FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA
Os movimentos independentistas,
o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)

CAPÍTULO I - Os grandes poderes mundiais e a África Negra subsequente à Conferência de Berlim
3. - A Sociedade das Nações e a realidade internacional

Oficialmente surgida em 10 de Janeiro de 1920, a Sociedade das Nações pode ser considerada a primeira experiência de organização da sociedade internacional, como resultante da passagem de uma sociedade europeia para uma sociedade alargada. Já desde a Conferência de Haia, em 1907, que se visiona a preocupação de uma “(...) política de segurança colectiva (...)” (1), que teve reflexos no Pacto da Sociedade das Nações, face ao conflito de 1914 - 1918, e, mais tarde, evidentemente, como reflexo do segundo conflito mundial, na Carta da ONU.

A Sociedade das Nações que, entre outros objectivos, procurava evitar o recurso à guerra (2), promover a justiça e o respeito pelo Direito Internacional, numa dupla missão de, em primeiro lugar, garantir a paz e segurança (3) e, em segundo lugar, desenvolver a cooperação entre as Nações, não conseguiu manter a sociedade internacional numa situação de estabilidade. No seu seio, surgiram diversas situações perturbadoras que conduziram ao seu desaire e ao despoletar de um segundo conflito mundial. Este com uma forma ainda mais violenta do que o primeiro.

No período entre as duas guerras surge a crise de 1929, com o abaixamento assustador da produção industrial e assiste-se a uma ascensão dos totalitarismos de vários géneros, como resposta aos problemas económicos. Assim, em 1934, Hitler (4) torna-se o Fuhrer da Alemanha, rearma-se unilateralmente e, no ano de 1935, dá os primeiros passos na aplicação da doutrina do espaço vital (Lebensraum). A textura mítica do Nacional Socialismo, tendo como base a superioridade da raça, com desenvolvimento paralelo ao anti-semitismo, amplia-se. A Itália, com o Duce (Mussolini) no poder desde 1922, escolhe como terreno de expansão o Império Abissínio e, em 1936, ocupa Adis-Abeba. Em Espanha, a ditadura de Primo de Rivera acabou por desembocar na guerra civil, em 1936. Em Portugal, Salazar encontrava-se no poder; na Polónia, o Marechal Pilsudski; na Áustria, Dollfus; na Grécia, o General Metaxas.

Estes sistemas defendiam em comum o “(...) nacionalismo, a hierarquia, o sentido de autoridade, a glorificação da juventude, o repúdio do individualismo burguês e liberal (...)” (5).

O problema, neste período da vida mundial, era um problema global que extravasava o continente europeu.

No Japão, a Revolução Meiji que eliminou a estrutura feudal, propulsionou a modernidade e o militarismo correlacionado com a tendência expansionista (guerra na Manchúria, iniciada em Janeiro de 1932).

No propósito preambular do Pacto da Sociedade das Nações está expresso que, para garantir a paz e segurança, é necessário “(...) aceitar certos compromissos tendentes a evitar a guerra (...)”, situação que é reforçada no Artº. 10º, onde está referido o respeito pela “(...) integridade territorial e a independência política (...)”. Estes artigos, quando invocados por alguns membros da Sociedade das Nações (como a Etiópia), não produziam nenhum resultado. Foi a impotência total do sistema de segurança colectivo, deflagrando-se, assim, “(...) um golpe muito sensível na autoridade da Sociedade das Nações (...)”(6).

As sanções previstas pelo Artº. 16º nunca foram aplicadas com eficácia, dado que as potências membros do Conselho, como a França e a Inglaterra, com a sua política de desconfiança, o tornaram ineficaz, ficando “(...) demonstrado que a SDN se sentia incapaz de exercer uma acção coercitiva quando defrontava um acto de força cometido por uma grande potência (...)” (7).

Os conflitos extra-europeus podiam afectar, indirectamente, os interesses franceses e ingleses. Mas um conflito no centro da Europa surgia como uma ameaça directa à paz e provocava uma alteração no equilíbrio existente. Mesmo assim, após um ultimatum para retirar da Polónia, a Inglaterra e a França declararam guerra à Alemanha em 2 de Setembro de 1939.

A II Guerra Mundial “(...) deu-se num globo unificado pela ciência, pela técnica e pelas infraestruturas, pela mundialização dos projectos políticos em conflito, as zonas marginais desapareceram, os teatros estratégicos incomunicantes não existiam, e o desafio à estrutura secular foi pela primeira vez global (...)” (8).

 

(1) F. G. Dreyfus, Roland Marx, Raimond Poidevin - “História Geral da Europa 3 - A Europa de 1789 aos nossos dias”, pág. 422, Publicações Europa América, Sintra, 1980.

(2) Ver artigos nº. 10 e 11 do Pacto da SDN.

(3) Ver artigo nº 8 do Pacto da SDN, sobre a limitação da ius belli.

(4) Hitler em 1935 cria a Luftwaffe e estabelece o serviço militar obrigatório; em 1938, anexa a Áustria (Anchluss); integra no III Reich a zona dos Sudetas; invade a Polónia (apesar do Pacto de não agressão em 1934) e faz um tratado da sua partilha com a Rússia, em 1939.

(5) F. G Dreyfus, Roland Marx, Raimond Poidevin, ob. cit., págs. 399 e 400.

(6) Pierre Renouvin, “História de las Relaciones Internacionales, Siglos XIX e XX”, pág. 977, Akal, Madrid, 1982.

(7) Idem, pág. 983.

(8) Adriano Moreira, em Prefácio de “A Descolonização Portuguesa (as responsabilidades)”, pág. III, de Manuel Gonçalves Martins, Livraria Cruz, Braga, 1986.

 
 

 




 



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