, o efectivo na ZIN passou a ser de quinze batalhões e em Tete, devido ao início da construção da barragem e à reabertura da frente, surge, já separado do Comando Territorial Centro, o sector F, agora organizado em quatro subsectores de Batalhão (Furancungo, Bene, Fíngoe e Tete) (83).

Em Setembro de 1969, assume a Presidência do Conselho de Ministros o Professor Marcello Caetano que encarava a subversão como um problema de segurança interna, pelo que a contra-subversão teria de ser uma acção global, onde se empenhassem todos os serviços e toda a população. Assim, em todo o território ameaçado deveriam ser organizadas forças territoriais de segurança, que teriam a vantagem de ser constituídas por homens fixados nos territórios, dispensando a mobilização de inúmeros efectivos militares. As Forças Armadas cobririam pontos estratégicos/sensíveis e executariam operações de intervenção (84).

Quando o General Augusto dos Santos, até então Comandante-Chefe, regressou à Metrópole, em 20 de Março de 1970, caracterizou a situação militar geral em Moçambique foi da seguinte forma:

“(...) o terrorismo tinha recuado bastante e praticamente não passava do rio Lúrio. Daí para cima havia terrorismo, ainda havia aldeamentos, mas com dificuldade. Daí para baixo conseguimos que não houvesse nada (...)” (85).

Note-se a referência a terrorismo e não a subversão. Aquele estava de facto consignado ao Norte do Lúrio, mas a subversão alastrava a Sul. Este General compreendera que a guerra não podia ser solucionada apenas pela via militar, mostrando-se preocupado, sim, com a conquista da adesão das populações (86).

O General Kaúlza de Arriaga, que assumira funções de Comandante-Chefe a 31 de Março de 1970, rompe com a forma dos Generais Costa Gomes e Augusto dos Santos fazerem a guerra. Estes desenvolveram um tipo de manobra em superfície, colocando um dispositivo militar de quadrícula, estando, assim, as unidades junto das populações e colocadas sobre os tradicionais eixos de infiltração da guerrilha. Esta manobra, que evitava grandes operações, conjugada com actuações da Administração, possibilitou a contenção da FRELIMO no Niassa, a Norte da linha que se pode definir pela linha de caminho de ferro Nova Freixo-Catur, e em Cabo Delgado, a Norte do rio Messalo e na Serra Mapé.

A solução preconizada por Kaúlza de Arriaga, que encarava, conceptualmente, a FRELIMO apenas como uma força que manobrava em prol do movimento comunista em África (87), assentava em oito pontos, materializando-se quatro deles na conquista da adesão das populações e quatro na acção militar directa a saber: comunicação da verdade às populações, convencendo inteligências e conquistando corações; promoção das populações através da intensificação da política de paridade, harmonia e dignificação étnicas; promoção das populações, através do progresso económico, social e político; promoção das populações através do aldeamento voluntário dos grupos étnicos dispersos e nómadas; garantia do controlo geral do território e das águas territoriais, através da acção de quadrícula; realização da segurança específica prioritária de alvos de grande importância, igualmente através das forças de quadrícula; pesquisa, captura e destruição sistemática do inimigo, através de operações de intervenção e eliminação prioritária de eventuais bases e áreas libertadas (88).

Assim, apesar de considerar como essência da contra-subversão o convencer inteligências e conquistar corações, descurou a tessitura humana, onde aquela outra manobra se desenrolava. Nesta ordem de ideias, as quatro medidas sintetizadas da acção militar estritamente directa vieram introduzir uma nova forma na política de condução da guerra até então adoptada. A concepção de Kaúlza de Arriaga assentava basicamente em vencer militarmente um confronto em que a vertente armada acabava por desempenhar um papel pouco significativo.

Esta concepção vem modificar a situação militar existente no território. Até aí, podemos considerar que as actividades das unidades consistiam na gestão diária e rotineira, com actuações de patrulhamento e nomadização, evitando, sempre que possível, o confronto. Em 1969, este General vai criar ainda como Comandante-Militar, o COFI e iniciar a preparação dos GE (grupos especiais) e dos GEP (Grupos Especiais Paraquedistas).

Em meados do primeiro semestre de 1970, a situação “subversiva” podia ser caracterizada por uma intensa Acção Psicológica desenvolvida pela FRELIMO, na procura de fortalecer a “consciência das massas populares”, exercendo o seu esforço no Distrito de Cabo Delgado. No Niassa não executava grandes operações, e em Tete, embora com acções, estava controlada pela contra-subversão. A FRELIMO, procurava ainda consolidar estruturas e zonas controladas, expandir as acções militares e impulsionar os programas de reconstrução nacional (89).

