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FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA
Os movimentos independentistas,
o Islão e o
Poder Português (Guiné 1963-1974)
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Capítulo II - Os movimentos independentistas
Na ÁFRICA NEGRA E EM ESPECIAL NA GUINÉ PORTUGUESA
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4.2. - Apoio bilateral |
Na Guiné, a selecção dos quadros do partido para a frequência de cursos, no estrangeiro, foi feita nomeadamente entre cabo verdianos e as etnias Mancanha e Papel, consideradas como as que possuíam o maior grau de evolução. A sua formação política foi feita, normalmente, na URSS e na China Popular. Posteriormente, quando do seu regresso, eram destinados a exercer funções de maior responsabilidade, no âmbito da organização do Partido. Contudo, a sua formação prosseguia continuamente, pois os elementos do Partido eram submetidos a um aperfeiçoamento nos denominados “Seminários de Quadros”.
Quanto ao ensino, no estrangeiro, foi referenciada a ida de bolseiros do PAIGC para frequentarem cursos e especializações de carácter militar (1) e civil (2). A actividade de angariação e distribuição das bolsas era feita pela Secção de Estudos no Exterior, directamente dependente da Direcção dos Serviços de Cultura a quem competia a ligação dos estudantes ao Partido. Durante a realização do “Seminário de Quadros”, em Novembro de 1969 (3), numa intervenção de Amílcar Cabral intitulada “Elevar a Consciência Política e a Militância dos Estudantes do Partido”, o Secretário-Geral refere-se aos estudantes, no estrangeiro, em termos de notória preocupação, relativamente a atitudes tomadas por estes, como a fuga para países aliados de Portugal, e mesmo para este último país.
Os quadros inferiores do Partido e os combatentes eram treinados em campos de instrução dos países limítrofes, como o de Kambera, na República da Guiné. Estes elementos recebiam formação política (4) e militar (5). Algumas instruções de especialidade foram ministradas em outros países como Argélia, Cuba, China Popular e URSS (6).
Os países nórdicos sempre se distinguiram pelo seu apoio financeiro declarado aos movimentos independentistas. A Dinamarca, país aliado de Portugal na NATO, associado na EFTA e também uma nação pluricontinental, teve um comportamento em relação à política ultramarina portuguesa classificado pelas autoridades de “(...) incoerente, insólito e dos mais ofensivos (...)” (7).
O auxílio deste país, segundo uma conferência de imprensa, dada em 10 de Março de 1972, em Dar-Es-Salem, por Knud Andersen, Ministro dos Negócios Estrangeiros Dinamarquês, seria prestado pelo seu governo em material e, especificamente, destinado aos campos da saúde e educação; o montante a conceder aos movimentos independentistas africanos seria de 6.500.000 coroas dinamarquesas (8).
A Noruega, apesar de ser parceiro de Portugal na NATO, também apoiava os movimentos independentistas de diversas formas. Andreas Cappelen, Ministro dos Negócios Estrangeiros, esclareceu numa comunicação ao Storting (Parlamento Norueguês) que o seu Governo tencionava dar auxílio humanitário e assistência económica aos povos das “colónias”, ainda existentes em África, para que estes pudessem continuar a sua luta pela libertação (9). Assim, em resultado da visita de uma delegação do PAIGC a Oslo, o Governo norueguês propôs a concessão de um milhão de coroas norueguesas a este Partido (10), mas o auxílio seria sob a forma de bens de equipamento.
Neste país, o apoio aos movimentos independentistas africanos atingiu o auge, quando da realização, de 9 a 14 de Abril de 1973, em Oslo, da “Conferência Internacional de Peritos em Apoio às Vítimas do Colonialismo e do Apartheid, na África Austral”. Nesta conferência, com antecedentes remotos em Cartum e, posteriormente, em Roma (11), estiveram representados 53 países dos 65 convidados e 7 movimentos independentistas, sendo a delegação do PAIGC representada por Vasco Cabral. Este delegado anunciou que a Assembleia Nacional Popular, criada em 1972, proclamaria a existência “de jure” da Guiné-Bissau, em 1973.
