FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA
Os movimentos independentistas,
o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)

CAPÍTULO IV - O INDEPENDENTISMO E O PODER PORTUGUÊS
EM CONFRONTO

1. - A política interna portuguesa no período em análise e a sua inflexão ultramarina

No plano de controlo das comunicações entre o norte/sul do Oceano Atlântico, e mesmo até entre as suas margens, assumia, então, nível de curto ou, de preferência, médio prazo o pré-objectivo da Guiné, para posterior assalto ao objectivo principal, o arquipélago de Cabo-Verde. Nestes territórios, a presença da Administração Portuguesa era, com toda a evidência, um entrave para a construção de zonas de influência que permitissem assegurar posições vantajosas na luta entre as superpotências; assim, porque urgia para uns e bem podia servir a outros, era necessário eliminar essa presença. Mister, apenas, o onde e como se processaria a tomada técnica do Poder. No período em análise, as pressões internacionais, para Portugal ceder, surgiram a 14 de Dezembro de 1955, através do inquérito feito pelas Nações Unidas, nos termos do Artigo 73º, da respectiva Carta.

Todos os regimes portugueses procuraram (apesar de muitas vezes pressionados para ceder) manter, desenvolver e defender o Ultramar. São disso exemplo variados acontecimentos ao longo dos séculos, alguns deles já referidos no capítulo I do presente estudo.

O Governo Português tomou a decisão de ficar, (...) em presença de factores idênticos aos que em outras épocas da História, em circunstâncias semelhantes, se haviam verificado (...)”(1). A resistência portuguesa, face às suas responsabilidades pela segurança das populações e pela preservação dos seus bens, era justificada como um imperativo de justiça e da legítima defesa e portanto, esta devia ser uma atitude colectiva (2). Face às Nações Unidas, o Governo Português sustentou a mesma resposta: o “Ultramar já era independente com a independência da Nação”(3), durante 19 anos.

Durante a campanha eleitoral, em 1969, o Doutor Marcello Caetano expôs a sua política ultramarina (4) que ele, face aos resultados eleitorais, considerou legitimada. Assim, após assumir as funções de Presidente do Conselho, a 27 de Setembro de 1968, e uma vez que tencionava prosseguir a sua governação, de acordo com a fórmula “renovação na continuidade” (5), pôde levar por diante não só a defesa ultramarina mas também a reforma das leis e instituições com vista a um alargamento da autonomia das Províncias.

Em 1971, o Governo Central propôs uma revisão da Constituição, sendo esta aprovada a 16 de Agosto do mesmo ano. Na nova Constituição era mantido o princípio da unidade política (6) e consagrado o princípio da autonomia das Províncias (7). Todavia, o Governo de Lisboa detinha a autoridade final sobre todas as decisões tomadas nas Províncias Ultramarinas, respeitantes à representação e política externa, à definição dos respectivos estatutos e ainda quanto à fiscalização das suas actividades financeiras. Com a revisão da Constituição em 1971, o “(...) sistema político abria brecha com o advento da chamada «ala liberal» (...)”(8), esboroando-se, desta forma, na Câmara Legislativa, o dogma da integração.

 

(1) Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 17.

(2) Marcello Caetano, “Pelo Futuro de Portugal”, pág. 53, Ed. Verbo, Lisboa, 1969.

(3) Fórmula encontrada por Salazar ao comentar o conceito de território não-autónomo, quando pela primeira vez se desencadeou o ataque contra Portugal na ONU. A este propósito, ver Franco Nogueira, “Salazar - A Resistência (1958/1964)”, pág. 171.

(4) A 11 de Setembro de 1969, a campanha eleitoral foi aberta com uma comunicação do Presidente do Conselho, Doutor Marcello Caetano. Este abordou a política ultramarina da seguinte forma: “(...) é preciso que cá dentro e lá fora, fique bem claro se o povo português é pelo abandono do Ultramar ou se está com o Governo na sua política de progressivo desenvolvimento e crescente autonomia das Províncias Ultramarinas (...)”. Em Marcello Caetano, “Pelo Futuro de Portugal”, págs. 318 e 319.

(5) Marcello Caetano, “Renovação na Continuidade”, pág. 47, Ed. Verbo, Lisboa, 1971.

(6) Unidade política expressa na forma unitária do Estado. O Artº. 5º da Constituição especificava: “O Estado Português é unitário, podendo compreender regiões autónomas com organização político-administrativa adequada à sua situação geográfica e às condições do respectivo meio social”.

(7) No Título VII da Constituição, “Das Províncias Ultramarinas”, refere o Artº. 133º “Os territórios da Nação portuguesa situados fora da Europa constituem Províncias Ultramarinas, as quais terão estatutos próprios como regiões autónomas, podendo ser designadas por Estados, de acordo com a tradição nacional, quando o progresso do meio social e a complexidade da sua administração justifiquem essa qualificação honorífica”. No Artº. 135º era definida a autonomia das respectivas Províncias e pelo Artº 136º era assegurado que a autonomia, configurada como tal, “não afectará a unidade da Nação, a solidariedade entre todas as parcelas do território português, nem a integridade da soberania do Estado”.

(8) Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 288.

 
 

 




 



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