O esforço português, primeiro defensivo, depois contra-ofensivo, concentrou-se sobre Cabo Delgado. Ao assumir as funções de Comandante-Chefe, Kaúlza de Arriaga inicia a preparação de duas grandes operações, a “Fronteira” e a “Nó Górdio”.

A operação Fronteira, que durou até ao final da guerra, caracterizava-se por um conjunto de medidas militares orientadas para a interdição da faixa da fronteira Norte, mas também por um conjunto de medidas sócio-económicas sobre as populações.

Durante o mês de Maio e Junho de 1970, desenvolveram-se acções preparatórias da grande operação “Nó Górdio”, que Kaúlza de Arriaga considerava “(...) a mais importante de todas quantas, até hoje, se realizaram em Moçambique. Importante quanto ao potencial de Combate empregado e importante quanto ao objectivo a atingir (...)” (90). Esta operação iniciou-se a 1 de Julho e findou a 6 de Agosto do mesmo ano.

O então Comandante-Chefe, em mensagem às forças que iriam participar na operação, especificava-lhes a missão: “(...) Destroçar o In que, armado, pretende dominar a região; libertar as populações escravizadas; restabelecer a ordem e a paz (...) (91).

O conceito da operação estava assente numa estratégia de cerco e batida, empregando grandes meios e procurando isolar o planalto dos Macondes para posterior assalto e destruição das bases Gungunhana, Moçambique e Nampula (objectivos A, B e C, respectivamente). Estes objectivos, alcançados a 7, 6 e 15 de Julho encontravam-se abandonados, situação minimizada pelo Comando português, dado que a operação não fora desencadeada de surpresa. Pelo contrário, o aviso fora claro a todas as populações e guerrilheiros, numa tentativa infrutífera de efectuar a recuperação de ambos com o “mínimo de sangue”(92).

A apreciação final da situação, feita pelo Comando português, foi a seguinte: desarticulação da FRELIMO; face às destruições provocadas, atemorização pelo potencial e espírito ofensivo das tropas portuguesas; desmoralização pelas carências de toda a ordem; e desprestígio perante as populações, que apresentaram acentuado desequilíbrio psicológico. Concluía o Comando português que a operação atingira todos os objectivos que lhe haviam sido fixados e se projectou muito para além dos mesmos, podendo as Forças deslocar-se para onde, como e quando quisessem (93).

A operação “Nó Górdio” foi uma acção militar convencional em ambiente subversivo. Apesar de se reclamar que os objectivos propostos foram atingidos, aquela operação produziu, segundo Silva Cunha, o efeito de “(...) um murro num ninho de vespas (...)”(94). Esta actuação, conteste-se ou não a respectiva aplicabilidade em operações em ambiente subversivo, constituiu uma viragem. Depois dela, a FRELIMO esteve em permanente ofensiva.

Enquanto o esforço português, com as operações “Nó Górdio” e “Fronteira”, se localizava no Distrito de Cabo Delgado, a FRELIMO reorientava as suas acções com prioridade para o Distrito de Tete e para o avanço em direcção a Sul, mantendo no entanto o esforço suficiente para fixar as forças portuguesas em Cabo Delgado.

Para Silva Cunha, o grande erro do Poder português foi desguarnecer Tete, mantendo uma quadrícula ténue, que permitiu a passagem para Sul do Zambeze. O então Ministro do Ultramar teve conhecimento dessa situação antes do Governador-Geral, através de informações do Bispo de Tete, D. Félix Nisa Ribeiro que, em Lisboa, explicou que foram os catequistas das missões que o informaram. Silva Cunha envia então um telegrama ao Governador-Geral, Arantes e Oliveira, pedindo para dar conhecimento ao Comandante-Chefe (95).

Nos meses posteriores à operação Nó Górdio, face ao agravar da situação em Tete e à crescente ameaça à barragem, Kaúlza de Arriaga teve de transferir o esforço militar para aquele Distrito, reforçando-o com unidades de intervenção. O Niassa ficou numa situação de economia de meios e Cabo Delgado com o dispositivo de quadrícula/forças de intervenção reduzido.