O Governo Sueco, considerado responsável pela expulsão de Portugal da UNESCO, apoiava os movimentos independentistas através da “SIDA” (Swedish International Development Agency). Nos anos de 1969 e de 1970, a ajuda financeira cedida pela Suécia ao PAIGC foi de 2.750.000 milhões de coroas suecas, e de 4,5 milhões em 1971 (12), tendo sido elevada, posteriormente, para 10 milhões (13). A ajuda humanitária sueca tinha uma particularidade que a distinguia das outras: a possibilidade dada ao PAIGC na escolha antecipada para o emprego do montante o que, segundo Luís Cabral, permitiu “(...) um gigantesco passo na construção de uma vida melhor para o povo das áreas libertadas (...)” (14).
Olof Palme, Primeiro Ministro sueco, dizia após o assassinato de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de 1973, em carta enviada à viúva do líder africano, que as iniciativas do marido e dos seus companheiros deviam resultar na derrota da potência colonial, na Guiné-Bissau, prometendo ainda aumentar o apoio do seu Governo facto que se viria a concretizar com um aumento que se supõe ter sido para metade do auxílio sueco a movimentos independentistas, orçamentado em 30 milhões de coroas (15).
Amílcar Cabral considerava que “(...) a luta na nossa terra, tem que ser feita pelo nosso povo. Não podíamos de maneira nenhuma pensar em libertar a nossa terra, chamando gente de fora (estrangeiros) para virem lutar por nós (...)” (16). O certo é que o PAIGC não só recebeu apoio externo de instrutores militares como também de alguns mercenários (17).
De todo o auxílio externo, o mais importante, no terreno, foi o prestado pelos países limítrofes, a partir dos quais eram efectuadas operações militares (18). Para Debray, “ (...) o estudo de todas as guerras populares contemporâneas (...) põe em relevo por todo o lado, e sempre, o papel decisivo exercido pelo «santuário» de um país amigo ou neutro, limítrofe (...) Encontrar-se-á, dificilmente, hoje, uma guerrilha de envergadura, em qualquer parte que seja do mundo, mesmo se possui bases raciais, étnicas ou nacionais maciças, como nos países africanos ainda submetidos à colonização portuguesa, que tenha podido ou possa escapar ao esgotamento físico, sem poder contar com uma possibilidade de recesso em lugar seguro (...)” (19). Porém, admitimos que não existem santuários invioláveis. Na guerra da Guiné Portuguesa, esse papel era desempenhado pelo Senegal e pela Guiné-Conacry, e as Forças Armadas Portuguesas executaram operações diversas vezes em território senegalês e da República da Guiné, e por isso Portugal foi condenado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, como foi o caso da Resolução nº 273 de 9 de Dezembro de 1969, em que se adverte Portugal por ter atingido com tiros de obus a aldeia senegalesa de Samine, e a Resolução nº 275 do mesmo ano que advertia, solenemente, o Governo de Lisboa, em relação a incursões ou ataques contra o território da Guiné-Conacry.
Do Governo de Sékou Touré, o PAIGC recebia todo o auxílio possível, desde totais facilidades de trânsito, de instrução militar das FARP, de educação dos futuros quadros, de assistência sanitária, de propaganda, e até, inclusivamente, pelo internamento em estabelecimentos prisionais guineenses de militares portugueses feitos prisioneiros. Podia-se mesmo considerar como um “(...) paraíso (...)” (20) para o PAIGC.
Por parte do Governo Senegalês nem sempre assim foi. Senghor, que de início prestava auxílio à FLING, talvez por receio do fomento de perturbações desenvolvidas pelo PAI (Partido Africano da Independência), partido de oposição com forte influência no Casamansa e que mantinha com o PAIGC estreitas relações, decidiu conceder apoio e celebrou mesmo um protocolo com o PAIGC, que estabelecia as modalidades de cooperação entre as autoridades senegalesas e os responsáveis do PAIGC (21). O trânsito de elementos e material para apoio era controlado através de escoltas, quer da Guarda Republicana, quer do Exército, por forma a evitar o seu desvio para as populações do Casamansa.
