Cresce o número de oficiais das Forças Armadas que procuram a consagração dos títulos académicos nas Universidades, ao mesmo tempo que se arrasta moroso o projecto, agora já antigo, de criar a Universidade das Forças Armadas.
A natureza das coisas parece que assim vai traçando uma via pragmática que ultrapassa as perplexidades resultantes de não serem facilmente conciliáveis a liberdade académica com a cadeia de comando, aquela a dinamizar o fortalecimento da histórica autonomia, a última a encontrar melhor resposta no modelo das escolas de quadros, que são aliás inteiramente compatíveis com os padrões do ensino superior na área da formação.
Na teoria da legitimidade universitária, esta veio historicamente de entidades exteriores, a Igreja ou o Estado, e a actividade de formação foi a inicialmente privilegiada para transmitir e preservar as “ideas del tiempo” de que falava Ortega.
O facto de a natureza do ensino superior das escolas militares incitar à deriva para a carreira das honras académicas é um sinal animador de uma integração dos subsistemas, mesmo sem modelo assumido, que também vai ao encontro da profissionalização exigente da alta formação técnica e científica, da questão da empregabilidade que acompanha o avanço da contratualização, e da circulação das elites entre os subsistemas com identidade separada e igual dignidade.
No caso presente, a escolha da área da história para o Doutoramento, também pode contribuir para a visitação dos arquivos, incluindo os relatórios de análise, prospectiva, previsão, e execução das missões das Forças Armadas, sobretudo no que toca ao período da guerra colonial em que se esgotou o conceito estratégico secular português, a exigir profunda revisão no caso de a experiência ser considerada como alicerce da reformulação do conceito estratégico nacional.
O autor recolheu em missões subordinadas à Agenda para a Paz da ONU uma experiência profissional que lhe enriqueceu a perspectiva de análise das campanhas que estiveram a cargo da geração anterior, e que o ajudaram a identificar algumas das contradições com que nos deparamos para racionalizar um passado tão próximo, e todavia tão distantes da evolução em curso.
Sem pretender ser exaustivo na análise do texto, ficam chamados à discussão temas como os de saber se, no início da década de sessenta, o governo tinha uma clara noção da relação entre a política externa e a política interna, ou se ainda adoptou a perspectiva da acção policial;
Quando o último governo da Constituição de 1933 tomou posse ao abrigo do desejado “mandato indeclinável”, é discutível se abriria uma perspectiva liberalizadora a uma oposição com planos estratégicos para conduzir a evolução, ou se apenas se alimentava da meditação interna do regime porque não existiam planos de oposição baseados em conhecimento da realidade colonial;
A herança, se alguma, da intervenção do General Botelho Moniz é discutível se tinha em vista um pensamento e projecto da descolonização, ou antes e apenas um projecto de paz, sobretudo um projecto de não envolvimento de Forças Armadas deficientes em operações de guerra;
Será de esclarecer se a Igreja que em 1940 abençoava a Nação evangelizadora a o Império, se reconhece na Igreja que em Moçambique quis “Repensar a guerra”, e invocou o “Imperativo de Consciência”, sendo problemática a consonância com a atitude do governo e da população;
Continua duvidoso se a decisão marcelista de rever a Constituição, anunciando um ponto final na perspectiva salazarista, contribuiu para a decisão militar de intervir politicamente, ou esta foi antes consequência da longa espera por uma decisão política do conflito;
É finalmente incerto se o fim do regime por acto militar teve em vista adoptar a descolonização, ou antes e apenas recuperar a paz pelo fim da intervenção, sem envolvimento programático no processo que se desenvolveu a seguir.
O percurso escolhido é difícil, a teoria de respostas não podia ser concludente, mas a primeira apreciável contribuição é a de proceder a uma sementeira de perguntas e de incertezas que ficariam omissas faltando esta incursão académica bem sucedida, e que a Universidade Portucalense consagrou.
Entre mais razões porque se trata de um documento que dá testemunho de que já se vai ganhando distância suficiente para encarar os factos com a serenidade com que os países também precisam de se recolher em meditação e transparência
Adriano Moreira
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