FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA
Os movimentos independentistas,
o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)

CAPÍTULO I - Os grandes poderes mundiais e a África Negra subsequente à Conferência de Berlim

1.5. A Convenção luso-alemã de 1886 e o Ultimatum

O resultado final de Berlim, pretendido pela Alemanha, traduziu-se, na prática, pela consolidação da sua presença no Continente, mas sem entrar em conflitos com a Inglaterra. Esta última, para não ficar isolada, procurava evitar a aliança entre a Alemanha, França e Rússia.

Neste período de expansionismo, emergiu a necessidade de se definirem as fronteiras das possessões portuguesas e alemãs confinantes, bem como das respectivas esferas de influência.

As negociações, que começaram por definir as fronteiras Sul de Angola e que, a partir da instalação de Berlim em Zanzibar, abarcaram também a fronteira Norte de Moçambique, conduziram à Convenção luso-alemã de 30 de Dezembro de 1886.

Salientamos que, em anexo ao tratado, vinha publicado um mapa da esfera de influência portuguesa, numa vasta faixa entre Angola e Moçambique - o Mapa Cor-de-Rosa (1). A Alemanha, sabedora de que o texto era dirigido contra Inglaterra, apoia as pretensões portuguesas. Contudo, reduziu o seu impacto com a transformação do Tratado numa mera Declaração, sendo o documento posteriormente assinado.

Barros Gomes, Ministro dos Negócios Estrangeiros, apresentou à Câmara dos Deputados a consagração pública e oficial das pretensões portuguesas na África meridional, contrárias aos planos expansionistas ingleses de unir o Cabo ao Cairo. O ministro pretendia realçar o interesse português no país dos Matabeles, por forma a obter contrapartidas, quando cedesse nas negociações. A Inglaterra reage de imediato. Nesta procura de conduzir os Ingleses a negociações, Portugal cometeu o erro de “(...) não negociar simultaneamente (...) a composição do interesse dos dois países (...)” (2).

A consolidação de Portugal era tentada pela ocupação efectiva e pelo reconhecimento dos régulos. Portugal parecia decidido a ganhar a competição de Rhodes; apoiou-se no reconhecimento francês e alemão e enviou vários exploradores. A determinação portuguesa provocou, por parte dos Ingleses, exigências que Portugal procurou submeter à arbitragem de qualquer das nações signatárias da Conferência de Berlim. A Inglaterra, consciente do real isolamento português, deixou claro que não aceitava. Inúmeros acontecimentos decorreram até que, em 11 de Janeiro de 1890, o Governo Inglês concentra forças navais em pontos estratégicos e formula um Ultimatum a Portugal, exigindo o envio ao Governador de Moçambique de instruções telegráficas imediatas, para que todas as forças actuantes, quer na região do Chire (Malawi), quer nos territórios que hoje integram a Zâmbia e o Zimbabwe (terras dos Macololos e Machonas), se retirassem. Sem estas instruções as seguranças dadas pelo Governo de Lisboa eram ilusórias.

O Ultimatum inglês provocou uma forte reacção anti-britânica, por parte do povo português, que mais estimulou o esforço de defesa (3). Porém, Portugal acabou por ceder, “(...) por não ter sabido retirar a tempo, devido à leveza de critério dos governantes (...)”(4), sendo, assim, forçado a aceitar a “(...) tese de que nos territórios coloniais só a ocupação efectiva serve de título a direitos de soberania (...)”(5).

Em 20 de Agosto de 1890, é assinado, à pressa, um primeiro tratado com Londres, para resolver o litígio que esteve na origem do Ultimatum. Este foi recusado pelas Cortes Portuguesas, em meados de Setembro. O Governo foi substituído e, em 11 de Junho de 1891, Portugal assina um novo tratado com o Governo Inglês; contudo, este era-lhe mais desfavorável (6). Com a sua aceitação, Moçambique adquiriu as fronteiras actuais.

 

(1) O Mapa foi concebido e colorido pela Sociedade de Geografia de Lisboa em 1881, então presidida por Barbosa Du Bocage, e foi publicado pela primeira vez no manifesto intitulado "Ao povo portugez en nome da Honra, do Direito, do Interesse e do futuro da Pátria, a Comissão do Fundo Africano creada pela Sociedade de Geografia de Lisboa para promover uma subscrição nacional permanente, destinada ao estabelecimento de estações civilizadoras nos territórios sujeitos e adjacentes ao domínio Portuguez em África".

(2) Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 128.

(3) Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 81. “(...) Lança-se uma subscrição nacional para a compra de navios de guerra, a qual veio a concretizar-se no cruzador Adamastor; lança-se a boicotagem dos produtos ingleses; e os acordes da Portuguesa, que viria a ser o hino republicano, principiam a ouvir-se aqui e ali, galvanizando as almas inquietas (...)”, em “Dicionário de História de Portugal”, vol. VI, pág. 223, Direcção de Joel Serrão, Livraria Figueirinhas, Porto.

(4) Villas, Gaspar, ob. cit., pág. 357.

(5) Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 140.

(6) Pelo Tratado de 1890, Portugal mantinha todos os territórios sobre os quais exercia alguma aparência de ocupação efectiva, assegurando ainda amplas zonas não ocupadas no interior de Angola, no Sudoeste do Niassa e no alto Zambeze, ficando ainda com um corredor de 20 milhas entre Angola e Moçambique, onde podia construir estradas, caminhos de ferro e linhas telegráficas. No Tratado de 1891, Inglaterra reservou para si todo o hinterland produtivo, abandonando Portugal o planalto de Manica, em troca de uma área maior entre o Tete e Zumbo, a Norte do Zambeze; na região do Niassa, ficou para Portugal a margem ocidental que compreendia o Chire, e com a margem oriental, desenhando-se assim as fronteiras interiores de Moçambique e Angola.

 
 

 




 



hospedagem
Cyberdesigner:
Magno Urbano