Apesar de, já na mensagem do Ano Novo de 1968-1969, Eduardo Mondlane referir para ordem do ano “ (...) Cahora Bassa delenda est — Cahora Bassa deve ser destruída (...)”(96), só em 1971 a FRELIMO orientou o seu esforço decisivamente para Tete, visando a barragem. Neste ano, inicia-se a operação “Fronteira”, em Cabo Delgado, que pretendia complementar a acção da “Nó Górdio”. Em Tete, o Comando-Chefe insistia junto dos decisores políticos no sentido da construção maciça de aldeamentos e no reforço, em termos tácticos, da segurança da barragem. Mas este ano de 1971 terá sido “(...) mais perdido com problemas estéreis na Alta-Chefia de Moçambique, do que ganho com actuações eficazes (...)”(97). O sector F passa a designar-se por Zona Operacional de Tete (ZOT), dividida em três sectores.

Em 1972, a FRELIMO acentua o esforço em Tete, abandonando praticamente as operações no Niassa e em Cabo Delgado. Aqui, a actuação passou a adoptar mais a vertente psicológica.

A lógica impunha que a contra-subversão também acentuasse o esforço militar em Tete. Assim, a 22 de Fevereiro de 1972, Kaúlza de Arriaga atribuiu ao COFI a responsabilidade da segurança do transporte de cargas críticas destinadas às obras de aproveitamento hidroeléctrico de Cahora-Bassa e determinou ao Estado-Maior daquele Comando que, em coordenação com os elementos militares e civis adequados, iniciasse os estudos necessários à execução daquela missão (98).

Considerando que a segurança de transporte de cargas críticas para a barragem de Cahora Bassa era de importância fundamental para a realização da obra nos prazos previstos, o Comando-Chefe, a 18 de Abril de 1972, difundiu a Directiva de Planeamento Operacional N.º 06/72, onde foram definidas as missões específicas do COFI, da RMM, da 3ª RA, do CTC e da ZOT relativas à segurança dos transportes de cargas críticas para a barragem. Em 26 de Julho de 1972, pelo despacho 534/72, Kaúlza de Arriaga criou o “Comando da Segurança do Transporte de Cargas Críticas”, atribuindo a correspondente dependência administrativa e logística ao Comando da Região Militar e a operacional ao Comando-Chefe. Neste despacho ficou ainda definido que este Comando tinha por missão planear, coordenar e garantir a segurança do transporte dos materiais considerados críticos destinados à barragem, no sentido da inviolabilidade da mesma, bem como dos acessos e das referidas cargas (99).

A subversão progredia nos Distritos menos desenvolvidos economicamente, pelo que a guerra não afectava directamente nada de significativo. Para a FRELIMO era, assim, forçoso alargar a guerra à região central, procurando afectar a Zambézia, Manica e Sofala. Tete seria a ponte para essa penetração. A FRELIMO acreditava que a maior densidade de população nestes Distritos facilitaria a expansão subversiva (100). O primeiro ataque a Manica e Sofala foi lançado a 25 de Julho de 1972 por uma unidade sob o comando de Fernando Matavele. Nesta frente e nos Distritos da Beira e de Vila Pery, a organização era baseada em “focos”.

Em termos militares, a grande ameaça da FRELIMO, que acabou por se concretizar, foi a passagem para Sul do Zambeze, facto inicialmente pouco relevante para o Poder português, mas preocupante para a Rodésia. Para Portugal, o perigo da passagem residia na aproximação à Beira. A partir daí foi difícil travar a progressão das actuações armadas da FRELIMO, porque não havia forças militares. O esforço estava concentrado, e “(...) não houve tempo de trabalhar, adequadamente, as populações e fazer um “muro” como no Messalo com a população Macua. Fizeram-se esforços de aldeamento muito grandes, conseguiu-se ainda recuperar muita população, mas não foi com a mesma consistência que a Norte, tanto mais que não havia a mesma tensão étnica entre Macuas e Macondes (...)”(101).

Na análise global de uma guerra, deparamo-nos, forçosamente, com atropelos aos instrumentos humanizantes da guerra (Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais) pelo menos junto das populações civis. A propósito da Convenção de Genebra, a FRELIMO não deixou de uniformizar os seus guerrilheiros na luta contra a Administração Portuguesa e de tentar que lhes fosse aplicado o conteúdo do Art.º 4º da referida Convenção, relativa ao tratamento de prisioneiros de guerra, quando capturados elementos das FPLM. Também ela, sem embargo, aplicava esse mesmo princípio, que aprovou no II Congresso, aos prisioneiros das Forças Armadas Portuguesas. Todavia, e por outro lado, retirava populações civis, pela força, para áreas sob o seu controlo. Desta forma contrariava o disposto na alínea b) do n.º 1) do Art.º 3º da Convenção de Genebra, da mesma data, relativa à protecção dos civis em tempo de guerra.