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(1) De acordo com o Supintrep 32, “Ordem de Batalha do PAIGC - Instrução, Táctica e Logística”. Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto, Junho de 1971:
Rússia - cursos e especializações de aeronáutica, marinhagem e fuzileiro, especializações políticas, bem como a preparação militar dos futuros quadros do Exército Popular;
China - especializações de política e guerra subversiva, obtidos no Instituto Popular de Política Estrangeira, em Pequim, e na Universidade Política Militar, em Nanquim;
De acordo com o Supintrep 32, “Ordem de Batalha do PAIGC - Instrução, Táctica e Logística”. Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto, Junho de 1971:
Rússia - cursos e especializações de aeronáutica, marinhagem e fuzileiro, especializações políticas, bem como a preparação militar dos futuros quadros do Exército Popular;
China - especializações de política e guerra subversiva, obtidos no Instituto Popular de Política Estrangeira, em Pequim, e na Universidade Política Militar, em Nanquim;
A preparação dos quadros do Exército Popular na China, Cuba, Argélia e Marrocos.
(2) De acordo com o Supintrep 32:
a) Rússia: são ministrados cursos de medicina e agronomia (Universidade Patrice Lumumba em Moscovo), enfermagem, geologia, pedagogia, sindicalismo, cursos comerciais e mecânicos (Kiev);
b) Checoslováquia: os alunos do PAIGC frequentaram cursos de engenharia de minas, máquinas e civil, medicina e sindicalismo, espionagem, higiene e profilaxia social;
c) Alemanha Democrática: electricidade e máquinas;
d) China Popular: espionagem e sindicalismo;
e) Bulgária: medicina, medicina veterinária, enfermagem, agronomia, pesca e indústria conserveira;
f) Hungria: economia e engenharia de minas;
g) Cuba: transmissões e enfermagem.
(3) Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº 36.
(4) Esta formação consistia em conhecimentos elementares sobre a História da Guiné, sobre os dirigentes do Partido, o Partido e os seus Programas, a situação política e económica de Portugal e da Guiné. Era ensinada ainda a forma de desenvolver acções de propaganda da “luta de libertação nacional” entre as populações.
(5) Com o avanço da luta, o PAIGC necessitou de suprir às necessidades de recompletamento e aumentos FARP. Assim, nas zonas sob seu controlo, nomeadamente as áreas de Biambe/Queré, Tiligi e Sara/Enxalé na Inter-Região Norte e nos sectores Gã Formoso, Injassane, Como, Tombali, Cubucaré, Quitafine e a Oeste da estrada Bambadinca-Xitole na Inter-Região Sul, desencadeou operações de recrutamento, extensivo às populações refugiadas na República da Guiné e Senegal. A estes elementos, com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos, era ministrada instrução político-militar e cultural intensiva, num total de 180 horas de preparação militar e 100 de preparação cultural. Em, Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, “Supintrep n º 32”.
(6) Em conformidade com o Supintrep nº. 32,:
- China Popular- campos adstritos às Academias Militares de Nanquim e Wuhaw e campo de instrução em Pequim;
- Cuba- Campo de instrução Sierra Maestra em Mina del Rio;
- URSS- Centro de instrução da marinha de guerra de Hersen, e campo de instrução de Sumperopol.
Segundo um documento dos Estados-Maiores Peninsulares, “Informação Sobre o Apoio de Diversos Países a Movimentos de Libertação”, Secreto, de 20 de Março de 1973, na Argélia foram localizados campos de instrução de guerrilheiros em Ain El Turk, Ain Sefra, El Aricha, Sebou, Sidi Bel Abbes e Kenadza, sendo que os elementos do PAIGC eram treinados em Colbert. No Supintrep nº. 32 é referido que também a população era educada politicamente pelos comissários políticos dos diferentes escalões; neste documento está bem explicita a forma como era feita a doutrinação.
