FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA
Os movimentos independentistas,
o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)

CAPÍTULO IV - O INDEPENDENTISMO E O PODER PORTUGUÊS
EM CONFRONTO

2.1. - A “resposta possível” e/ou iniciativas portuguesas face à subversão. A Acção Psicológica

Portugal enfrentava uma guerra subversiva que, sem frente, se disseminava nos territórios e infiltrava nas retaguardas.

A formação dos quadros permanentes, e mesmo a perspectiva da guerra, permaneceram clássicas. Com a queda do Poder Português na Índia, a imagem das instituições militares ficou fortemente lesada pelo modus faciendi daquela. Elas mantinham-se presas à perspectiva de “ganhar” ou “perder”. Inicialmente, este factor impediu que a guerra em África fosse encarada nas suas características específicas. Uma vez corrigida essa posição, as Forças Armadas passaram do “(...) ganhar ou perder para o aguentar (...)”(1).

Para aguentar, o Poder Português tinha de desencadear uma manobra contra-subversiva com o objectivo de proteger e fortalecer as estruturas políticas e sociais do Estado, a fim de impedir que a subversão tivesse êxito e assim poder restabelecer a paz. Para alcançar esse objectivo, tinha de se apoiar numa manobra e numa estratégia correspondentes, sendo a estratégia forçosamente total, indirecta, desencadeada quer a nível interno quer a nível externo. A manobra requeria o concentrado binómio Informações/Acção Psicológica.

Quando Clausewitz escreveu que “(...) sendo a guerra (...) um acto dominado por um desígnio político (...)” e, por vezes, quando “(...) os dispêndios de força são tão grandes que não correspondem ao valor do objectivo político, é necessário abandonar esse objectivo e assinar a paz (...)”(2), não imaginava quão fácil seria enquadrar tal afirmação nas características do conflito da Guiné. A resposta contra-subversiva desencadeada pelo Governo Português, «resposta possível», claro está, exigia, de acordo com o 1º volume da «Resenha Histórico Militar das Campanhas de África (1961-1974)», “(...) uma acção coordenada e muito íntima entre as Forças Armadas, as Autoridades Administrativas e as populações, (...) uma atenta vigilância na retaguarda e uma integração perfeita das acções militares, diplomáticas, políticas, económicas e psicológicas (...)”, sendo nela envolvidos numerosos efectivos da Metrópole; pelas suas características, a “(...) subversão visava a população como um todo, e não apenas uma ou outra região ou etnia, e podia arrastar assim até regiões insuspeitadas (...)”(3); esta situação foi desgastando o Poder Português até sucumbir com a revolução de Abril de 1974.

Para Amaro Monteiro, a designada “resposta possível” a situações de cariz subversivo/revolucionário é mister passar pela coordenação estreitíssima de quatro acções oportunas:

“(...)

1. Social (através da melhoria de condições de vida);

2. Político-administrativa (pelas reformulações de carácter permanente);

3. Militar (preparando e se necessário desencadeando as técnicas de contra-guerrilha adequadas a cada teatro, sobretudo por forma a evitar que a potencial guerrilha passe à acção armada, e muito mais se ela para tanto puder dispor de «santuário/s») (...);

4. Psicológica ( para quanto emerge de uma forma de guerra que, podendo apenas exercer-se por si, é normalmente utilizada como complemento ou adjuvante de qualquer das outras ) (...)”(4).

Seguia-as o General Spínola, pois o seu plano de contra-subversão, delineado no ano de 1970, assentava no seguinte (5): desenvolvimento adequado e rápido da Guiné, de modo a produzir, em tempo útil, uma acentuada melhoria do nível de vida das populações; promoção e assistência sociais adequadas e integradas numa política de dignificação do Povo da Guiné e de satisfação, em tempo oportuno, dos seus legítimos anseios; garantir, através da manobra militar adequada, o espaço e o tempo necessários para que, em tempo útil, se atingissem os objectivos primários da política adoptada.

Mas confrontemos a opinião do líder do PAIGC para quem o plano português consistia em três fases, que procuramos sintetizar (6):

1.ª - Infiltrar agentes inimigos e estudar fraquezas do Partido, provocando divergências internas, apoiadas no racismo, tribalismo, etc.

2.ª - Criar uma rede clandestina e direcção paralela, desacreditar o Secretário-Geral, para provocar a sua eliminação, no quadro do Partido, ou mesmo a sua eliminação física. Preparar nova direcção clandestina e lançar uma nova grande ofensiva para aterrorizar populações dos territórios libertados;

3.º - No caso de falhar a segunda fase, tentar um golpe contra a direcção do Partido, fazendo assassinar o seu Secretário-Geral. Formar uma nova direcção, baseada no racismo, e opor guineenses a cabo-verdianos, utilizando o tribalismo e a religião. Impedir a luta no interior do País e liquidar os que permanecessem fiéis à linha do Partido. Entrar em contacto com o Governo Português; desencadear falsas negociações; obter autonomia interna; criar um Governo fantoche na Guiné-Bissau, que seria designada de “Estado da Guiné” e faria parte da comunidade portuguesa; atribuir postos importantes, então prometidos pelo General Spínola, a todos que executassem o plano.

Como verificamos, são completamente distintas, mas ambas com a mesma finalidade: a de conseguir atrair populações do seu inimigo, desacreditar as razões da existência da subversão/contra-subversão e, assim, restabelecer a paz, de acordo com os seus critérios.

 

(1) Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 26. De acordo com o analista, esta atitude, apesar de diferente, não conseguiu eliminar nas Forças Armadas a concepção de raiz, segundo a qual “(...) a responsabilidade última sobre a sociedade civil pertence à militar (...)”. Ao aguentar, as Forças Armadas beneficiavam o tempo de manobra político.

(2) Carl Von Clausewitz, ob. cit., pág. 93.

(3) Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 122.

(4) Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 275. Hermes de Araújo Oliveira acrescenta: “(...) da integrante destas quatro acções (...) resulta a nossa resposta contra a subversão, restabelecendo a ordem, em primeiro lugar, e criando a «nova ordem» de seguida (...). Destas quatro acções, duas há responsáveis pela destruição do inimigo: a acção militar, que fará a destruição material, (...) e a acção psicológica, que destruirá a doutrina (...)”. Em “A Resposta à Guerra Subversiva”, pág. 61, em “Subversão e Contra-Subversão”, Estudos de Ciências Políticas e Sociais, nº. 62, Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1963: 47-95. Roger Mucchielli defende cinco acções a desencadear na luta contra-subversiva: 1 - O uso da arma do ridículo sobre o inimigo; 2 - Desencadear a «operação verdade»; 3 - Evitar a situação de tribunal popular; 4 - O emprego da contra-informação; 5 - O implementar, com eficácia, vigilâncias com milícias locais, politicamente formadas e enquadradas. Em ob. cit., págs. 169 a 180.

(5) Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Directiva Nº 8/70, de 11 de Abril de 1970, Confidencial.

(6) Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, págs. 123 a 125.

 
 

 




 



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