No estado pré-insurreccional, a luta contra-subversiva deve abranger medidas psico-sociais, policiais e outras da competência das autoridades civis, pese embora o apoio das Forças Armadas, nomeadamente através de medidas preventivas desenvolvidas pelos respectivos comandos.

Em Moçambique, o Comando-Chefe — ciente daquela premissa e de que na região controlada pelo Comando Territorial Centro se podiam diferenciar quatro áreas de sensibilidade política, económica e psicológica (102), e ainda das necessidades decorrentes da construção da barragem de Cahora Bassa — procurou neutralizar a expansão subversiva pelo isolamento da zona envolvente do complexo hidroeléctrico, aniquilando, reduzindo ou, no mínimo, expulsando a FRELIMO e impedindo o reforço desta (103). Especificamente, procurou garantir a segurança do complexo Dondo-Beira e a segurança de circulação das principais obras de arte e do transporte das cargas críticas para a barragem, nunca descurando a promoção social e económica das populações sob seu controlo (104), impulsionando o reordenamento dos mesmos. Quanto à ZOT, onde as áreas fundamentais de defesa eram o istmo e a região da barragem, especificava-se o controlo da albufeira, impedindo o apoio aos elementos de Vila Pery e Beira, garantindo os objectivos económicos e os eixos de comunicação (105).

Em 1973, o dispositivo do Exército na ZIN, volta a ser dividido apenas em 4 sectores, sendo extinto o E. Mantém-se, contudo, um efectivo de 17 unidades, tipo Batalhão. Em Julho de 1973, em Tete, foi ainda criado, um comando específico, o Comando Operacional da Defesa de Cahora Bassa (CODCB). Mas o agravar da situação a Norte do CTC leva, por um lado, à criação do Comando Geral dos Grupos Especiais (CGGE) e, por outro, à deslocação do COFI para esta zona, tendo o seu comando no Guro. E, para fazer face aos avanços para Sul, é estabelecido um novo sector em Vila Gouveia, sendo estacionados um batalhão em Paiva de Andrade e outro em Inhaminga (106). Pela Directiva Operacional 10/73 do Comando-Chefe, de Julho desse ano, o Dispositivo da ZOT foi novamente alterado, por forma a fazer frente à situação (107).

Estes foram o dispositivo e a situação encontrados pelo General Basto Machado, que substituiu Kaúlza de Arriaga em Agosto de 1973. Globalmente o novo Comandante-Chefe, tencionava exercer a interdição de fronteiras, reduzir a implantação da subversão, aniquilando o inimigo e destruindo os seus meios de subsistência, impedir a sua expansão a Sul, garantir a segurança dos trabalhos de engenharia em curso e apoiar o reordenamento das populações. Especificamente, quanto a Cabo Delgado, procurava proteger a operação ”Fronteira” e garantir a segurança de Mueda, Mocímboa da Praia e de Porto Amélia. Em Tete e a Sul dos rios Luenha e Zambeze, considerava prioritário garantir a segurança da construção da linha de transporte de energia Cahora-Bassa, bem como a segurança do transporte das cargas críticas para a barragem (108).

O esforço frelimista em direcção à Beira desferiu golpes severos ao Poder português e semeou o pânico junto das populações brancas, convencendo-as de que a vitória já não era possível, perante a determinação e a capacidade político-militar da FRELIMO (109). Silva Cunha, já então Ministro da Defesa, procurando avaliar e encontrar uma solução para o problema envia ainda o General Costa Gomes, então CEMGFA — pelo que detinha a competência operacional — a Moçambique, sugerindo ainda a instalação de uma antena do Comando-Chefe na Beira. Porém, os Generais Costa Gomes e Basto Machado, depois de avaliarem a situação, não concordaram com aquela sugestão (110).

Em 1974, o dispositivo do Exército Português no território perfazia um total de 31 batalhões, 128 Companhias tipo caçadores, 1 Batalhão de Comandos, 1 Grupo de Artilharia, 3 esquadrões de Cavalaria, 81 grupos Especiais, 12 grupos Especiais Paraquedistas, 5 Companhias de Polícia Militar e 1 Companhia de Morteiros. De Engenharia existia 1 Agrupamento, 1 Batalhão, 7 Companhias e 2 Destacamentos (111).