(7) Estado-Maior do Exército, Relatório Mensal de Notícias, Reservado, Março de 1972.
(8) Idem.
(9) Estado-Maior do Exército, Relatório Mensal de Notícias, Reservado, Janeiro de 1972.
(10) Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção Geral dos Negócios Políticos, ofício n º 152 de 8 de Junho de 1972.
(11) Em 1968, realizou-se em Cartum uma conferência de solidariedade para com os movimentos político-subversivos das antigas Províncias Ultramarinas Portuguesas e da África Austral. Nesta conferência procurou mobilizar-se a opinião pública internacional em favor dos movimentos independentistas. Na Conferência de Roma, “Conferência Internacional de Apoio aos Povos das Colónias Portuguesas”, realizada de 27 a 29 de Junho de 1970, participaram 177 organizações, representando 64 países.
(12) Direcção Geral de Segurança-Angola, Informação nº287-2ª DI, “Apoio aos Movimentos Subversivos”, 2 de Março de 1972.
(13) Ministério do Ultramar, Gabinete dos Negócios Políticos, Resenha n º 51 de 1972.
(14) Luís Cabral, “Crónica da Libertação”, pág. 334, O Jornal, Lisboa, 1984.
(15) Secretaria Geral da Defesa Nacional, 2ª Repartição, Recortes de Notícias, Extraída de Reuter, 13 de Fevereiro de 1973.
(16) Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág. 156.
(17) Na obra do General Spínola, “País sem Rumo”, págs. 43 e 44, é referida a deslocação de Amílcar Cabral à Argélia com o fim de recrutar mercenários, Ed. SCIRE, Lisboa 1978. Em documento da Direcção Geral de Segurança-Guiné, “Actividades do PAIGC”, Informação nº 1428-CI (2), Confidencial de 6 de Novembro de 1970, é referida a presença de estrangeiros instrutores e de comandantes de alguns grupos da guerrilha. Sabe-se também, por documento classificado de Secreto, de 23 de Setembro de 1971, que desde Maio de 1971 participaram mais de 250 Cubanos nas operações do PAIGC, na Guiné, efectuadas a partir de território senegalês e guineense. Estes elementos seriam pagos, em parte, pelo Comité de Libertação da OUA. Segundo um documento dos Estados-Maiores Peninsulares, “Informação Sobre o Apoio de Diversos Países a Movimentos de Libertação”, Secreto, de 20 de Março de 1973, Cuba apoiava o PAIGC a nível de quadros, técnicos e combatentes. Um outro documento, do Estado-Maior da Armada, II Divisão, “Influência Líbia no PAIGC”, Confidencial, 3 de Fevereiro de 1972, refere que após a Conferência da “Comissão de Coordenação para a libertação de África”, a Líbia prometeu apoio a pedido de Amílcar Cabral, no sentido de ser aumentado o auxílio material e militar ao seu partido; além do mais o Governo Líbio mostrou disponibilidade para participar em operações militares contra o inimigo português, na área.
(18) Secretaria Geral da Defesa Nacional, 2ª Repartição, “Exposição Sobre a Situação de Informações na Província da Guiné”, Secreto, 31 de Julho de 1964. De acordo com este documento, a infiltração de armamento na antiga Província da Guiné era feita a partir dos dois países limítrofes. Algum armamento era proveniente da Argélia, mas também de Cuba (material pesado) e da URSS e Jugoslávia (300 toneladas de armamento não especificado). Faz referência também a material importado pela Gâmbia e o seu posterior envio para o Casamansa.
(19) Régis Debray, “A Crítica das Armas”, pág. 145 e seguintes.
(20) Nuno dos Santos, “O Problema da África Actual”, pág. 17, Estado-Maior do Exército, Cadernos Militares - 4, Lisboa, 1969.
(21) Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 32, “Ordem de Batalha do PAIGC - Instrução, Táctica e Logística”, Secreto, Junho de 1971. |
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