FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA
Os movimentos independentistas,
o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)

CAPÍTULO I - Os grandes poderes mundiais e a África Negra subsequente à Conferência de Berlim
1.1. A questão de Bolama

O capitão da marinha inglesa Philip Beaver, seduzido pela descrição de Bolama, constitui uma sociedade para estabelecer em África uma colónia de gente livre “(...) como meio de civilizar os negros (...)” (1); para atingir o seu objectivo desembarcou 275 colonos britânicos em Bolama, no ano de 1792, vindo a abandoná-la dezasseis meses mais tarde. Posteriormente, a Inglaterra, prevendo a incapacidade de Portugal dominar o território (apesar de saber que o Régulo de Serra Leoa lha tinha dado em 1753), não hesitou em tomar posse da Ilha, tanto em 1814 como em 1827. É neste contexto que, em 1827, Sir Neil Campbell, Governador das possessões inglesas na África Ocidental, impõe aos régulos de Bolola e Guinala dois tratados para a cedência: um de Guinala e outro da ilha de Bolama e respectivas ilhas adjacentes. A Inglaterra surge assim com pretensões à posse de Bolama, fundamentadas em acordos e aquisições feitas por Beaver (1792).

O 1º Tenente Francisco Muacho, Governador de Bissau em 1828, conhecedor das intenções inglesas, conseguiu negociar com os reis de Canhabaque e com os Beafadas, a cessão da Ilha à Coroa de Portugal e no ano seguinte, o Coronel de milícias Joaquim de Matos obtinha, por sua vez, do régulo dos Bijagós a cedência da ilha das Galinhas.

No ano de 1835, com a criação do cargo de Governador Geral, com todos os poderes civis e militares, a Guiné passou a constituir um distrito destacado da Província de Cabo Verde.

Em 5 de Novembro de 1836, o Governador da Província, Coronel Joaquim Marinho, num relatório, referia igualmente as intenções dos países vizinhos, face ao território:

“ Na Guiné nem a nossa bandeira nem as nossas fortalezas eram respeitadas pelos estrangeiros (...), a ocupação de Casamansa, de Bissau e de Bolama eram sonho dourado dos nossos ambiciosos vizinhos (...) a permanência constante de vazos de guerra ingleses (e franceses) na Guiné, espreitando o momento próprio para dar o assalto (...) onde era efectiva já a nossa ocupação, demonstra a evidência que estes dois países França e Inglaterra estavam combinados a repartirem entre si aquele rico torrão” (2).

Várias foram as tentativas estrangeiras, nomeadamente britânicas, de intervir a cada passo na Guiné, fazendo, entre 1838 a 1869, larga ostentação de poderio naval nas respectivas águas. De todas essas tentativas consideramos que as mais graves ocorreram em 1859 e em 1861, quando o Governador da Serra Leoa mandou arvorar a sua bandeira em Bolama e quando os Ingleses consideraram a Ilha parte integrante da colónia de Serra Leoa, respectivamente.

Portugal reagiu, apresentando uma proposta para que a Inglaterra desistisse das suas pretensões ou, então, poder-se-ia recorrer a arbitragem. A Inglaterra, como já se tinha estabelecido na Ilha, não só recusou a proposta, como ainda, desencadeou violentas pressões e ataques armados à colónia do Rio Grande. Como resposta, o Governo de Cabo Verde decidiu libertar do domínio inglês a ilha de Bolama; fê-lo pela força e sem esperar ordens do Governo Central.

Perante este acontecimento, a Inglaterra não protestou e resolveu aceitar a proposta anterior, tendo sido designado para árbitro o Presidente dos Estados Unidos da América, Ulisses Grant, que, no dia 21 de Abril de 1870, proferiu a Sentença, atribuindo a Portugal plena razão, tendo por fundamento a descoberta da Ilha e do “(...) território fronteiriço na terra firme (...) por um navegador português em 1446 (...)”, pela ocupação de “(...) toda a costa na terra firme defronte da Ilha (...)” (3) e pela da própria Ilha.

As intenções inglesas não se reduziam a Bolama. Sá da Bandeira, no seu livro “O tráfico da escravatura e o Bill de Palmerston”, escreve que Lord Palmerston recebera um relatório, em 1836, onde era apresentada uma proposta útil para reduzir o tráfico da escravatura e promover o comércio britânico, baseada na ocupação imediata das colónias portuguesas ao norte do Equador, entre as quais Bissau e Cacheu (4).

A França, por seu lado, celebrou com a Inglaterra, em 1845, uma Convenção para assegurar a completa supressão do tráfico da escravatura, na qual se previa a fiscalização das águas das costas orientais e ocidentais da África, desde Cabo Verde até 16 graus e 30 minutos de latitude meridional, tendo o Governo Português aceite a referida Convenção, a coberto da qual era inegável a ocupação pela força de toda a Guiné, sem que Portugal tivesse direito a reclamar.

Com a sentença arbitral, referente à ilha de Bolama, a “(...) fronteira sudoeste estava, pois, demarcada; as restantes acabaram por ser delimitadas com a França (...)” (5).

A 18 de Março de 1879, o território é proclamado “Província da Guiné”, passando a sua administração a ser independente de Cabo Verde, e sendo a capital da nova Província estabelecida em Bolama.

 

(1) António dos Mártires Lopes, “A Questão de Bolama - Pendência entre Portugal e Inglaterra”, pág. 13, Figuras e Factos de Além-Mar, nº. 11, Agência Geral do Ultramar, Lisboa, 1979.

(2) José de Senna Barcelos Cristiano, “Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné”, Lisboa, 1899 a 1913 (vol. VI), Publicação da Academia das Ciências parte IV, págs. 123 e seguintes.

(3) Silva Cunha e A. Gonçalves Pereira, “Sentença Arbitral proferida pelo Presidente dos Estados Unidos da América, na questão com a Grã -Bretanha por causa da ilha de Bolama e mais territórios na costa ocidental de África em 21 de Abril de 1870”, em “Textos de Direito Internacional Público”, págs. 145 a 147, 2ª Ed., Universidade Portucalense.

(4) Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, págs. 76 e 77.

(5) Luís de Matos, “A Delimitação das Fronteiras da Guiné”, pág. 14, Separata de Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, curso de extensão universitária, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas, ano lectivo de 1965/1966.

 
 

 




 



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