Em Janeiro de 1974, tendo em consideração a situação a Sul dos rios Luenha e Zambeze, nomeadamente a Sul do rio Pungué, e os previsíveis objectivos a alcançar pela FRELIMO, tornava-se imperioso o reforço do Comando Territorial Sul, pelo que se procedeu aí a uma remodelação do dispositivo das forças e ao reforço com treze grupos de instrução, considerados disponíveis (112). Contudo, no mesmo mês, as orientações para a actividade operacional de Fevereiro são precisamente idênticas às de Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior (113). Mas, face ao agravar da situação na região de Inhaminga, visando o corte dos Caminhos de Ferro, tornava-se indispensável “eliminar” a FRELIMO nessa área, sendo reforçado o subsector daquela localidade (114).

A área afectada em Cabo Delgado estendia-se da fronteira Norte até à estrada Balama-Montepuez-Ancuabe e desde a linha geral Negomano-Balama até à costa do Índico. Aqui a FRELIMO exercia intensa acção de aliciamento sobre as populações africanas, elementos das forças policiais, organizações militarizadas e corpos administrativos. Procurava beneficiar do seu apoio, nomeadamente no que dizia respeito a informações, fornecimento de meios de subsistência e desgaste das estruturas contra-subversivas (115).

No Niassa, onde continuava a carência de estruturas de contra-subversão, a FRELIMO possuía algumas áreas óptimas para refúgio, como a Serra Jéci e os planaltos de Miandica, Chiconono e Chipamulo. A área afectada pela subversão estendia-se pela fronteira Oeste e Norte até à linha geral Catur-Malapisia-rio Lugenda-Meridiano de Candulo (116).

Em Tete, onde a subversão violenta afectava todo o Distrito (excepto a Angónia e a região Doa-Mutarara), além da actuação sistemática sobre as populações, a FRELIMO procurava dificultar a conclusão da barragem e a exploração de infra-estruturas económicas já implantadas. A sua actividade caracterizava-se pela reacção à actuação das Forças Armadas, pela flagelação e ataques a estacionamentos, acções sobre meios aéreos e forças em operações. Em simultâneo, actuava sobre as populações. Não só o aliciamento, mas as acções violentas desempenhavam, aqui também, papel de destaque, pois dificultavam as condições de vida e desacreditavam a protecção concedida pelas Forças Armadas Portuguesas, provocando o desequilíbrio psicológico das populações que mantinha sob controlo. Além do mais, evitava também que se apresentassem às autoridades (117).

Aquela frente actuava já nos Distritos da Beira e de Vila Pery, reagindo à actividade das Forças Armadas com as já tradicionais flagelações e acções sobre vias de comunicação, criando graves problemas políticos, económicos e mesmo psicológicos junto das populações. A zona afectada era limitada a Sul e a Leste pela envolvente Machipanda-Inchope-Muanza-Vila Fontes. A subversão não se manifestava sob forma violenta nos Distritos de Nampula, Ilha, Inhambane, Gaza e Lourenço Marques, embora se tivessem referenciado acções de aliciamento e, por vezes, de agitação (118).

A Directiva contra-subversiva “Rumo Norte” definia como missão do Comando-Chefe eliminar as ameaças subversivas existentes ou prováveis, desenvolvendo-se a manobra em colaboração com as autoridades administrativas, forças policiais e organizações militarizadas. Esta manobra definia um adensar do dispositivo em faixas de contenção e, em simultâneo, a actuação ofensiva, por forma a reduzir, sistematicamente, as áreas afectadas, de preferência actuando de Sul para Norte, no Niassa, Cabo Delgado e Vila Pery, de Sudeste para Noroeste, no Distrito da Beira, e de Leste para Oeste, em Tete. Esta tarefa seria realizada em sintonia com o reordenamento das populações (119).

Pensamos que por Samora Machel serapologista da luta em zonas rurais (onde o inimigo era fraco, o que conduzia à libertação de determinadas áreas até à instauração do Poder Popular) (120), explica o porquê da FRELIMO nunca atacar, directamente, as grandes cidades. Além do mais, tal não fazia parte dos seus planos (121). No entanto, o Comando-Chefe tinha prevista a defesa dos grandes centros urbanos, através da difusão de várias directivas, pois nelas as condições de proliferação subversiva eram propícias; contudo, não se verificara nenhuma acção violenta. A defesa estava assim preventivamente organizada, procurando evitar a criação do ambiente subversivo e o recurso à repressão armada (122).

