O continente africano era visto por muitos como uma fonte de matérias primas e de escravos, que proporcionava mão de obra barata. Segundo Marcello Caetano, as chancelarias voltaram-se para o continente negro em busca de zonas onde se alicerçasse novo prestígio político dos Estados e que pudessem oferecer mercados mais amplos para o comércio europeu (1). A sua partilha foi feita com base na cultura e mentalidade ocidentais.
Face à produção resultante da Revolução Industrial, a conquista económica não era suficiente. Surgia um “(...) espírito imperialista (...), querendo também o domínio territorial, não só da numerosa costa aberta toda ela à ocupação com expansão para o interior, mas também a terra já ocupada (...)” (2). Este interesse súbito deve-se sobretudo a factores como a pressão da opinião pública sobre os políticos, ou ainda para responder a movimentos idênticos dos adversários europeus, que poderiam ocupar em primeiro lugar o vazio existente.
A partilha efectuou-se num contexto em que o sistema internacional se encontrava em mutação. Acabara a hegemonia inglesa. Com o fim da guerra franco-prussiana (1870), surgiu o Império Alemão. Nos Estados Unidos da América, afirmou-se a doutrina de Monroe e, após o término da guerra civil, o país desenvolveu-se a um ritmo galopante. As conjunturas especiais, quer do Egipto quer da África do Sul, num processo típico de bola de neve, envolveram todos os poderes europeus, conduzindo à divisão de África.
De 15 de Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885, realizou-se a conhecida Conferência de Berlim (3) que, entre outros assuntos, introduziu nas relações internacionais regras uniformes relativas às ocupações que poderiam, no futuro, verificar-se nas costas do continente africano (4).
Durante a Conferência, que serviu para consagrar o início da corrida a África, digladiaram-se uma tese tradicional - a prioridade de descobrimento - e uma tese inovadora - só reconhecia o domínio de quem tivesse ocupação permanente e efectiva. A segunda acabou por vingar, passando a ocupação efectiva a substituir os direitos históricos, definindo-se assim um novo direito público colonial, como podemos confirmar no Cap. VI do Acto Geral de Berlim (5). Assim refere o Artº. 34 : “(...) A Potência que de futuro tomar posse de um território nas costas do Continente Africano situado fora das suas habituais possessões (...) e igualmente a Potência que num desses territórios vier a assumir um protectorado acompanhará o respectivo acto de uma notificação às outras potências (...)”, definindo o Artº. 35º a efectividade da ocupação pela “(...) existência de autoridade suficiente para fazer respeitar os direitos adquiridos e eventualmente a liberdade de comércio e de trânsito nas condições em que for estipulada (...)”.
A ocupação exigida da zona costeira subentendia, para a nação ocupante, a reserva do respectivo hinterland, mas não era possível delinear fronteiras de um continente cujo interior era praticamente desconhecido.
Nesta ordem de ideias, a Conferência não partilhou o interior da África, mas “(...) tornou irrealizável o tratado do Zaire (...)”(6). Portugal viu os seus interesses em África gravemente afectados e perdeu os direitos à margem sul do Congo (ficando só com o enclave de Cabinda).
Da Conferência destacamos duas situações:
- Em primeiro lugar, a presença de potências não coloniais e não europeias, como os Estados Unidos da América, pelo que “(...) o problema colonial tendia cada vez mais a deixar de ser considerado como assunto restrito aos interesses das potências colonizadoras, para passar a ser tratado como matéria relativa à expansão cultural e comercial das nações civilizadas (...)” (7), estando assim patente um etnocentrismo cultural, realçado por Bismarck no discurso de abertura da Conferência, uma vez que este apontava como objectivo “(...) a obrigação de concorrer para a supressão da escravatura e principalmente do tráfico dos negros, de favorecer e ajudar (...) todas as instituições que tenham por objectivo instruir os indígenas e fazer-lhes compreender e apreciar os benefícios da civilização (...)” (8), este etnocentrismo cultural que, como referimos anteriormente, verificar-se-á até aos nossos dias;
- Em segundo lugar, o expressar do sentimento colonial dos EUA, que pretendiam ver reconhecido o direito dos povos indígenas disporem de si próprios e do seu território, bem como o ser solicitado aos mesmos indígenas o consentimento para ocupação do território (9).
No presente século, isto reflectiu-se na posição anti-colonialista no seio das Nações Unidas e no apoio directo ou disfarçado a movimentos independentistas.
Seguia-se a teoria da continuidade que veio a dar a sua contribuição para o sonho português do Mapa Cor-de-Rosa.
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