FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA
Os movimentos independentistas,
o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)

Introdução

A presente dissertação que tem por tema “Guiné 1963-1974: Os Movimentos Independentistas, o Islão e o Poder Português”, partiu do interesse pelo estudo dos comportamentos de mecanismos políticos e sócio-religiosos que ultrapassavam as fronteiras das colonizações europeias, no contexto integrador da Guiné, num dos períodos mais conturbados da História Contemporânea, ligado ao processo internacional de descolonização. Semelhante objectivo insere-se no vasto âmbito das Relações Internacionais: transcendendo um espaço político formal, ele compreende relações entre forças políticas, agindo aos níveis interno/externo e entidades de que as mesmas estão, ou não, formalmente dependentes no exterior do território, bem como relações entre forças sócio-religiosas distribuídas por soberanias diferentes, sobre o conjunto se exercendo pressões ideológicas concorrentes ou antagónicas no panorama internacional. (1)

Esta escolha justifica-se, em nosso entender, por quatro razões cuja explicitação permite definir os propósitos que presidiram a este trabalho.

Em primeiro lugar, procurou-se perspectivar o enquadramento histórico da guerra nas antigas Províncias Ultramarinas Portuguesas, tendo em conta a evolução da sociedade internacional, desde o encetar, na questão de Bolama, das disputas internacionais pelas soberanias nesses territórios, até à afirmação do Terceiro Mundo, após a Conferência de Bandung. Assim, interessou-nos analisar o desenvolvimento da acção das Nações Unidas e o papel das grandes potências no processo internacional de descolonização.

Em segundo lugar, entendeu-se analisar o que é, como surge e como se desenvolve o processo subversivo a nível global, para, posteriormente, passarmos a uma abordagem dos movimentos independentistas que se constituíram na Guiné Portuguesa. No quadro conflitual hodierno, o independentismo e a autodeterminação dos povos, bem como os factores cultural e religioso, continuam a exercer função de primordial importância ou de alegada motivação.

Mesmo antes do desencadear da subversão armada, afigurava-se de grande importância o papel desempenhado pelas diversas realidades sócio-religiosas do território.

Em terceiro lugar, pretendeu-se assim, tratar as comunidades muçulmanas e as sociedades de religião tradicional, no contexto do desenvolvimento da guerra. Tais realidades, apesar da colonização europeia ter dividido a África em fronteiras artificiais, caucionadas pelo Direito Internacional, preservaram poderosos mecanismos “laterais” de comunicação, exponenciados naquele território pela impressiva massa muçulmana.

Numa deslocação muito recente aos principais centros de polarização islâmica da República da Guiné-Bissau (Bissau-Bafatá-Bijine-Cambor-Farim-Jabicunda-Quebo-Sinchã Santa Mansata), tentámos inteirar-nos, na medida do possível, da actual realidade muçulmana guineense e actualizar as linhas de articulação das respectivas confrarias ao exterior. Esta tarefa aliciante revelou-se altamente proveitosa, até pelo privilégio do contacto com as suas gentes.

Em quarto lugar, pretendeu-se analisar o desafio lançado pelo PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde) ao Poder Português, no que concerne ao controlo das populações, e como este desenvolveu a sua acção em termos de resposta global à guerra revolucionária, no território.

Os limites cronológicos em que se insere o nosso estudo, situados entre 1963-1974, justificam-se pelo facto de este ser o período de desenvolvimento da luta armada, conduzida pelo PAIGC contra a soberania portuguesa.

Na elaboração deste trabalho privilegiámos o método comparativo, procurando colocar em confronto versões diferenciadas dos acontecimentos e, por razões ressaltantes da própria temática, entendemos também ser necessário aquilatar a situação semelhante ocorrida em Moçambique.

Após uma dilatada pesquisa, e porque já decorreram duas décadas sobre a independência, pretendemos (recorrendo ao material disponível, em muitos casos documentação classificada, nunca antes explorada no âmbito universitário e pela recolha de depoimentos de algumas personalidades), dar uma visão original da génese, desenvolvimento e condução da “guerra na Guiné”, nisso incluindo o estudo do comportamento das comunidades muçulmanas, cuja densidade demográfica e política tão importante foi no processo.

Para a concretização do objectivo proposto, tivemos presente que a ciência das Relações Internacionais, pela pluralidade de perspectivas que podem ser chamadas a integrar temática que dela se reclame, determina a abordagem de outras áreas das Ciências Sociais como, por exemplo, a Antropologia Cultural, a Sociologia, a Estratégia, a História e o Direito. Esta confluência possibilitou, julgamos, uma maior precisão do campo de trabalho e maior nitidez quanto ao desenvolvimento dos quatro capítulos do nosso plano.

 

(1) O Prof. Doutor Adriano Moreira define Relações Internacionais, como: “(...) o conjunto de relações entre entidades que não reconhecem poder político superior, ainda que não sejam estaduais, somando-se as relações directas entre entidades formalmente dependentes de poderes políticos autónomos (...)”. Em “Teoria das Relações Internacionais”, pág. 18, Ed. Almedina, Coimbra, 1996.

O mesmo autor em 1987 definiu Relações Internacionais como: “(...) relações entre entidades políticas que não reconhecem poder superior (não são necessariamente Estados) e as relações directas entre as entidades privadas (de fins políticos e não políticos), submetidas a soberanias diferentes, assim como as relações entre entidades privadas e entidades políticas de que não estão dependentes (...)”. Em Enciclopédia Polis, vol. 5, págs. 315 e 316, Ed. Verbo, Lisboa, 1987.

 
 

 




 



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