O facto de a FRELIMO não desencadear ataques armados não a impedia (apesar de não implantada significativamente em Lourenço Marques) de procurar intensificar as acções subversivas, verificando-se alguma intranquilidade nas populações nativas. Esta situação procurava ser o detonador para posterior actuação/exploração jornalística dos correspondentes e representantes diplomáticos e consulares ali estacionados (123).

As medidas militares, adoptadas ao longo de todo a guerra pelo Poder português tinham por base algumas iniciativas desenvolvidas durante os anos cinquenta e que constituiriam o suporte da sua preparação para o conflito e da estruturação da sua doutrina. Em 1958, intensificou-se o envio de oficiais para frequentarem cursos em Espanha, Bélgica, EUA e França. Entre 1958 e 1959, o Exército enviou para Maresfield Park Camp 5 oficiais para frequentarem, no Intelligence Centre of the British Army, cursos de Informações, de cuja carga horária constava uma significativa componente sobre guerras subversivas. Em 1959, Costa Gomes envia 6 militares em missão de observação à Argélia, onde, em Arzew, frequentam o curso de “Pacificação e Contraguerrilha”.

Em Fevereiro de 1959, é nomeada uma comissão para analisar as condições particulares que envolviam a segurança dos vários territórios da Nação Portuguesa — quer metropolitanos, quer, e sobretudo, ultramarinos — e para estudar a criação de unidades especiais de utilização imediata. Era a preocupação de mudança das políticas de defesa, em curso.

Dado o tipo de guerra que se travava, procurou dar-se aos quadros um mínimo de preparação, sendo criado por despacho ministerial de 6 de Novembro de 1959 o CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais), que tinha a finalidade de preparar tropas na luta contra guerrilha, acção psicológica e operações especiais, ministrando uma formação similar à do "curso de operações especiais” e do "estágio de contra-insurreição" (124). O primeiro trabalho deste Centro foi a instrução ministrada em Abril de 1960 a três companhias de Caçadores Especiais.

Este novo tipo de guerra impunha uma regulamentação também nova. “O Exército na Guerra Subversiva”, publicado em 1963, e novamente em 1966, era composto por 5 volumes — Generalidades, Operações Contra Bandos Armados e Guerrilhas, Acção Psicológica, Apoio às Autoridades Civis, Administração e Logística — e foi influenciado pelas doutrinas francesa e inglesa.

Assim, quando a guerra deflagrou, existia já no Exército uma doutrina táctica de contra-subversão, ainda que incipiente. A “Comissão de Estudos das Campanhas de África (1961-1974)” do Estado-Maior do Exército estabelece quatro períodos no desenvolvimento daquela doutrina no Exercito Português: 1958-60, contacto com as doutrinas; 1961-63, aplicação experimental da doutrina em Angola; 1964-66, aperfeiçoamento da doutrina; 1967-74, consolidação da doutrina (125). Neste período o CIOE, a Academia Militar e o Instituto de Altos Estudos Militares vão editando publicações cada vez mais ajustadas.

A partir de 1961, as designações das diferentes unidades do Exército não eram indicativo da tarefa que estas desempenhavam. Quase todas as unidades estavam estruturadas e combatiam como Infantaria Ligeira. No entanto, mantinham as suas designações e mesmo as tradições anteriores.

A necessidade de criar forças especiais de intervenção leva o Exército a criar os “Comandos”, que se notabilizaram pela sua eficácia na luta contra-guerrilha. Estes nasceram em 1962, pela mão do fotógrafo italiano Dante Vachi, na Zemba, Norte de Angola. Mas a designação “Comando” só aparece em 1964, quando da criação do Centro de Instrução na Quibala (126). Mais tarde, em Fevereiro de 1964, são criados em Moçambique (na Namacha) e, em Julho, na Guiné (em Brá/Bissau). Sob o lema audaces fortuna juvat, esta tropa distinguia-se pela dureza da instrução e pela preparação psicológica para a guerra. Em Moçambique, apesar de haver a Unidade Territorial, tipo Batalhão a 10 Companhias, “(...) nunca actuaram organizados como tal (...)” (127).

Era apanágio dos Comandos, “(...) mesmo durante um determinado ataque, não fazer tiro indiscriminado e conseguir separar o que era guerrilheiro, homem armado, de gente desarmada. A grande habilidade era apanhar o homem armado à mão (...)” (128).

