Na sequência lógica de Berlim, surge a necessidade de elaborar o traçado das fronteiras da Guiné, iniciado já quando da questão de Bolama, e em que se definiu a fronteira sudoeste. Assim, Portugal, em 1886, assinou uma Convenção com a França para a delimitação das respectivas possessões na África Ocidental com a qual se dá por finda a fase de alargamento, dando-se continuidade à ocupação militar e submissão dos indígenas às autoridades portuguesas.
Só em 1905 é que a fronteira da Guiné Portuguesa ficou definitivamente marcada, tendo havido necessidade de ratificar o limite oriental, para manter em território francês a povoação e o regulado de Kadé (Fulamori). Assim, para compensar Portugal da área perdida a oriente, a fronteira foi alargada em igual superfície a sul do Rio Cacine.
Esta questão revestiu aspectos multifacetados e foi despoletada, se assim o podemos considerar, a partir de 1828, altura em que um comerciante francês se fixa na ilha dos Mosquitos, na embocadura do rio Casamansa. Portugal considerou tal atitude intencional por parte dos franceses, como tentativa para se apoderarem do comércio da zona. Mas só mais tarde, em 1836, é que, com base em informações inglesas, Portugal ficou conhecedor das intenções francesas para abrir feitorias no Casamansa, além Ziguinchor. Inicia-se aqui uma extensa troca de notas diplomáticas entre as duas chancelarias que só termina em 1886, como já foi referido.
Os já tradicionais argumentos utilizados por Portugal de prioridade de descobrimento, ocupação anterior e em permanência eram contestados pela França, não reconhecendo esta o direito da exclusiva soberania e navegação, dado que também ela exercia “(...) direitos reais de soberania de posse e de comércio (...)” (1), adquiridos por tratados com régulos ou através da conquista.
A acção colonial francesa foi iniciada no Senegal, visando os Tocolores (islamizados), a quem o General Faidherbe obrigou a reconhecer o protectorado francês sobre os territórios que marginavam o rio Senegal. Na origem do conflito com Portugal esteve a sua pretensão de atingir as montanhas do Futa-Djalon, uma vez que estas conferiam uma posição invejável para os seus projectos de domínio do hinterland.
A França exigia, a Norte, ambas as margens do rio Casamansa; como Portugal não pretendia perder o rio todo, e muito menos a Guiné, chegou a propor aos franceses a internacionalização do mesmo rio, cabendo a estes, entre outrosterritórios, a margem esquerda. Todavia, situações como o auxílio prestado em Berlim, face às desinteligências com a Associação Internacional do Congo, e o desenvolvimento, havia algum tempo, de grande actividade ao longo do rio, contribuíram para a cedência de Portugal, cuja fronteira meridional foi fixada além do Cacine (2).
Estes acontecimentos litigiosos com a França ocorriam em simultâneo com o diferendo com a Inglaterra, a propósito da ilha de Bolama.
Na questão em apreço, é preciso fazer notar que, nesta época e circunstância, a luta que se travava em África era exclusivamente entendida entre potências coloniais europeias, dado que não eram tidos em linha de conta tanto os interesses como as estruturas africanas.
O pensamento português de unir Angola a Moçambique, do Bié ao Zambeze, devia presidir (3) às negociações efectuadas por Andrade Corvo, negociações que se iniciaram em 22 de Outubro de 1885 e acabaram com a assinatura de uma Convenção, a 13 de Maio de 1886. Portugal transigiu face ao Casamansa, mas obteve em troca o reconhecimento de “(...) exercer a sua influência soberana e civilizadora nos territórios que separam as possessões portuguesas de Angola e Moçambique, sob reserva dos direitos anteriormente adquiridos por outras potências (...)”, e de que a França se obrigava, note-se, “(...) pela sua parte, a abster-se ali de qualquer ocupação (...)” (4).
Este foi o preço pelo Casamansa, presídio de Ziguinchor e Rio Nuno. As consequências foram distintas para as partes contratantes. De acordo com a ambição francesa, a sua esfera de influência, no interior, ficou acentuada, levando os Ingleses, com o desejo de pôr travão à situação, a estarem em “alerta permanente”. O território de Portugal ficou ao meio com o papel de manter uma posição de equilíbrio, face à dependência, quase exclusiva, das feitorias francesas da Senegâmbia e das rotas comerciais que partiam da Serra Leoa e Senegal.
O traçado das fronteiras foi feito a régua e esquadro: separaram-se povos com cultura e história comuns, entregando-os a países distintos. Vingou a lei do mais forte, provocando problemas que ainda hoje se arrastam e, nos casos dos actuais territórios da Guiné-Bissau, do Senegal e da Guiné-Conacry, foram divididas, por exemplo, as etnias islamizadas dos Fulas e Mandingas. Estas e outras sociedades afectadas reagiram através de “(...) mecanismos de accionamento e comunicação, que, para além dos canais próprios dos Estados, explicam a vida das sociedades (...)”(5) e que ou são anteriores às demarcações coloniais ou depois delas subsistem.
A Convenção de 1886 provocou o isolamento do Casamansa do resto do País, constituindo a Gâmbia um enclave separador no seio do Senegal, de onde advém uma das causas independentistas, desenvolvida pelo Mouvement des Forces Démocratiques du Casamance (MDFC) (6), que pretende hoje, já no pós guerra fria, o separatismo do Casamansa. O MDFC argumenta com problemas sócio-económicos e com um passado ligado à colónia portuguesa e não ao Senegal.
A Convenção transpôs para a actualidade um “(...) contencioso político e territorial com a Guiné-Bissau (...)” (7) pela disputa de jazidas de petróleo na região.
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(1) Luís de Matos, ob. cit., pág. 16.
(2) Salientamos, no entanto, que Honório Barreto procedeu à compra de vários territórios na margem esquerda do Casamansa e, de imediato, os doou a Portugal (1884/1885).
(3) Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 121.
(4) Artigo 4º da “Convenção Relativa à Delimitação das Possessões Portuguesas e Francesas na África Ocidental”, em, Silva Cunha e A. Gonçalves Pereira, ob. cit., págs. 171 a 174.
(5) Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, Curso de 6 Lições, pág. 21, Universidade Portucalense, Porto, 1989.
(6) Herdeiro do MDFC de 1947, apareceu publicamente em 26 de Dezembro de 1982 em Ziguinchor, numa manifestação independentista.
(7) Jean Claude Manut, “ La Casamance: du Particularisme au Séparatisme”, em “Hérodote”, pág. 208, Revue de Géographie et Géopolitique, n os 65/66, 2 e et 3 e trimestre de 1992, Ed. La Découverte. |