Nos outros ramos das Forças Armadas foram também criadas forças de elite. Na Força Aérea, os Páraquedistas apareceram em 1955, sob o auspício do então Sub-Secretário de Estado da Aeronáutica, Kaúlza de Arriaga. Na Armada, os Fuzileiros foram reactivados em 1961. As forças navais e aérea apoiavam a actuação do Exército, que tinha responsabilidades acrescidas na condução da guerra ora em análise.

As forças não chegavam aos “Teatro de Operações” com o grau de proficiência desejado. A Instrução de Aproveitamento Operacional (IAO) — que procurava adaptar as tropas ao meio envolvente, centrado no combate contra-subversivo, tal como ele ocorria em operações — sofria, por vezes, de diminuição do tempo que lhe era atribuído. Verificou-se, assim, a necessidade de esta instrução ser ministrada, pelo menos em parte, naqueles territórios (129). Contrariamente à Guiné e a Angola, a IAO nunca foi desenvolvida em Moçambique.

Com o prolongar e alastrar da guerra e a consequente utilização de militares em actividades sócio-económicas, a necessidade de efectivos, logo de recrutamento, aumentou. Mas, com elas, aumentaram também as atitudes de desesperança que se manifestavam de diversas formas, como a emigração, a deserção e a diminuição do número de candidatos às escolas de formação de oficiais, numa altura em que as facilidades de acesso tinham em consideração as necessidades superiores. Assim, o recrutamento, na Metrópole, reflectia cada vez mais a falta de entusiasmo para a guerra. Os contingentes recrutados na Metrópole iam diminuindo todos os anos. O ser “Oficial” deixara de ser aliciante, sintoma do abandono a que a juventude estava a votar o Regime saído da revolução de 1926.

Contrariamente à FRELIMO, que se deparava com dificuldades de recrutamento (a isso se referindo a rádio Tanzânia), o Poder português nunca teve essa dificuldade no território de Moçambique (130). A dificuldade existia na Metrópole, onde os meios universitários, afectados por várias organizações políticas contrárias ao Regime, com realce para o Partido Comunista, se mostravam adversos à política africana. A intensa Acção Psicológica, com a finalidade de empolar as dúvidas entre as classes de jovens, normalmente universitários, era também ela justificada como promovida pelo exterior. As manifestações de protesto estudantis iniciadas em 1962 tiveram o seu auge em 17 de Abril de 1968.

Sucedia que as Unidades eram inundadas todos os anos por jovens recém - formados ou que ainda frequentavam o ensino superior. Este fluxo influenciava as mentalidades nas Forças Armadas (131). E não esqueçamos que o tipo de recrutamento efectuado para os quadros de complemento das Forças Armadas Portuguesas partia do princípio de que a matrícula na Universidade era o referencial para o oficialato miliciano, situação que veio a abrir as fileiras à acção subversiva desenvolvida nos meios académicos. Em virtude do esgotamento e da saturação internos, os quadros deparavam-se com a apatia e o imobilismo das estruturas superiores para resolver as situações (132). Uma outra situação tradicionalmente apontada para a mutação de mentalidades nos quadros permanentes foi a profunda alteração no recrutamento social dos Cadetes da Escola do Exército/Academia Militar a partir da Segunda Guerra Mundial; houve um incentivo ao ingresso na carreira militar a classes economicamente menos favorecidas (133), com consequências no nível de ensino e de valores.

Quanto à carência de “Oficiais do Quadro Permanente”, procurou-se solucionar o problema, sem resultados significativos, com a criação de quadros especiais e de passagens efémeras pela Academia Militar, iniciando-se, assim, a divergência entre puros e espúrios.

Estes quadros especiais pouco resolveram, no tocante à carência de oficiais. Os Batalhões partiam para África só com três ou quatro oficiais do Quadro Permanente, oriundos da Academia Militar, sendo quase todos os capitães oficiais milicianos. No Batalhão de Artilharia 2898, aquartelado em Valadim, no Niassa, entre Outubro de 1969 e de 1971, os únicos oficiais provenientes da Academia Militar eram o Major Comandante, o Adjunto e dois Comandantes de Companhia.

Uma das medidas adoptadas para minimizar o problema foi a extensão do serviço militar obrigatório de dois para quatro anos, e a outra foi a localização dos efectivos.

O Comando terá optado pela “localização”(134) das forças quer por não pretender dar à luta um cariz rácico quer pela melhor adaptabilidade do autóctone ao meio quer ainda pela impossibilidade de satisfazer as contínuas solicitações de reforço de efectivos, feitas insistentemente pelos comandos (135).

De acordo com Silva Cunha — por forma a não afectar o desenvolvimento económico da metrópole, necessário para manter a política de promoção social das populações e de sustento do esforço de guerra, observando o princípio de não chamar às fileiras classes na situação de disponibilidade —, foram definidas directivas para intensificar o recrutamento ao nível provincial (136). Esta medida de localização do recrutamento tinha já tradições em Portugal. Lembremo-nos da preferência do seu emprego por Mouzinho de Albuquerque, nas campanhas para o controlo do vale do Zambeze (137) e a sua utilização durante a I Guerra Mundial.

Em Moçambique, quando do início da guerra, em 1964, o recrutamento local representava 43,9% de um efectivo de 18.049 homens, ou seja 7.917 homens. Em 1973, este número aumentou para 53,6% de 51.463, no total de efectivos, perfazendo 27.572 homens (138).

Esta alteração, que alargou a fonte de recrutamento, antes preferencialmente metropolitano, reduziu as despesas, conseguiu uma sustentabilidade em tempo quase infinita e manteve o conflito sob controlo e em baixa intensidade. Esta localização dos quadros das forças armadas servia também a Lisboa de arma preciosa para o reforço da legitimidade política necessária para ganhar a guerra e apoiar a sua propaganda de que esta não tinha carácter racial (139). Além do mais, para o General Júlio de Oliveira “(...) destes indivíduos, talvez se pudesse dizer com mais propriedade que lutavam pela terra deles (...)”(140).

Nestas tropas de recrutamento local, “(...) deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscegenação das unidades com europeus e africanos (...)”(141). Assim, nos territórios africanos, formaram-se unidades quase só constituídas por naturais, recrutados e instruídos no local, e, posteriormente, graduados como oficiais, sargentos e praças. Em Moçambique, destacaram-se os GE, recrutados entre voluntários que emanavam da população de uma zona étnica específica e, após a instrução militar, regressavam ao seu chão de origem, em missões caracteristicamente de contra-guerrilha, de flagelação e de redução do inimigo, tirando o máximo partido da sua adaptação natural ao meio e do profundo conhecimento do terreno e das populações (142). Em Abril de 1974, o seu efectivo estimava-se em cinco mil homens (143). Os GEP tinham recrutamento e actuação ao nível provincial, essencialmente em missões de redução do inimigo, mentalização, enquadramento e controlo das populações.

Estas tropas integraram-se perfeitamente nas Forças Armadas Portuguesas e lutavam com grande empenho contra a FRELIMO, pois não só tinham um emprego relativamente bem remunerado, com todas as regalias inerentes à condição militar, como, além do mais, acreditavam na vitória portuguesa.

À semelhança de campanhas anteriores, organizaram-se e prepararam-se unidades de “segunda linha”, não integradas na orgânica geral das Forças Armadas, com funções de guia, auxiliares, milícia civil e grupos de defesa de aldeamentos. Estas tropas irregulares, como as de Daniel Roxo, na dependência directa dos “Governadores de Distrito”, foram uma medida vantajosa, dado que libertavam daquelas tarefas as Forças Armadas e forçavam a um empenhamento das autoridades civis das zonas afectadas.

Em Moçambique, existiam as milícias de intervenção (depois Guardas Rurais), com a missão de combater o terrorismo e a subversão, “(...) quer pela perseguição activa tendente à destruição de bandos in e detenção de elementos subversivos, quer pela defesa dos aldeamentos, recuperação de populações sob domínio In e a reconstrução económica das regiões afectadas pela acção terrorista (...)”(144), e as milícias de protecção (depois milícias), que constituíam um corpo militar de “segunda linha”, com a missão principal de autodefesa das populações da área administrativa a que pertenciam, preservando a manutenção da ordem instituída. Destas, destacamos a autodefesa na região de Mecanhelas, da iniciativa de Jorge Jardim, com o apoio do Comando-Chefe. Com as milícias, pretendia-se conferir às autoridades tradicionais um meio relativamente eficaz de policiar a periferia e o interior dos agregados populacionais a seu cargo. Estas estariam, assim, mais capazes de fornecer dados concretos às autoridades administrativas sobre as evoluções verificadas naqueles agregados por si controlados.

Para além das tropas de recrutamento local e das milícias, criou-se ainda a “Organização Provincial de Voluntários de Defesa Civil” (OPVDC), dependente do comandante militar, que apenas ganhou importância em Angola (145).

 
 

 




 



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